quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vamos zerar com o novo ano

"Cortar o tempo!



Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança,
fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano
se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação
e tudo começa outra vez,
com outro número e outra vontade
de acreditar que daqui pra
diante vai ser diferente."

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ano Novo

"happy end


o meu amor e eu
nascemos um para o outro;

agora só falta quem nos apresente"
 
Antônio Carlos de Brito
colhido em http://belasmensagens.zip.net/

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

As Pedras da Memória

"A Concha


A minha casa é concha. Como os bichos
Segreguei-a de mim com paciência:
Fachada de marés, a sonho e lixos,
O horto e os muros só areia e ausência.

Minha casa sou eu e os meus caprichos.
O orgulho carregado de inocência
Se às vezes dá uma varanda, vence-a
O sal que os santos esboroou nos nichos.


E telhados de vidro, e escadarias
Frágeis, cobertas de hera, oh bronze falso!
Lareira aberta ao vento, as salas frias.


A minha casa. . . Mas é outra a história:
Sou eu ao vento e à chuva, aqui descalço,
Sentado numa pedra de memória."
 
Vitorino Nemésio

Hoje acordei às 14 h

e sentia-me a Bela Adormecida, até ter olhado para o espelho.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Uma tarde sempre a esquecer...

"Poema de Natal

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados,
Para chorar e fazer chorar,
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses,
Mãos para colher o que foi dado,
Dedos para cavar a terra.
Assim será a nossa vida;
Uma tarde sempre a esquecer,
Uma estrela a se apagar na treva,
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar,
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço,
Um verso, talvez, de amor,
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E que por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre,
Para a participação da poesia,
Para ver a face da morte -
De repente, nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte apenas
Nascemos, imensamente."

Vinícius de Moraes
Faz hoje 38 anos que o meu pai morreu.
No único Natal que fomos passar «à terra», evocado por anos e anos...Uma sombra no Natal! Alguém dizia sempre: «Faz hoje anos que fomos à terra passar o Natal...».
Dos que foram «à terra» naquele Natal, já vários estão enterrados e, agora, poucos são os que sobram desse tempo.
A família cresceu e temos hoje novos membros que não sabem dessas evocações ou que as arrumam na caixa dos «assuntos sensíveis para a mãe e as tias», mas que já não sentem nada de especial nessas alturas.
O que não deixa de ser curioso é que eu ficava sempre com o coração pequenino quando a minha mãe evocava estas recordações e achava que era uma sombra incómoda, sempre, sobre o nosso Natal, mas esta noite, quando voltávamos do cinema e o meu sobrinho disse: «Olha tia, já é segunda-feira. Diz ali: 27 de Dezembro.» foi dos meus lábios que se escapou - sem eu saber como - a frase: «Faz hoje anos que o meu pai morreu.»
O garoto guardou um silêncio respeitoso e eu repreendi-me mentalmente.
Depois concluí que há sempre alguém a perpetuar as tradições e que agora fui eu quem assumiu o papel de recordar a nuvem negra e incómoda sobre o nosso Natal...Afinal, talvez a nuvem negra do Natal que passámos «na terra» só se desvaneça quando já não houver na Terra ninguém dos que foram «à terra» nesse Natal...

(Assinalei a expressão «terra», porque sempre se disse isto lá em casa, mas o único que era daquela terra - de facto, o que podia dizer com propriedade «a terra» - faleceu no ano seguinte e estava duas gerações antes de mim. Mas «a terra» ficou sempre «a terra», talvez porque seja difícil considerar torrão natal um anel de uma cidade juncado de prédios ou talvez porque viva em nós uma nostalgia campesina das origens da alma lusa, muito cultivada no Estado Novo...tempo em que todos vivíamos no Natal em que fomos «à terra», há 38 anos atrás)

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Todos

os que por aqui passam (que sempre vou sabendo que são mais do que os que aparecem), os Pais Natais, as Mães Natais, os Irmãos Natais, os Sobrinhos Natais e a todos os Filhos do Pai e da Mãe, desejo um Muito Feliz Natal!

Beijinhos!

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Soneto de Natal

Um homem, - era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço no Nazareno, -
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,


Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.


Escolheu o soneto... A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.

E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
"Mudaria o Natal ou mudei eu?"

Machado de Assis

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Bem "bolado", sim senhor...

E porque o Natal é das épocas do ano que mais estereotipos comporta, porque evoca uma série de imagens e mensagens que estão arreigadas no nosso espírito, lá desde a infância, fica muito bem esta divertida contribuição para a (interminável?) guerra dos sexos:

"Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.

Quem é a melhor amiga do Melocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais."

Martha Medeiros (Dezembro de 1998)
Texto extraído do livro "Trem-bala", L&PM Editores - Porto Alegre, 2002, pág. 177.

Sexy Christmas

domingo, 19 de dezembro de 2010

Irmandade

Estão a dar mais uma criação cinematográfica sobre o nascimento de Jesus. E não é que a Sagrada Família toda falava inglês? Agora já não me espanto que acontecesse o mesmo com todos os extraterrestres que os personagens do Espaço 1999 encontravam. Afinal, somos mesmo todos irmãos!...

Corrigir a vida

"Eu queria fazer um livro não da vida como ela é, mas como eu queria que ela fosse. Um livro para a gente pegar e ler quando quisesse esquecer a vida real... Eu entendo a Arte como sendo uma errata da vida. A página tal, onde se lê isto, leia-se aquilo..."
Érico Veríssimo in "Um Lugar ao Sol"

sábado, 18 de dezembro de 2010

A palavra seguinte é desespero...

"No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de te querer tanto"   Dulce Pontes; Lágrima

Trocadilhos...

egs
Sete colheres a um ovo!
colhido em O Pilha Blogs

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

As Bactérias



colhido em De Rerum Natura

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Soube agora

que Carlos Pinto Coelho nunca mais Acontece neste nosso mundo.
Foi meu privilégio ouvi-lo muitas vezes, aprender muito com ele...é meu privilégio sentir e lamentar a sua falta e considerar que também ele influenciou a minha visão do mundo, da cultura e, felizmente, me fez conhecer o jornalismo de qualidade. Verdadeiramente, considero que é meu privilégio perceber a diferença entre o que aprendi com Carlos Pinto Coelho e o que lamento não aprender hoje com programas «alegadamente» jornalísticos.

E seguindo, mais uma vez as palavras de Carlos Pinto Coelho, revividas agora, ali, na televisão, fui à procura de uma referência sua a Octávio Paz, para aprender e guardar mais estas palavras:

"A maneira como morremos diz aquilo que fomos. A morte define a nossa vida. É um espelho que reflecte os gestos sem sentido dos vivos. A vida de cada um de nós — toda essa confusão de múltiplas acções, omissões, desgostos e esperanças que é a nossa existência — não encontra na morte um sentido ou explicação, mas um fim. A nossa morte ilumina a nossa vida. Se à nossa morte faltar sentido, é porque a nossa vida também não o teve. Cada um de nós morre da morte que procura, da morte que construiu para si próprio. A morte de um cristão ou a morte de um cão reflectem diferentes formas de vida."

Os preconceitos impedem-nos sempre de ver claramente. Mesmo com óculos! :-)

"Um alentejano foi de visita à China e comprou um par de óculos cheios de tecnologia, com uma capacidade ímpar: quando os põe, começa a ver todas as mulheres nuas... Fica encantado com a descoberta chinesa.
— Que maravilha! Isto sim, é tecnologia!!!
E lá regressa ao Alentejo, louco para mostrar a novidade à sua Maria. Entretanto, no avião maravilha-se vendo as hospedeiras e as passageiras todas nuas — uma delícia!

Quando chega a casa, entra já com os óculos postos para abraçar a sua Maria toda nua.
Abre a porta de casa e vê a sua Maria a conversar com o seu vizinho, todos nus sentados no sofá.

Tira os óculos, todos nus!... Põe os óculos, todos nus!...

— Já avariaram!!! Estes produtos chineses são uma treta!..."
 
Recebida por e-mail, de um leitor e colaborador assíduo. Vejam lá se adivinham...

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Uma nova actualidade? Completamente: agora escreve-se sem 'c''

O Telejornal começou mais cedo, hoje, na SIC. Deve haver futebol, que é aquilo que costuma transtornar toda e qualquer rotina das mais arreigadas do país.
Tendo acabado de «lavar a cabeça» com uma patacoada de fim de dia - no caso a nova novela cómica Ti-ti-ti - pensei que talvez não fosse mau tentar acompanhar um noticiário inteiro, amestrar-me com a actualidade; sempre poderia falar com as outras pessoas, sinto-me tão 'out'...tão sem interesse em tudo aquilo que se comenta, com uma profunda anemia de interesse pela circulação quotidiana a que chamamos dia-a-dia. Ocupada que estava a fazer festas ao novo bichano e a desviar a mão dos seus dentes afiados e brincalhões, mantive-me sentada. Mas o Sinhô Gato resolveu perseguir uma mosca e abandonou-me perante a desolação de olhar para o écran, ver e ouvir as notícias... O computador aqui tão perto...uma lista de «Favoritos» a desafiar-me para deambulações...e, zás! zarpo na net, encolhendo os ombros às dúvidas de conseguir, ainda assim, manter-me concentrada e com-pre-en-der o noticiário, a minha condição de pertencente ao mundo...
No De Rerum Natura um rebuçado para a alma, de alguém que também não compreendia o dia-a-dia que lhe queriam impôr como a normalidade:

"Uma entrada de Conta Corrente 3, de Vergílio Ferreira, datada de 13 de Fevereiro de 1981, a páginas 47 e 48:

«Ontem, na rádio (...) alguém falava de pedagogia moderna. Conheço a música suficientemente: trabalhos de grupo, iniciativa do aluno, aligeiramento da pressão do mestre segundo o atávico e mau costume de «impor» e de «ditar», desopressão da memória, essa faculdade reaccionária, descomplexificação das criancinhas com a permissão compreensiva dos seus caprichos selvagens, etc.


