sexta-feira, 30 de abril de 2010

«Country Road»

Às vezes gosto de conduzir de noite.
Sobretudo na zona entre Torres Vedras e Bombarral.
Os montes e vales, pontuados por pequenas e dispersas concentrações de luzes, como se estivesse a olhar para um grande tapete de Arraiolos em execução, onde ainda só os motivos amarelos estão bordados; até chegar à grande pêra, delineada por luzes, que se individualiza na paisagem, como um brilhante enfeite de Natal.
Na serra oestina, os moinhos alternativos substituem o rodar ventoso e o som das cabaças, as velas. Mas continua a haver algo de mágico no seu rodar, na sua luz intermitente, que acrescenta mais um brilho à paisagem nocturna. Que eu vou devorando com os olhos, ao mesmo tempo que o meu carro devora os kilómetros que me devolvem a casa.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

O Mundo visto assim

A história de hoje não é minha. Ouvi-a da boca de uma avó, no café, de manhã, mas fez-me pensar como as crianças encaram sempre tudo com simplicidade, como é bom quando não percebemos a palavra «Fim» como definitiva...

"Quando eu perdi o meu pai, tomava conta do meu neto mais velho e ia muitas vezes para junto do mar. Gostava de ficar ali, a reflectir ou simplesmente a olhar o mar. E levava-o comigo.
Num desses dias, estávamos dentro do carro e ele perguntou:
- Costumas falar com o teu pai?
- Não, filho, o avô morreu. Tu sabes...
- Eu sei. Mas não tens falado com ele?
- Não...penso muito nele...mas não posso falar, falar, com ele.
- Podes sim.
- Mas...porque é que tu dizes isso?
- Porque, quando fui com o pai ao cemitério, junto do retrato do avô, estava um número: podes-lhe telefonar.
Confirmei com o meu filho. Tinha ido à campa do pai e levado o filho. O miúdo não tinha feito comentários, mas, pelos vistos, assumira os «jardins de pedra», como uma grande e original lista telefónica."

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Já passava um bom quarto de hora do início da aula, quando o rapazinho abriu a porta sem pedir licença e tentou esgueirar-se para o seu lugar.
- Ó rapazinho?!...Porque é que vens a esta hora? - perguntei visivelmente irritada
- Atrasei-me - respondeu o «jovem» sem dar grande importância à questão.
- Ah! Ainda bem que me dizes! Estava convencida que vinhas adiantado para a aula a seguir.
Uma parte da turma riu-se. Alguns fizeram comentários entre eles.
O «jovem» não tinha, visivelmente, percebido nada. O colega de carteira esclareceu-o: - A s'tôra 'tá a ser «irótica».
"Pensa em mim protege o que eu te dou
Eu penso em ti e dou-te o que de melhor eu sou
sem ter defesas que me façam falhar
nesse lugar mais dentro
onde só chega, quem não tem medo, de naufragar"


Cada Lugar Teu, Mafalda Veiga

terça-feira, 27 de abril de 