Claro que a criatura que preopinou na rádio nao foi isso que disse. Mas foi. O trabalho e a disciplina são os alvos privilegiados para se arriar e ser progressivo. E das três fundamentais faculdades humanas - a inteligência, a sensibilidade e a memória - é nesta que se aplica a maior coça purgativa.


Daí que a História tenha sido praticamente eliminada do ensino, seja qual for a forma que ela tenha de historiar: história sociopolítica, história da língua, da literatura. Hoje o aluno ignora praticamente quem é que lhe fabricou o seu modo de ser, quem cavou para ele semear, como é que se travou a sua eventualidade portuguesa. Do mesmo modo, ignora razoavelmente quem é que o ensinou a sentir, quem é que lhe arranjou a língua que tem, ou seja o seu modo de entender o mundo, ou seja o seu mundo. Não senhor. Olhar para trás, não. «Para trás mija a burra», e ele não pertence à espécie. Ele está virado para a frente, com o progresso entremeado em todas as articulações. Que raio lhe interessa saber quem era D. Afonso Henriques, que se calhar nem era do Benfica? que diabo pode interessar-lhe o Álvares Pereira, que nem sequer foi talvez à TV? Ser pela História é ser pela reacção, que quer dizer «acção para trás». Além de que obriga a «decorar».


Ora meter nos cornos nem que seja a tabuada - que violência fascista. Obrigar à disciplina, que violência pidesca. Uma criança nasceu, como é sabido desde os hotentotes, para a livre expressão da sua terna selvajaria. Uma criança nasceu para inocentemente partir os móveis, borrar as paredes, fazer o seu chichi nos vasos, quebrar a louça por enternecedor passatempo e sobretudo para não ser submetida à grilheta do estudo.


Tenho as minhas discussões com despachados pedagogos, advogados desse sistema. Aqui há uns dois anos, por exemplo, com a professora primária da Rita. A miúda estava já na segunda classe mas ignora ainda praticamente o feito do a. Timidamente fui adiantando à professora que seria talvez conveniente informar a criança como era isso do a e coisas assim. Ela sorriu piedosamente para o meu atraso pedagógico e explicava-me com paciência que a livre formação de uma criança, que a sua descomplexificação, que. Eu ouvia e ia aprendendo. Em todo o caso, insistia eu, talvez que, enfim, ensiná-las a juntar duas letras, ir começando a dar-lhe notícias de que as palavras se podiam escrever e ler e... Ela desistiu de dialogar, porque a sua piedade já não chegava para tanto.


Nas férias desse ano, a senhora professora pediu-nos emprestada a casa de campo para se instalar cá uns dias com o seu rancho escolar. Dissemos que sim, pois. E cá estiveram todas muito contentes. Uma das criancinhas, na sua livre expressão, tentou com uma podoa derrubar-me um inofensivo pinheiro. Outro subtraiu-me uma máquina de um comboiozinho eléctrico. Outra destrui-me um ninho que havia ao pé do alpendre. Mas libertaram-se da ameaça de complexos e recalcamentos e eu fiquei contente. E em face disso, tempo depois a senhora professora escreveu-me a agradecer. Era um bilhete ilustrado muito bonito e começava assim: «Não poço agradecer-lhe devidamente...». Sim, sim poço com c cedilhado. Mas sejamos compreensivos: se as crianças têm o direito à descompressão, a senhora professora também tem.»"

Um post de Helena Damião, para ler aqui: http://dererummundi.blogspot.com/2010/12/o-meu-atraso-pedagogico.html#comments

Afinal ainda ouvi alguma coisa do noticiário: estão a discutir a corrida desenfreada aos últimos pacotes de açúcar, num país com vários milhares de pessoas com dificuldades económicas para comprar o pão e o leite!

Leitura

O apoio começou ontem, visando sobretudo ajudar a aluna a integrar-se, uma vez que chegou recentemente de um outro país.
O apoio foi dado na biblioteca e, claro, uma das recomendações para uma melhor integração na escola, foi ler bastante. Ler o que quiser: livros sérios ou brincalhões, adequados à sua idade, recomendados ou não pelo plano nacional de leitura...ler, ler muito e procurar saber e ampliar o significado de todas as palavras.
Escolhemos um livro para leitura das férias de Natal. Integrado numa colecção jovem, dedicado sobretudo ao público feminino (com uma capa sugestivamente cor-de-rosa), com 15 pequenos capítulos, 2 ou 3 páginas cada um.
- Tens 15 dias de férias, podes ler um destes capítulos por dia e fazer um resumo em um ou dois parágrafos. Quando regressarmos à escola, eu devo ficar a conhecer o livro, capítulo por capítulo, pelo teu resumo.
- 'fessora, eu posso começá a lê ainda antes das férias. Eu posso começá a lê hoje.
- Óptimo. E se não gostares, ainda podemos trocar de livro. Até amanhã então.
...
- Olá! Então? Ainda começaste ontem o livro?
- Sim, 'fessora. Li uma página.
O sorriso aberto não deixava dúvidas de que tinha gostado do que tinha lido...Daí a minha dúvida: Como pôde ler só uma página?!...
Procurei na memória. Creio que nunca consegui ler só uma página de um livro que considerasse interessante. Ou talvez mesmo de um que não me interesse. Como se pode ler só uma página de um livro? Eu não sabia que era possível começar um livro e desempenhar a tarefa de leitura, uma página de cada vez...
Não comentei. Não me posso queixar. Ela começou a tarefa ainda antes do solicitado...e sorri...
Mas não consegui deixar de ficar perplexa.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poema de Natal

Recebido agora mesmo, por mail, de alguém que resolveu resistir ao "Natal Digital", que por aí circula e enviar aos amigos um poema, à moda antiga. À moda dos escritores que escreviam, no papel, uma palavra de cada vez, um acto singular e voluntário.

" Natal

Percorro o dia, que
esmorece
Nas ruas cheias de
rumor;
Minha alma vã
desaparece
Na muita pressa e
pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei
um anjo,
dos que anunciam no
jornal;
Mas houve um etéreo
desarranjo
E o efeito em casa
saiu mal.

Valeu-me um príncipe
esfarrapado
A quem dão coroas
no meio disto,
Um moço doente,
desanimado...

Só esse pobre me
pareceu Cristo."

Vitorino Nemésio

Obrigada. Feliz Natal!

domingo, 12 de dezembro de 2010

Domingo: Memória Descritiva

A Superinteressante deste mês traz, como chamariz de capa, um artigo sobe a memória. Antes de me ter apercebido da decisão, já a tinha comprado. E fiquei a pensar nisto: porque é que eu tenho este interesse (quase obcessão) por tudo o que se relaciona com a memória? Eu quero muito compreender a memória. Será por que sou de História? Ou será, precisamente o contrário, sou de História porque me interesso pela Memória?
História e Memória não são sinónimos. Embora a História seja uma Memória, nem sempre a Memória é uma História. Raramente é. A Memória aparece-me mais como um conjunto de fragmentos, que, conscientemente, nos esforçamos por arquivar como uma História: a nossa História.
E a Memória é a matéria-prima da História, mas raramente esta se reduz áquela.
Frequentemente fala-se da Memória no plural: as Memórias. Que se escrevem. Nunca aparece a Memória de...fulano de tal. Aparece-nos As Memórias...Como se estas fossem sempre plurais, mesmo quando se referem a um único fio de pensamento.
Ou talvez não. Talvez o pensamento é que não seja unilateral e por isso se descreva no plural.
E a História?
Também não é unilateral. Também é plural. Mas - sem saber porquê - a Históra perde credibilidade se for narrada no plural. As histórias não têm a mesma credibilidade que a História.
As histórias (estórias, do outro lado do mar) são de encantar. A História é um conjunto de exemplos primordiais: os heróis, os feitos pátrios, a construção da Europa, a descoberta do Mundo...
A História confere um carácter doutrinário à Memória - sempre unificada, quando passa para o lado de matéria científica.
Será?...
Continuam a fascinar-me os meandros das histórias e das memórias e das suas construções que nos surgem com a credibilidade da maiúscula e da unidade...ou unilateralidade...
No fundo, o que sempre me preocupa é esta certeza, que eu tenho, da necessidade da subjectividade, da mentira da objectividade, da narrativa impoluta que esconde o narrador...que sempre se assemelha ao «gato escondido com o rabo de fora», porque gato que é gato não é cão, e pessoa que é sujeito não pode ser - sem se automutilar - objectivo, ao descrever um objecto...que escolheu...objectivanmente?...
História e Memória são edifícios construídos. Com que pedras? Acho que essa é a minha demanda.

A Primeira Festa de Natal

"Boas Festas! Boas Festas!

Até para ao ano..."

Partimos cheios de calor, dos braços de amigos, alguns que só vemos por ali, uma ou duas vezes por ano...mas que já saudamos com a certeza de que algo nos une: a anfitriã destas festas e tudo o que com ela está relacionado.

sábado, 11 de dezembro de 2010

Fim de semana

Depois da tempestade vem a Bonança, que, não sendo necessariamente uma companhia de seguros, nos dá uma certa Tranquilidade.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

A serenidade...a serenidade é que é difícil, perante a mesquinhez dos outros...

"É fácil viver no mundo conforme a opinião do mundo: é fácil na solidão viver conforme a própria opinião; mas grande homem é o que, no meio da multidão, conserva com plena serenidade a independência da solidão."    Ralph Waldo Emerson, in 'Ensaios'

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

8 h 15 m

"- Bom dia!
- Bom dia, professora. O fotógrafo tem fotografias lindas.
- Quem? - respondo ensonada e de mau-humor, que levantar cedo, nunca, nunca há-de ser fácil para mim...
- O fotógrafo que a professora falou. Eu fui ver e até guardei algumas fotografias.
Quando começo a perceber que ela - que até teve negativa no teste de História, note-se! - estava a falar de Halsman e da conversa que tínhamos tido sobre assuntos da História que extravasam em muito a árida Pré-História que constitui o programa deste nosso primeiro período, o meu coração esboça um sorriso, que ainda está no princípio, quando é interrompido por outra voz fresca de manhã: "Já se lembra do nome do outro senhor?"
- Quem? - pergunto já quase de bom humor
- O herói; o homem da floresta de Israel.
O sorriso extravasa o coração para se plantar na minha face, iluminando a manhã: - Aristides de Sousa Mendes. - Escrevo no quadro.
- Como é que era?...Quem era o homem?...dos alemães...
- Hitler?
- Sim. O que é que ele era na Alemanha?
- Não sabes? - pergunta outro, incrédulo
Atalho com um curativo, face ao desânimo que iria invadir a face do perguntador: - E porque haveria de saber? A matéria ainda nem é deste ano...
- Mas faz parte da cultura geral!...
- Que ele está a adquirir na escola, quando faz perguntas, porque quer saber.
- Está bem, pronto. - desistiu, com aquele ar de quem respeita a justiça, que eles fazem às vezes e que me deixa muito contente.
Mais um pouco de conversa sobre os judeus, ligando com a comunidade judaica brasileira que é retratada na novela da tarde "Caras e Bocas" e por fim o travão necessário - agora que já estão todos ganhos para a História - e o regresso à matéria deste ano: Os Fenícios e a escrita alfabética, os hebreus e a religião monoteísta...
Estávamos a falar do Príncipe do Egipto, da Walt Disney, quando nos apercebemos que a aula tinha terminado e era tempo do teste de espanhol.
Abandonei a aula, com o coração quente, pensando que, às vezes, contra tudo e contra todos, vale a pena acreditar!"

Também bate um coração...

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Celebrando o Dia Santo num País Laico...

A nossa laicidade é uma coisa de bradar aos Céus! :-)

Mais um episódio da nossa laicidade

Celebra-se hoje o Dia de Nossa Senhora da Conceição, «elevada à categoria de Padreira de Portugal», em 1646, por D. João IV, o Restaurador (não, não é o Olex), o primeiro da (última) dinastia da Casa de Bragança.

No ano em que celebramos o Centenário da República, que se pautou pela Laicidade - que considerava um valor incontestável - celebramos em alegria o feriado católico, por todo o Portugal.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Adágios de tempos anteriores aos iogurtes

"O saber não ocupa lugar" e "Trabalha que Deus te ajudará" foram dois adágios que marcaram a minha infância, no incitamento ao esforço e a um desempenho tão perfeito quanto possível de todas as tarefas, coisa que eu levei mais a sério no campo das tarefas escolares.

Hoje lembrei-me muito destas palavras e apeteceu-me agradecer a quem me incutiu estes princípios desde muito nova.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Uma das mais famosas imagens de Halsman

Salvador Dalí

Os empregos das palavras que temos de ouvir em certos empregos

Como Bancário:

"Bom dia. Quero saber se o meu obstrato já chigou."

"Queria o nibel da conta."

"Queria um carneiro de cheques."

"Dou o meu abalo ao suscritor."

"Quero dissolver esta conta."

"Desculpe, a partir de que valor é que a conta fica negativa?"

"A sua colega que está na máquina multibanco ficou-me com as notas!"

"A máquina comeu o meu cartão Securitas!"

"O multibanco enganou-se. Posso falar com a senhora que está para ali a falar dentro da máquina?"

"Queria fazer umas perguntas sobre aquele cartão nespresso."

"Estou muito nervosa, o meu cartão foi extraviolado..."

"Bom dia. Tou a chegar agora da França e venho aqui para ver se os seus chiffres batem com os meus..."

"Porque é que os cartões agora têm um chispe?"

 
(com os agradecimentos ao Mestre Mendes, que me enviou estas belas citações, que por aqui ficam devidamente guardadas)

domingo, 5 de dezembro de 2010

Halsman

Um dia de temporal é bom para ficar em casa, para apreciar o facto de não ser um dia de semana e ter mesmo de sair.
É também um bom dia para explorar recursos, como a cadeia de canais por cabo, que ainda nem conheço bem, cingindo-me sempre aos do costume.
E foi assim que descobri o MOV um canal de cinema.
Fiquei presa a um filme sobre o julgamento de um judeu, que foi considerado culpado, desde logo, por ser judeu. Sempre me impressionam as narrativas que mostram o lado animal que assolou as pessoas durante o nazismo. Por mais que explique não consigo, verdadeiramente, compreender...
O final do filme referia-se ao destino das personagens e falava em registos selados daquele julgamento, considerado a primeira condenação de um judeu pelos nazis.
Desde então tenho estado por aqui à procura. Se encontro as referências ao fotógrafo, judeu, que, como repórter da revista Life, nos deixou brilhantes fotografias de celebridades a saltar (o que os americanos chamam «jumpology»), não consigo encontrar referências à questão da morte do seu pai e da sua condenação, a não ser na sinopse do filme que acabei de ver.
Phillipe Halsman existiu mesmo e os seus trabalhos são famosos, mas o que não consigo saber é se esta parte da sua biografia - que deu origem ao filme americano de 2007 - também existiu mesmo. Se alguém me puder ajudar com informação, fico muito grata.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Temporal

"Lugar ventoso, lugar sem repouso"

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Uma Arte

"A arte de perder não é nenhum mistério;
tantas coisas contêm em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.


Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.


Depois perca mais rápido, com mais critério:
lugares, nomes, a escala subseqüente
da viagem não feita. Nada disso é sério.


Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.


Perdi duas cidades lindas. E um império
que era meu, dois rios, e mais um continente.
tenho saudade deles. Mas não é nada sério.

— Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo
que eu amo) não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério
por muito que pareça (Escreve!) muito sério."

Elizabeth Bishop
In: O iceberg imaginário e outros poemas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 309
colhido em: http://belasmensagens.zip.net/index.html

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Solidariedade, "da boa"

"[...] Até hoje dificilmente o Homem tem cultivado a solidariedade. Ele é solidário apenas na dor, e a solidariedade na dor não é a forma mais elevada de solidariedade. ... tal solidariedade (na dor) é muito limitada. Deveríamos ser solidários com a vida na sua totalidade, não apenas na dor e na doença, mas também na alegria, na saúde e na liberdade. ... Qualquer um pode se sentir solidário na dor sofrida por uma amigo, mas é preciso uma natureza muito superior ... para se sentir solidário no êxito alcançado por um amigo. [...]"  
Oscar Wilde In: O Retrato de Dorian Gray
colhido em http://belasmensagens.zip.net/index.html

Sabem o que é uma orquictomia?

O meu gato também não, mas tem uma marcada para amanhã de manhã.
E eu olho para ele com tanta pena e tantos sentimentos de culpa que ele já percebeu e vai explorando - exigindo festas e comida - mesmo sem saber a razão do favorecimento.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Mark Twain

A este não faltava confiança e auto-estima!
Escreveu a autobiografia e determinou que ela só se publicaria no centenário da sua morte. E não é que a expectativa é imensa? A sexta edição já está esgotada nos EUA e, por cá, faz a capa e boas reportagens no JL, enquanto esperamos por uma edição em português.
Ah! Mas, atenção: ainda só saiu o primeiro volume, que o público tem de saber esperar e pedir pelo que vale a pena.
Abençoado pelo cometa Halley, sem dúvida, este homem raro e com visão de futuro.
Ele e Júlio Verne foram os homens responsáveis por muitos dos meus sonhos infanto-juvenis, como se diz agora. Noutros tempos, quando se dava uma volta ao mundo no tempo que demorava a ler um livro, em papel e com poucas ilustrações.

1.º de Dezembro

A Restauração da Independência, que nunca perdemos.
Um feriado absurdo na Europa Unida.
Mas, lá que me está a saber bem, está.
E o próximo? Um feriado religioso num país laico? Olarila! Já tenho planos para ele.
O melhor é mesmo deixar-me de idealismos e dar graças à incoerência, quando ela nos beneficia.
Feriados? Quantos mais melhor, que o país está em crise e um dia ou outro sem trabalhar dá no mesmo: Crise e sacrifícios! Que sejam feitos em feriados à lareira, que o que há para produzir espera, de certeza, por nós.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Companhia Maior

"E a memória é um trapézio..."
Reportagem da RTP1, 30 minutos, Jornal da noite, Hoje

A liberdade do «saber-ser»

"Todos os outros seus filhos tinham sido ensinados por homens enérgicos, pessoas duras, resistentes irrepreensíveis, pessoas que mantinham os rapazes quietos, distribuíam pancadas com determinação, não sorriam, impunham a ordem, procurando fazer de cada criança um obediente, para que se obtivesse um bom trabalhador. A própria escola de São Sebastião tinha quatro janelas que davam para a rua. A cada uma delas era raro não haver uma criança com uma máscara de asno, com orelhas de ourelo e uma fila de dentes exposta. (...) o mais novo estava destinado a ser instruído por um incompetente recém-chegado, um homem pequeno, de cara completamente lisa, que fazia lume sobre a secretária, queimava papel, cabeças de fósforo, álcool e algodão-em-rama dentro de frascos. Que volta e meia levava as crianças até aos montes cinzentos de São Sebastião, mandava observar a natureza, mandava espiar os animais. Mandava-as medir o desvio do Sol com metros de pedreiro, obrigava-as a irem de noite à escola para explicar os eclipses, levava-os a registar coisas tão inúteis como a posição das patas das éguas quando corriam e quando marchavam. Não lhes ensinava nada. Ele mesmo construía canudos especiais pelos quais fazia as crianças olharem as aves, contra a necessidade das próprias crianças que era saber, sobre os pássaros, quais os úteis e os inúteis, os que davam bons exemplos aos homens com os seus hábitos, e escrever isso em boa caligrafia.
(...) esse homem acabara por ser empurrado de São Sebastião mediante um abaixo-assinado, em que muitos haviam escrito em vez do nome uma dedada de polegar. (...) Que esse professor haveria de desaparecer do ensino, haveria de morrer cedo, sem nada para fazer, cercado de olhos por todos os lados, mas entretanto já havia deixado estragos insapagáveis por onde tinha passado."
Jorge, Lídia, O Vale da Paixão, pp. 48-49

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lido com a mágoa de quem também pensa em partir...

"A profissão de professor desaparece...

Segue-se um extracto duma entrevista de Mário Crespo a José Gil, que passou na Sic Notícias. São palavras absolutamente sinceras e verdadeiras as do filósofo e professor, tão sinceras e verdadeiras que deviam fazer parar o país para pensar no rumo que tomará, ou que está a tomar, pelo facto de os bons professores serem obrigados a desistir de ensinar: por abandono da profissão, por fadiga, por desnorte...

Mário Crespo: Uma estratégia seguida por este Ministério (…) é exigir ao professor uma ocupação total na sua tarefa, total, para lá das horas do humanamente aceitável (…) para lá das 35 horas obrigatórias, para dentro das pausas lectivas – expressão nova –, o trabalho do professor deve integrar e devorar o tempo de vida privada, de lazer (…), professor só pode ser professor (…) deixa de ser homem, deixa de ser mulher...

José Gil: Isso é quase um homicídio da profissão. A profissão de professor desaparece. Desaparece, porque é impossível fazer isso (…). Estou a lembrar-me de Paul Lenoir, um poeta, que dizia que para fazer boa poesia é preciso não fazer nada (…). É preciso que haja pausa, desafio, reflexão ruminação (….). Eu sou professor, sei que estou a defender a minha causa, mas há vocações extraordinárias, muito maiores que a minha, muito mais admiráveis que eu vejo em professores do secundário, por exemplo (...) pessoas que gostam de ensinar, que adoravam fazer o que estavam a fazer e essas pessoas vão-se embora, foram-se embora (…) sobretudo (…) porque ficam tão desgostosas por elas mesmas, por terem que fazer qualquer coisa que não gostam, que lhes destrói uma missão..."

colhido em:
http://dererummundi.blogspot.com/2010/11/profissao-de-professor-desaparece.html
"Esperamos que seja menina", Calzedónia

A memória das coisas que são coisas da memória

"Mas ela queria dizer que havia objectos que não desapareciam, que apenas deixavam de ser matéria e de ter peso para passarem a ser lembrança. Passavam a ser fluído imaterial, a entrar e a sair do corpo imaterial da pessoa, a incorporar-se na circulação do sangue e nas cavernas da memória, para aí ficarem alojadas no fundo da vida, persistindo ao lado dela, e naquela noite, bastaria aproximar o candeeiro a petróleo do corpo da filha, em camisa e agasalhada pela colcha, para confirmar que esses objectos se encontravam morando dentro da sua cabeça." Jorge, Lídia, O Vale da Paixão, p. 31

domingo, 28 de novembro de 2010

Cobardia

"Sentia agora que não podia haver humilhação maior. Como? Como é que ela não tinha percebido? Porque insistia em tentar que a chave coubesse na fechadura? Como não lhe tinha ocorrido?...
Não sabia o que a magoava mais: se o acto dele, se a pena do vizinho da frente quando abriu a porta e lhe disse: "Então não percebe que ele mudou a fechadura? Vá-se embora. Ele não a merece."
Odiava-se agora por ainda ter dito: "Não, não pode ser. Foi ele que me deu a chave...sem eu pedir..."
O homem fechou a porta frente à sua solidão, deixando-a assim, humilhada, impossibilitada de ignorar, de inventar explicações, de tentar protelar o fim.
Desfeita. Era como se sentia agora, na estação de comboios, no meio de toda aquela gente que não a podia ver, que a ignorava, que não queria saber dela, que não lhe exigiria a explicação que não queria dar a ninguém. Nem mesmo a si própria."

Discussão

"- O que é que eu fiz de errado?
- Nada...
- Nada? Nada? - o tom subia, perigosamente - É só o que consegues dizer?
- Mas...m...mas é isso mesmo: não há nada de errado e isso...simplesmente, não está certo."

sábado, 27 de novembro de 2010

Lema

"Para quem viaja ao encontro do sol, é sempre madrugada" Helena Kolody

Há mais de uma semana que não vejo o mar...

Sábado: atulhada de trabalho.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Literacia: Conceito Novo?

"Entende-se por literacia como a capacidade de cada indivíduo compreender e usar a informação escrita contida em vários materiais impressos, de modo a atingir os seus objectivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades e a participar activamente na sociedade. A definição de literacia vai para além da mera compreensão e descodificação de textos, para incluir um conjunto de capacidades de processamento de informação que os adultos usam na resolução de tarefas associadas com o trabalho, a vida pessoal e os contextos sociais.

A atenção crescente que a literacia tem tido nos últimos anos é em parte atribuída ao crescimento exponencial da quantidade de informação disponível, bem como, ao predomínio crescente dos formatos digitais."

colhido em:
http://literaciadainformacao.web.simplesnet.pt/Literacia_da_informacao.htm

Combates pela Leitura e pela Literacia

Durante um ano, nos concelhos de Alcobaça e Nazaré, dedicados a professores, mas abertos a outros «combatentes».

O arranque foi muito bom. Agorinha há pouco.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A Greve que eu queria

O dia amanheceu glorioso, com um sol quentinho que parece um S. Martinho retardado. Este e o rom-rom feliz do meu novo gato, garantem-me a paz e a tranquilidade de um lar feliz.
Existe no entanto um desconforto que não se coíbe perante as mais simples noções de bem-estar, como o acordar tarde ou o passeio pelos campos que reservei e executei hoje, durante a manhã. Eu não estou convicta e confortável com a minha manifestação de greve hoje.
Não podia deixar de a fazer, pois considero que o estado a que chegámos neste país é miserável, sobretudo ao nível moral. Não me identifico com nenhuma das forças políticas que compactuam no Parlamento com leis de excepção para o que lhes interessa; sinto-me o Zé Povinho albardado e montado pelos políticos, que passeiam felizes, depois de alimentados com o leite da Porca-Mãe:A política. Sinto-me roubada e gozada no meu protesto que, dando ao governo um sinal de descontentamento, o ajuda a embolsar umas massas que, como não estão contabilizadas em nenhuma medida de austeridade, talvez possam ser facilmente desviadas para um saco cor-de-burro-quando-foge, ou melhor, cor-de-esperto-que-se-abotoa quando o burro já sem cor e sem energia para fugir só espinoteia, fazendo uma triste figura.
Mas que poderia eu fazer?
Ouço frequentemente a voz da «camarada cassete Ana Rita», sindicalista estúpida e obtusa que dirige por vezes as reuniões sindicais na minha escola e que me disse uma vez, perante a minha posição de não integrar uma greve marcada para ima sexta-feira: "Quer dizer, como não fazemos a greve quando a colega quer - a meio da semana - não concorda com esta e não faz. Assim não faz nenhuma e não mostra a sua posição."
Não fiz nessa altura, mas integrei com muito gosto a mega-manifestação marcada para um feriado, em que podia, sem receio de perda de credibilidade face à opinião pública, mostrar que o meu desagrado é real e que não faço greve para ter um fim de semana maior.
Esta greve é ao meio da semana. Porquê então o meu desconforto? Porque não acredito que a greve resolva nada, as medidas do governo não podem voltar para trás, estão a fazer o que tem de ser feito, depois de séculos (verdadeiramente) a fazer o que não podia ser feito.
Para quê fazer greve então? Para mostrar ao governo que não estamos contentes? Isso é uma evidência. Nem mesmo políticos precisam que isso lhes seja mostrado!...
Para ficarmos de bem com as nossas consciências? Talvez...sim, claro. É isso.
Mas a greve que eu queria era a greve da acção e da inteligência, do esclarecimento. Eu hoje queria estar na escola, a falar com os meus alunos sobre as razões do descontentamento, os perigos da situação política e económica, a necessidade de um esforço colectivo. Eu queria substituir as minhas aulas por sessões de esclarecimento, feitas por cada um de nós, mostrando que somos cidadãos activos, conscientes e empenhados.
Mas a greve que eu queria não existe. Se eu estivesse lá, a esclarecer os meus alunos (e por contágio, os pais) os meus colegas iam achar que eu não estava a fazer greve, os sindicalistas iriam arrumar-me na caixa dos fura-greves, o Ministério não leria os sumários, e parte dos pais não se importaria com nada disso, porque os miúdos estiveram guardados e é isso que à maior parte interessa.
Eu não posso fazer a greve que creio ser necessária. Eu só posso fazer esta greve.
Tomo posição à minha maneira, vendo os testes dos alunos (que, felizmente, me vêm recompensando o esforço) e esclarecendo-os amanhã que o dia da greve foi dispendido em prol deles, porque, apesar de me irem descontar este dia de ordenado, eu nunca disse que não queria trabalhar.
E aproveito para tomar, aqui, outra resolução: tenho de deixar de usar o plural, porque, afinal de contas (que é o que interessa numa sociedade capitalista) quem é que eu penso que represento? Onde estão os "nós" na sociedade do «salve-se quem puder»? Creio até, que também esta expressão já está desactualizada, pois ainda revela - apesar de tudo - um espírito colectivo. Agora é mesmo «Eu por mim e os outros por eles».
Eu não queria viver nesta sociedade. Eu queria poder fazer a greve que de facto se opusesse, com inteligência e eficácia, a este estado de coisas: esclarecendo, agitando, minando o futuro com bombas de solidariedade e entre-ajuda...

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Greve Geral

"O refúgio mais seguro do mundo é a liberdade do nosso ser."
 Tarthang Tulku

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A «Combinação» continua a ser uma peça íntima...

"Não importa o quanto às vezes seja difícil, o quanto às vezes eu me atrapalhe, o quanto às vezes eu seja a densa nuvem que esconde o meu próprio sol, quantas vezes seja preciso recomeçar: Combinei comigo não desistir de mim."

Ana Jácomo

domingo, 21 de novembro de 2010

sábado, 20 de novembro de 2010

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Te Queria...

"Para jardim te queria.
Te queria para gume
ou o frio das espadas.
Te queria para lume.
Para orvalho te queria
sobre as horas transtornadas.


Para a boca te queria.
Te queria para entrar
e partir pela cintura.
Para barco te queria.
Te queria para ser
canção breve, chama pura."
 
eugénio de andrade : variações em tom menor
colhido em: http://serportuguesserportugues.blogspot.com/

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Amor Clandestino



"A noite vinha fria
Negras sombras a rondavam
Era meia-noite
E o meu amor tardava


A nossa casa, a nossa vida
Foi de novo revirada
À meia-noite
O meu amor não estava


Ai, eu não sei aonde ele está
Se à nossa casa voltará
Foi esse o nosso compromisso

E acaso nos tocar o azar
O combinado é não esperar
Que o nosso amor é clandestino

Com o bebé, escondida,
Quis lá eu saber, esperei
Era meia-noite
E o meu amor tardava

E arranhada pelas silvas
Sei lá eu o que desejei:
Não voltar nunca...
Amantes, outra casa...

E quando ele por fim chegou
Trazia as flores que apanhou
E um brinquedo pró menino

E quando a guarda apontou
Fui eu quem o abraçou
Que o nosso amor é clandestino"

Clandestino (Deolinda)

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

"XXXV - Por que ainda ninguém se lembrou de pintar uma mulher nua de óculos?"

Mário Quintana; Coisas Numeradas de Um a Trinta e Cinco

terça-feira, 16 de novembro de 2010

José Saramago teria feito hoje 88 anos

Uma coisa bonita, que tenho observado nas homenagens que vão sendo notícia, é a leitura de excertos das suas obras. Parece-me a melhor homenagem para um escritor.

Solitude (para lá dos dicionários)

Não foi em vão

"Agora posso ir e não olhar pra trás
Passado tudo aquilo que se desfaz
Foi bom  tever mais uma vez, saber te perdoar
E dar por finda a mágoa desse mal amar


Hoje quero crer que não foi mesmo em vão
Escolho solitude à solidão
Foi bom te ter mais uma vez, poder te abandonar
E dar por finda a mágoa de um mal amar


Quem feriu meu coração fui eu, mais ninguém
Quem feriu meu coração foi você também

Agora posso ir e não olhar pra trás
Passado tudo aquilo que se desfaz
Foi bom te ver mais uma vez, poder te perdoar
E dar por finda a mágoa de um mal amar

Hoje quero crer que não foi mesmo em vão
Escolho solitude à solidão
Foi bom te ter mais uma vez, saber te abandonar
E dar por finda a mágoa desse mal amar


Quem feriu meu coração fui eu, mais ninguém
Quem feriu teu coração foi você também
Quem feriu meu coração fui eu, mais ninguém
Quem feriu teu coração foi você também"

Samba interpretado pela Orquestra Imperial
Letra: Thalma de Freitas

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Para o melhor e o pior:

"Para aperfeiçoar o casamento e torná-lo mais feliz, nossos legisladores criaram o casamento com separação de bens. Mas falta ainda um passo para que a felicidade dos cônjuges seja completa: a criação do casamento com separação de males."  Ruben Alves

domingo, 14 de novembro de 2010

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

A partir de hoje

sou dona de apenas uma gata.

Haverá um paraíso dos gatos?...

Não mata...mas mói!

Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.

Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector  (1920-1977)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Televisão

Hoje tive «uma aberta» e resolvi vir almoçar a casa, a pé, fazendo umas pequenas compras pelo caminho.

Cheguei agora a casa e fui separar e arrumar o que tinha comprado.

Por norma, nunca vejo televisão antes do almoço, quer porque não tenho tempo, quer talvez também por ter sido habituada - no tempo em que não havia televisão a toda a hora - a ver os noticiários e os programas da noite.

Olhei para o relógio e resolvi ligar logo a televisão, pois assim não deixaria passar as ´primeiras notícias.

RTP1: «Matou o vizinho e diz que isso lhe foi ordenado pelo Diabo»

SIC: «Regou a namorada com ácido e agora é ininputável»

TVI: depoimentos da casa dos segredos.

Não valerá a pena comentar este inventário (que, infelizmente, não é inventado), pois não?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Prémio Ironia (ou Desespero?)

José Carlos Malato, num programa Quem Quer Ser Milionário, incrível pela ignorância dos concorrentes:
- Amigo João: técnico de bibliotecas...Nós temos sempre ideia que o homem da biblioteca é um homem que sabe muito. Você é mais lombadas, não é?

Nove de Novembro

Esta data assim, um bocadinho cacofónica, era a data de aniversário da minha mãe.

Hoje pensei nela o dia todo...era inevitável.

Procurando o que escrever aqui, quase sem inspiração, "tropecei" nesta frase:

«O umbigo é uma cicatriz profunda da nossa primeira separação»
Georges Najjar Jr., Desaforismos, p. 134

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Portugalidade

Falava-se de Portugalidade ontem, no Jornal da Noite, a propósito do Portugal dos Pequenitos em Coimbra. Soube-me a Estado Novo o discurso e recordei a minha visita ao referido parque temático, já em adulta, e a sensação estranha que me causou, como se aquele Portugal nada tivesse a ver comigo...Ontem falou-se em contextualização das coisas e que não podíamos recusar ou abandonar (ou fingir que nos esquecemos) de algo que teve o seu sentido e a sua época, tal como não vamos apagar parte da História; antes explicá-la integrada no seu contexto próprio.

Reconheci razão no que ouvia. Fiquei a pensar no «destino» deste «povo pequenino», espalhado por todo o lado.

Nem de propósito conseguiria encontrar, se quisesse, um texto tão apropriado a esta temática, como o que encontrei, por acaso, ao continuar a leitura do discurso de D. Manuel Clemente, aquando da distinção com o prémio Pessoa:

"Vieira [o Pe. António Vieira] vê a exiguidade territorial como causa providencial do destino pátrio. Chegaria para berço, mas não para a sementeira  nem para o túmulo, porque Portugal só no mundo inteiro descansaria, sendo essa a sua glória, mesmo que trágico-marítima."

De facto, esta alma irrequieta, este desejo de se espalhar por aí, esse destino de viajante, aventureiro, «fura-vidas», saltimbanco e contador de histórias, parece habitar o «ser português», como se o torrão não nos chegasse, como se só «lá fora» nos realizássemos plenamente; nos cumpríssemos, enquanto Nação.

Mas a exiguidade das terras, é-o também, frequentemente das vistas. Desprezamos o que é nosso para louvar o que vem de fora...mesmo os nossos só são por nós verdadeiramente louvados, quando voltam carimbados do estrangeiro.

Que fado é este? Que destino é este que precisa de se exteriorizar antes de se interiorizar? Que estranho fenómeno nos faz não admirarmos companheiros do dia-a-dia, reduzindo-os na sua pequenez, ao invés de nos elevarmos na sua companhia?

Também D. Manuel Clemente evoca as palavras de António Vieira para vincar estas características do «ser português»:

"De várias maneiras reprovava Vieira a nossa incapacidade de mútua admiração, mesmo quando teríamos todas as razões para ela. Não resisto a citar aqui duas delas, por me parecer o autor por demais certeiro. Oiçamo-lo sempre a propósito de Santo António e ainda mais a nosso propósito: «Os mesmos que agora amam e veneram tanto a Santo António, se viveram em seu tempo, o haviam de aborrecer e perseguir; e as mesmas maravilhas que tanto celebram e encarecem, se foram obradas na sua pátria, as haviam de escurecer a aniquilar. (...) é consequência própria e natural da inveja perseguir os presentes e estimar os passados, matar os vivos e celebrar os mortos.» Como se dissesse que tanta luz nos ofusca e só a toleramos ao longe ou na sombra que deixe. Ainda hoje?
Pior ainda a segunda alusão, permanecendo a dificuldade em olharmo-nos de frente quando isso signifique o simples reconhecimento da qualidade do outro. Escreve Vieira: «(...) é necessário que advirtamos primeiro uma notável habilidade e astúcia, que usa a inveja para desluzir e escurecer as boas obras e para lhes envenenar e destruir a mesma bondade. E qual vos parece que será esta habilidade e astúcia? É que nunca olha para toda a obra boa de claro em claro, assim como é em si mesma; senão que sempre a procura tomar por um lado e por aquela parte ou ponta donde menos claramente se descobre a sua bondade, para ter em que morder e que arguir.» De novo nos perguntemos: ainda hoje?"

Sim, hoje, ontem, daqui a bocado, amanhã...

Será isto inevitável? Fará parte da Portugalidade uma certa pequenez mental, um certo bafio intelectual que nos enviesa o olhar e nos impede de medrar, procurando seguir o exemplo dos nossos melhores pares? Será que reconhecer o valor dos que nos estão próximos nos diminue em alguma coisa? Será que não conseguimos admirar por termos inveja de, nas mesmas condições, no mesmo contexto, um ter tido a coragem de fazer mais, de ser mais, de exigir mais de si, que nós próprios? Seria assim tão difícil reconhecer o mérito do outro? Será a inveja a causa da ferrugem do tempo que nos tolhe os movimentos em direcção ao futuro?...Não sei, mas dá que pensar!...

(As citações foram recolhidas em Revista Actual, Expresso, nº 1958, 8 de Maio de 2010)

domingo, 7 de novembro de 2010

Fábula sobre os currículos escolares, com proposta de banda sonora

"O galinheiro estava em polvorosa. Cocorocós de galos, cacarejos de galinha, tofracos de angolinhas, pios de pintinhos – tudo se misturava num barulho infernal. É que todos haviam sido convocados para uma assembléia para tratar de um assunto de grande importância qual seja, o fato de que vários ovos de um ninho terem sido comidos por um ladrão. E as pegadas eram inconfundíveis: o ladrão era uma raposa. Com um sonoro cocoricocó o galo Chantecler, pediu silêncio, expôs o problema e franqueou a palavra. Encarapitado no galho de uma goiabeira um galinho garnizé cantou estridente, sacudiu a crista para um lado e a barbela para o outro e se pôs a discursar. Era o Mundico, que viera de uma cidade grande e era formado em sociologia. . Ele adorava discursar. “Companheiros”, ele começou, “peço a sua atenção para as ponderações que vou fazer acerca da crise conjuntural em que nos encontramos. Charles Darwin foi o primeiro a mostrar que a história dos bichos é marcada pela luta de classes: os mais fortes devoram os mais fracos. Os leões comem os veados, os lobos comem os cordeiros, os gaviões comem as pombas, as raposas comem as galinhas. Os mais aptos sobrevivem; os outros morrem. Assim, a crise conjuntural em que nos encontramos nada mais é que uma manifestação da realidade estrutural que rege a história dos bichos. E o que é que faz com que as raposas sejam mais aptas do que nós? As raposas são mais aptas e nos devoram porque elas detém o monopólio de um saber que nós não temos. Somente nos libertaremos do jugo das raposas quando nos apropriarmos dos saberes que elas têm. E como se transmitem os saberes? Através da educação. Sugiro então que empreendamos uma reforma em nossos currículos e programas. Se, até hoje, nossos currículos e programas ensinavam aos nossos filhos saberes galináceos, de hoje em diante eles ensinarão saberes de raposa. Primeiro, teremos de educar os nossos olhos para que eles passem a ver como vêem as raposas. Onde é que as raposas tem os seus olhos? Na frente do focinho. E os nossos olhos, onde estão? Do lado. Educaremos os nossos olhos para que eles aprendam a olhar para frente. Segundo: teremos de re-educar o nosso andar. Raposas andam com quatro patas. Por isso valem o dobro que nós, que só temos duas patas. Como transformar duas patas em quatro? É simples. Por meio de um processo de adição. Nós, galinhas e galos, bípedes, passaremos a andar aos pares, um na frente, outro atrás, o de trás segurando o traseiro do que vai à frente, e assim seremos quadrúpedes. Terceiro: as raposas têm pêlos enquanto nós temos penas. Teremos de nos livrar de nossas penas para que no seu lugar cresçam pêlos. E os nossos rabos, ridículos uropígios, estimulados pelos pêlos, se alongarão para trás e se transformarão em rabos de raposa. Quarto: as raposas têm focinhos e nós temos bicos. Mas, o que é um focinho? Focinho é uma coisa sem bico. Ora, bastará então que extraiamos os nossos bicos para termos focinhos como as raposas. Assim, pela educação, nos apropriaremos dos saberes das raposas, espécie que por tantos milênios nos tem dominado. Será, então, o advento da liberdade!” Mundico se calou. Todos estava biquiabertos com a sua eloquência. Todos o aplaudiram. E todos concordaram com o seu projeto educacional. Galos e galinhas arrancaram umas às outras as suas penas e, peladas, aguardavam o crescimento dos pelos. Por meio de exercícios apropriados movimentavam seus olhos para que eles aprendessem a olhar para a frente. Desbicaram-se, lixando seus bicos em pedras ásperas. E andavam, como Mundico dissera, aos pares, um na frente e outro agarrado atrás… Mas parece que o curriculo de raposa não deu resultado. A raposa continuou a comer ovos dos ninhos e chegou mesmo a devorar um pintinho distraido. Começaram, então, a imaginar que ela tivesse também devorado o Sesfredo, um galo velho de pescoço pelado, vermelho, e que cantava com sotaque caipira e que desaparecera. Convocou-se então uma outra assembléia para discutir providências a serem tomadas, ante o fracasso do curriculo proposto por Mundico. Toda a população do galinheiro compareceu. E, para surpresa de todos, até mesmo o Sesfredo, que tomou lugar num galho de uma árvore muito alta, onde nenhum galo ou galinha jamais fora. “A gente pensava que você tinha sido devorado pela raposa”, cantou o Godofredo, forte galo índio. “Que nada”, disse Sesfredo. “É que me internei no spa do Urubuzão prá fazer uma reciclagem de vôo. Urubu é ave como nós. Mas raposa não come urubu. Raposa não come urubu porque urubu sabe voar. Raposa come galos e galinhas porque desaprendemos o uso de nossas asas….” Nesse momento uma angolinha que ficara de sentinela deu o alarme: “ Aí vem a raposa, aí vem a raposa, aí vem a raposa…” Foi o pânico, correria, cada um correndo para um lado. Mas ninguém sabia voar. A raposa, valendo-se da confusão, abocanhou uma galinha garnizé, já depenada e desbicada… Todo mundo entrou em pânico. Menos o o Sesfredo. Lá de cima ele abriu as asas e voou alto, muito alto, até parecia um urubu… Assim é: ave que sabe voar não há raposa que consiga pegar…"

Rubem Alves
colhido em http://rubemalvesdois.wordpress.com/

"Aprende a voar, companheiro
aprende a voar, companheiro
Que a maré se vai levantar
que a maré se vai levantar
Que a liberdade está a passar por aqui
que a liberdade está a passar por aqui
que a liberdade está a passar por aqui
Maré alta
Maré alta
Maré alta"

Adaptação da letra de Sérgio Godinho, "Aprende a nadar companheiro"

De Alma Lavada

por uma interessante Conferência do Professor Rui Vieira Nery, no Armazém das Artes, em Alcobaça, sobre As Músicas da República.

O "Saber" e o "Saber Dizer" deste musicólogo são notáveis!

sábado, 6 de novembro de 2010

Necessito Naufragar

"Canção

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar


Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.


O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...


Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.


Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas."


Cecília Meireles (1901-1964)

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Arquitectura Da Sedução

"A mulher e a casa


Tua sedução é menos
de mulher do que de casa;
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la."

João Cabral de MeloNeto  (1920-1999)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

"A rapariga regressou ao balcão da loja de telemóveis: - Repare que, apesar de dizer que posso consultar a net no telemóvel, isto não liga. Colocou o cartão agora mesmo...
O jovem funcionário dispõe-se a resolver o problema: - Deixe-me ver...Ah! Claro! O cartão é novo, ainda não assumiu!
Ela, com ar matreiro: - E acha que ele vai demorar muito a assumir-se?
Ele, com ar de resposta: - Estas coisas às vezes demoram...embora hoje tudo seja mais rápido..."
A seta de Cupido atravessou, lesta, o balcão de atendimento.
O sentido de humor era, para ambos, uma qualidade irresistível: o namoro tornou-se uma barrigada de riso!

Hopeless

"Já tudo foi dito, mas como ninguém escuta, é preciso dizer tudo novamente."
André Gide
colhido em http://www.malhatlantica.pt/lestrangeiras_esag/frases-d-eantologia.htm

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Ai!...

"Um dos alunos de uma turma do 9.o ano que visitou recentemente o núcleo da exposição "Ver a República" na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra perguntou - e parecia ser uma dúvida genuína - se o Latim era um país..."
colhido em
"Ser pessoa é acontecer em relação com os outros."
D. Manuel Clemente, Discurso de aceitação do Prémio Pessoa 2009

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dia dos Fiéis Defuntos

E os cemitérios transformam-se em jardins floridos, altares dos que habitam a nossa memória.

Um dos primeiros sinais da «hominização do Homem» é a existência de sepulturas, que, por analogia com as sociedades posteriores, associamos a um culto dos mortos pelas sociedades dos vivos.

É um bom dia para visitar um cemitério.

Ainda o Tempo

"Não sei como o perceberão as crianças de agora, mas, naquelas épocas remotas, para as infâncias que fomos, o tempo aparecia-nos como feito de uma espécie particular de horas, todas lentas, arrastadas, intermináveis. Tiveram de passar alguns anos para que começássemos a compreender, já sem remédio, que cada uma tinha apenas sessenta minutos, e, mais tarde ainda, teríamos a certeza de que todos estes, sem excepção, acabavam ao fim de sessenta segundos..."

José Saramago, Pequenas Memórias, p. 65

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ilustração do Dia



















(Mirandela)

Dia de Todos os Santos

Os de casa não fazem milagres, já se sabe...

domingo, 31 de outubro de 2010

Tempo

Uma das coisas que me fascina na minha profissão é a (quase) impossibilidade de cristalizar, de perder a noção do presente, pois estamos sempre em contacto com as novas gerações e os seus conceitos.
Esse será também um problema do ensino: como é que nós -Escola, Ministério, Professores (instituições "adultas", sentadas sobre um saber acumulado) - reagimos e interagimos com as novas gerações e as suas perspectivas de vida, frequentemente quase desconhecidas para nós?
Sendo o Tempo a matéria prima da História, uma das coisas que mais me interessa é como é que as sociedades, ao longo do tempo, perspectivaram o tempo, se relacionaram com ele, se orientaram por e para ele: o Tempo.
Na semana passada, estando eu a explicar a resistência da Igreja às inovações ao longo do tempo exemplificando com algumas das condenações da Inquisição, afirmei: "A sociedade resiste sempre ao que é novo, a primeira atitude é recusar o que é novo..."
"Olhe que não", interrompeu-me um aluno. "Hoje é precisamente ao contrário. Repare nos telemóveis, nos carros, na tecnologia. Queremos sempre o que é mais novo."
Concordei com ele e guardei a problemática na parte posterior do meu cérebro, que funciona melhor durante a noite, fins de semana e feriados, quando me liberto das quadrículas do tempo em que tenho de cumprir tarefas definidas. A questão manteve-se com uma luz vermelha de alerta, indicando-me que ali se tinha colocado algo que eu não podia ignorar, algo que era fundamental na minha forma de me posicionar no ensino, de me relacionar com os alunos, de organizar a minha prática lectiva, de perspectivar a utilidade e a função da escola (e da História, nela).
Certo é que a História Antiga -sobretudo a Medieval - nos dá uma sensação de imobilidade, de remanso marcado pelos ritmos da terra, que se estilhaça com o chegar do Mundo Contemporâneo. As Revoluções Liberais, a Soberania Popular, a Cidadania alargada, ao envolverem-nos a todos nas grandes questões da Humanidade, dão-nos um sentido de pertença que ao mesmo tempo nos avassala, nos devora, nos consome. Querer abarcar tudo na sociedade de informação é uma tarefa esgotante e impossível, logo, frustrante e causadora de uma má relação com o tempo: a nossa relação com o nosso tempo, a nossa gestão do tempo, a nossa compreensão do tempo ao longo do tempo.
Andava eu a girar à volta destas questões de uma forma entre o consciente e o inconsciente, quando resolvi explorar um pouco mais o mundo dos vídeos que descobri ontem e partilhei aqui convosco. Caramba! Havia um vídeo sobre o tempo. Magnífico. Sintético. Brutal. Clarificador.
E a Escola sempre no meio da relação entre tempos diferentes...

http://www.youtube.com/watch?v=A3oIiH7BLmg&feature=player_embedded

Dizem que uma imagem vale mais que mil palavras, mas, que dizer de tantas imagens acompanhadas de tantas palavras?

http://www.youtube.com/watch?v=qOP2V_np2c0&feature=player_embedded

Nota: Não consegui «domar isto» para as dimensões do meu blogue e penso que vale a pena vê-lo na íntegra, com todo o seu tamanho, a sua lógica, o seu ritmo. Por isso: vão lá! Vale a pena.

sábado, 30 de outubro de 2010

O Tempo e as Fases...como as da Lua

Lua adversa


"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha


Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.

E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...


E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."

Cecília Meireles (1901-1964)

Santos

O rigor do tempo e os festejos dos santos trazem sempre uma nostalgia da vida em família.
Dormi até muito tarde e acordei com a violência da chuva que fustigava as ruas e fazia vergar as árvores. Guardei mais um pouquinho o corpo no calor da cama. Resolvi então levantar-me e enterrar os pés nas fofas pantufas, aquisição desta temporada Outono-Inverno.
Inspecciono as zonas mais vulneráveis do apartamento, para detectar eventuais entradas de água: janelas, marquise...o furinho do costume (mais acompanhado agora que sabemos que também chove na Assembleia da República), mas nada de dramático.
As notícias acentuam os perigos da continuação do mau tempo.
Tenho saudades do cozido à portuguesa e das castanhas cozidas, que marcariam o dia de hoje na casa da minha infância e adolescência.
As saudades ditam uma vontade  - quase maternal - de «saber dos meus». Feita a ronda por telemóvel às quatro manas (duas amigas, que me acompanham as alegrias e chatices do dia a dia e as duas manas que me ajudaram a crescer, mas que ficaram noutros locais). Tudo tranquilo. Já todas chegaram aos destinos escolhidos para o fim de semana grande, sem incidentes a reportar.
Penso na tranquilidade que nos dá o telemóvel. Gasta-se mais dinheiro, claro, mas podemos saber - assim, em directo - com está o tempo, quanto demorou a viagem e ainda receber os beijinhos e as lembranças daqueles que foram encontrar e que também, de certa maneira «são nossos».
Os Santos têm destas coisas: as saudades de um lar que já não existe, o conforto do contacto dos novos lares que se construiram a partir desse, a certeza de uma vida que se construiu «depois de crescer».
Confortada, olho as minhas gatas enroscadas para passar o frio, e resolvo arranjar uma roupa confortável para vestir depois do banho, que acentue o ar «négligé» de um fim de semana que se anuncia grande, frio, cinzento, caseiro. Talvez saia para comprar os tradicionais frutos secos na Feira de São Simão, este ano mais pequena e mais pobre, como o país.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

É uma sensação...como que...de inutilidade...

Numa sexta-feira à tarde, numa escola que não assinala a tradição portuguesa de Todos os Santos, mas se enche de gatos pretos, abóboras e fantasmas à moda americana, dar uma aula de Área de Projecto a uma turma de 28 alunos entre os 11 e os 13 anos.

Sim, sim. A Área de Projecto é aquela que o governo já disse que ia acabar porque era ineficaz.

Como é que eu consigo? Nem eu sei. Porque é que eu tento? Para não perder a autoridade perante os alunos a quem gosto muito de leccionar História. Só mesmo por isso. Porque a Área Curricular Não Disciplinar está agora definitivamente condenada, desacreditada, moribunda, impossível de resultar.

Mas isto devem ser problemas meus. Porque os chefes, que me fecharam sem justificações um clube que queria dinamizar a escola pela área cultural e fazer um trabalho de integração com comunidades étnicas diferentes, hoje estava a bater palmas aos fantasmas a arrastar ligaduras e às bruxas que ofereciam maçãs envenenadas. Somos um país de faz de conta com uma escola que se desenrola a brincar. Nunca conseguiremos sair do buraco e seremos vítimas dos inúteis que estamos a criar.

Ah, mas o Presidente acabou de fazer uma declaração ao país e agora estou muito mais confiante!

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Com pregos Alcobia...

NEM TUDO

"Nem tudo que reluz corrompe
Nem tudo que é bonito aparenta
Nem tudo que é infalível se aguenta
Nem tudo que ilude mente
Nem tudo que é gostoso tá quente
Nem tudo que se encaixa é pra sempre
Nem tudo que é sucesso se esquece
Nem todo pressentimento acontece
Nem tudo que se diz tá dito
Nem tudo que não é você é esquisito
Nem tudo que acaba aqui
Deixa de ser infinito

Nem tudo que acaba aqui
Deixa de ser infinito"

Edu Tedeschi / Zélia Duncan

L'Amour...

"Uma cidade é um mundo se amarmos um dos seus habitantes"
                                                                        Lawrence Durrell

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Amanhecer na Lusitânia

"Apesar de você, amanhã há-de ser outro dia"
Amanhã começa já hoje!

Cisnando...


Buçaco, 24/10/2010

No dia

em que as «grandes superfícies» abriram até à meia-noite
e em que, na Assembleia da República se discutia o orçamento de estado,
eu estava nesta clareira!
(Mata do Buçaco, 24/10/2010)

Momentos

"Há momentos na vida em que sentimos tanto
a falta de alguém que o que mais queremos
é tirar esta pessoa de nossos sonhos
e abraçá-la"
 
Clarice Lispector

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O Cheiro dos Livros

Porque hoje me apetece agradecer «aos meus caros alunos» com quem conversei bastante sobre livros:

"O professor de português

Empolgou-se na lição

Tropeçou caíu ao chão

Quase partiu o pescoço

Como aquele sábio grego

Que de tanto olhar o céu

Caíu dentro dum poço



O professor de português

Falava de natação

Dos poemas de Camões

Eu vi toda a epopeia

Senti o cheiro ao mostrengo

Cheirava a sal e a trovões

E a desgostos de sereia



Mas eu quero-lhe dizer

Um segredo verdadeiro

Até o Stör caír

Os livros não tinham cheiro



E eu que não tinha atenção

Era uma nota sofrível

Senti vivo o predicado

Dentro do meu coração

Saltei subí de nível

Fiz-me sujeito acordado

No centro da oração



Ó meu caro professor

Eu quero-lhe agradecer

Ter ganho o meu nariz

Nele vou a toda a parte

É uma força motriz

Vou a Roma e a Paris

Vou à Lua e vou a Marte



Ó meu caro professor... "
 
Cabeças no Ar

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Quarto com vista para a Lusitânia

História: Os Conteúdos e os Contidos

"Professora: Claro que há sempre matérias da História que gostamos mais e outras menos; ela é tão vasta!
Aluno: Eu não gosto é daquela matéria...aquela dos operários, sujos, miseráveis...Não gosto nada!
Professora: Acredita que eles também não gostaram, nem gostam. Quem vive na miséria não gosta da sua história, mas faz tanto parte da História como os outros, os que tinham cadeiras para se sentar e papel para escrever a sua história, enquanto outros trabalhavam para si. Estamos todos contidos e unidos na mesma História. E muitas histórias da História não têm finais felizes!"

Como nos ensina o poeta, a história do açúcar não é doce. Mas é feita pelos que produziram, venderam e compraram o açúcar...branco, fino e tão doce...que poucas vezes nos lembramos de duvidar da sua doçura.

"O açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
nesta manhã de Ipanema
não foi produzido por mim
nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
e afável ao paladar
como beijo de moça, água
na pele, flor
que se dissolve na boca. Mas este açúcar
não foi feito por mim.

Este açúcar veio
da mercearia da esquina e tampouco o fez o Oliveira,
dono da mercearia.
Este açúcar veio
de uma usina de açúcar em Pernambuco
ou no Estado do Rio
e tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
e veio dos canaviais extensos
que não nascem por acaso
no regaço do vale.

Em lugares distantes, onde não há hospital
nem escola,
homens que não sabem ler e morrem
aos vinte e sete anos
plantaram e colheram a cana
que viraria açúcar.

Em usinas escuras,
homens de vida amarga
e dura
produziram este açúcar
branco e puro
com que adoço meu café esta manhã em Ipanema."

Ferreira Gullar (1930)

Pérolas? Temos poucas. Porcos?...

Ai, eu peço desculpa a quem vem aqui para descontrair, ler palavras bonitas e/ou sorrir um pouco, mas eu hoje tenho de falar de escola!

Ouvi, no noticiário da manhã, a notícia, que me pareceu absurda, de que os sindicatos de professores contestam o fim da Área de Projecto e de Estudo Acompanhado, porque isso põe em causa postos de trabalho de professores. Nem uma palavrinha sobre a validade destas áreas curriculares ou da dinâmica da escola (já para não falar de aprendizagem e de saberes, expressões de que não me recordo ter ouvido serem referidas pelos «nossos» sindicatos).

Procurei informar-me melhor, para não ser injusta (preocupação de historiadora, que não quer pôr de parte uma facção, pois eu já não me sinto representada por qualquer das estruturas sindicais que se anuncia como «minha) e - surpreendemente ou talvez não - era mesmo assim.

http://dn.sapo.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=1694368

Portanto, não estamos preocupados com a análise de porque é que estas «áreas curriculares não disciplinares» (e não disciplinas, como se diz por aí, na comunicação social) foram criadas, como estão a funcionar e porque desaparecem. Estamos apenas preocupados com o desemprego docente e com os meninos poderem ficar menos horas na escola! É certo que o Ministério também não está ralado com nada disto e viu apenas uma oportunidade de redução da despesa...

O Ministério e os Sindicatos merecem-se. Mas, muito francamente (e correndo o risco de me estar a sobrevalorizar) eu mereço muito melhor que eles para a minha tutela e a minha associação sindical. E tenho alunos que também merecem muito mais que esta politiqueira que por aí se desenrola e que me faz ouvir, em eco repetido e cada vez mais insistente, a frase que minha avó que a minha avó lhes atirava: "Eles comem todos da mesma gamela!"

E, se não posso abdicar da tutela (com grande pena minha), do sindicato já me livrei...embora com mágoa, porque tenho medo de vir a perder o direito de nos associarmos e de reivindicarmos os nossos direitos, mas nada do que eles dizem me interessa!

domingo, 24 de outubro de 2010

Fuga

De tanto preenchermos grelhas acabamos por nos sentir dentro delas!
Demorei a criar o ritmo este ano: os dias em que almoço em casa, o almoço semanal da sobrevivência com as verdadeiras amigas (que ouvem tudo, perdoam tudo, alinham em todas as conversas disparatadas, que nos fazem sacudir de riso e espantar o stress), o dia de caminhar por entre os carros, o dia de ir ao ginásio, o dia de fazer sopa...Agora já está! Na sexta-feira sentia-me organizada, encarreirada, "rotinada" para este ano lectivo. Mas então, deu-me uma aflição, uma vontade de sair de todas as quadrículas que tenho traçado, uma vontade de fugir...Não era lógico que fosse este fim de semana, o próximo é comprido, será o ideal para sair...
Nada de lógicas! Era um sufoco de fugir à esquadria meticulosa em que defini este ano lectivo...
"Inatel do Luso, boa tarde!"
"Boa tarde! Haverá possibilidade de alojamento por uma noite, para uma pessoa, sócia?"
"Só um momento...deixe-me ver: sim, não há qualquer problema!"
"Olha corsário, amanhã vamos de viagem, só nós dois, para um sítio onde nunca estivemos."
E fomos. E fruímos muito: a Natureza, a calma, a paz, a introspecção, a leitura, o passeio... Ah, o passeio! è por causa dele que tenho uns efeitos colaterais, que consistem sobretudo numa canseira tremenda, e que já não consigo sequer descarregar as fotografias, para mostrar alguma coisa da iconografia da minha aventura.
Agora tenho mesmo de ir dormir.
Boa noite!

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

De longe te hei de amar

"De longe te hei de amar,
- da tranquila distância
em que o amor é saudade
e o desejo a constância.

Do divino lugar
onde o bem da existência
é ser eternidade
e parecer ausência.

Quem precisa explicar
o momento e a fragrância
da Rosa, que persuade
sem nenhuma arrogância?

E, no fundo do mar,
a estrela, sem violência,
cumpre a sua verdade,
alheia à transparência."

Cecília Meireles (1901-1964)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Poesia Dita

"Quem me dera ter um jardim e saber das plantas e pô-las a florir e aquilo resistir, ou saber as que são de inverno e as que são de verão e funcionar como um indutor de beleza, seguro e consequente, durante o ano inteiro. Quem me dera que se visse alguma beleza que eu criasse, que eu pudesse oferecer, quem me dera que fosse uma beleza de perfumar e estivesse diante da minha casa por onde passassem as pessoas a ficarem alegres por ali passarem. Quem me dera que os poemas fossem coisas de corolas e cores e perdurassem inverno e verão, perfumando diante da minha casa.

Um poema onde as abelhas pousassem. Que incrível seria se houvesse um poema que soubesse oferecer pólen às abelhas, garrido como se dissesse as coisas às cores, intenso como se tivesse fragrância, delicado como se pudesse morrer. Um poema que pudesse morrer. Um que criasse em nós a urgência de o nutrir, vigiar, cuidar com as forças todas para que perdurasse como milagre vivo por gerações e gerações. Prezamos sempre melhor o que é passível de ser perdido para sempre. Queria poemas assim, à medida de mim que me vou perdendo para sempre lentamente.

Ando de mal com a poesia porque quando me deixo mais sozinho com ela me magoa todo, a fazer-me buracos na alma, a fazer-me buracos nos olhos. Vejo o mundo todo estragado por causa da poesia, porque quis sempre muito mais fantasia das coisas do que aquela que se permite e o ficarmos velhos não nos perdoa os sonhos diurnos, não nos perdoa sequer muita distracção. (...)

Fico de mal com a poesia porque me convence de ser a arma contra todos os problemas do mundo quando o mundo progride nas doenças e não sou guerreiro nenhum armado com um verso. (...)"

valter hugo mãe, Autobiografia imaginária: Um poema que pudesse morrer, JL, nº 1044

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Artista

"Pintei o teu corpo, numa tela
 Esculpi o teu rosto, à luz da vela
 Pintei o teu corpo
 Pintei"

 Santos e Pecadores, Tela

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Humanidade continua a ter tanto de perigoso como de seguro!

Contra todos os diagnósticos pessimistas que possamos fazer sobre a situação do país e a crise de valores, o meu telemóvel foi encontrado e devolvido pessoalmente.

Fiquei muito grata a quem o fez, sobretudo porque recusou terminantemente aceitar qualquer compensação monetária. Estava - simplesmente, como o disse - a fazer o que estava certo e o que gostaria que alguém fizesse se lhe sucedesse o mesmo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Desorientação

E pensar que, ainda não há muitos anos, combinávamos encontros com dias de antecedência, só falávamos com as pessoas quando as encontrávamos ou perguntávamos o preço dos impulsos no café para telefonar!...Para números que sabíamos de cor, na ponta da língua!
Parece tudo tão arcaico já!... E, o pior, é que nos parece a nós mesmos que vivemos estes momentos! Só assim se explica a minha desorientação, hoje, quando percebi que tinha perdido o telemóvel.
- Se me conseguir dizer dois ou três nº que contacte frequentemente, eu valido o seu número e posso então bloquear o cartão até a senhora obter uma segunda via.
- Bem...não os sei de cor...ligo todos os dias para um, mas nunca o fixei. E ligo para as minhas irmãs. Mas não sei de cor os móveis...só os fixos.
- Aqui não tenho registo de números fixos. Parece-me que só liga para móveis.
- Pois, claro. Para os fixos uso o fixo. Assim é impossível saber...
- Mas, desculpe, não disse que ligava para os móveis das suas irmãs?
- Sim...mas não os sei de cor.
- E se lhes ligar para os fixos elas não lhos dão?
Creio que, nesta altura, ela devia estar a fazer um esforço para não denotar ironia na voz...ou para não me chamar estúpida, mesmo.
- Claro! Ah, claro! Que estupidez!...Óbvio! Já lhe ligo...
E lá fui eu - escrivaninha  - ligar aos fixos das manas para saber os nº de outros móveis...como eu.
De repente, parece que sempre vivemos assim. Que estupidez!
"Porque, nesta fase, ainda estamos a viver com um presente que não nos serve para o futuro."

Mário Crespo, Epílogo de A Última Crónica

domingo, 17 de outubro de 2010

Há Dias assim...

Há dias que se arrastam, looongoos, ameaçando ser intermináveis, em que, mentalmente, pedimos um bálsamo de enstusiasmo ou um acontecimento de quebra da rotina;

Há dias tão cheios, que parece não caber nem mais um alfinete. Dias em que juramos não aguentar mais nada. Dias que, injustamente, atraem tudo de bom ou de mau, deixando para os outros dias, vazios ainda mais entediantes;

Há dias em que sabemos que chegámos ao limite; em que mais uma gota de água e o copo transborda: seja de stress ou de felicidade...

Ontem foi um desses dias. Mas, tal como os comboios da linha de Sintra que durante tantos anos frequentei, os dias cheios são surpreendentes: quando pensamos que não cabe mais nada, arranjamos espaço para mais um passageiro.

Hoje estou de ressaca: ensolarada e silenciosa.

sábado, 16 de outubro de 2010

Saúde e Fraternidade!

A partir de hoje, no Armazém das Artes, em Alcobaça, está patente a Exposição "Vivam as Repúblicas!", numa colaboração entre a Fundação Armazém das Artes e a Fundação Mário Soares.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

"A Mina de Neves Corvo é a mina mais importante na Europa"

disse o Professor Fernando Barriga, agora mesmo, na SicNotícias

Em directo do Chile:

Chegou à superfície o 27º mineiro! Agora mesmo. Caramba!

Recordo o tempo que vivi em Aljustrel, o coro dos mineiros, os meus alunos órfãos da mina, as superstições relacionadas com o trabalho...a tristeza do fecho da mina...do medo...da fome...do perigo de empenhar os sonhos e esperanças dos meus meninos...

A vida de mineiro - mesmo com a protecção de Santa Bárbara - deve ser muito difícil de enfrentar!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Decidir...De si...Decisão...Cisão de si?...

A coragem e a cobardia não são tão distantes como parecem. É preciso coragem para partir e é preciso coragem para ficar...Sobretudo é preciso coragem para decidir. A indecisão não é uma opção, mas um impasse.

Amar, Orar e Comer - O filme

Fica a vontade de ter a coragem da protagonista...sobretudo sem termos a certeza de que alguém nos escreveria um guião assim!...

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Palavra puxa palavra

"História de uma gaivota e do gato que a ensinou a voar" é outro livro do qual só li o título. Este foi já leitura dos meus sobrinhos...quer dizer, sobrinhas, que os meninos da geração sobrinhática da minha família são alérgicos à leitura. Compensa a geração a dedicação das meninas.

A Rua do Gato que Pesca

Havia lá por casa livros que se compravam por achar graça ao título ou à imagem da capa. Este foi um deles. A mãe gostou do título e ofereceu ao pai, que era pescador.
Nunca li e não sei porque me lembrei dele agora.
Fui à procura. Foi editado, em Portugal, no ano em que o pai morreu.
O livro ficou por lá...

Deambulando

"Hoje vou apanhar as folhas mortas, ou se calhar vou seguir a folha vermelha do carvalho silvetre até ao rio...ou se calhar não." Evelyn Lang

Esquivando-me ao assunto

Teclas, para que vos quero!

Pensamento para a Semana:

"A Natureza deu-nos um par de orelhas e um par de olhos, mas apenas uma língua, para que ouçamos e vejamos mais do que falamos." Sócrates (o original, claro!)

Vamos ver se eu aprendo...

domingo, 10 de outubro de 2010

Apelo

Ru-i!
Que é feito de tu?
As reuniões vão começar
E eu preciso do meu cader-no...

(Este é o projecto para início de um RAP e eu quero que ele seja um RAPPY END)

Idades

«[…] Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade. […]»

Mário Quintana (numa autobiografia escrita para uma revista)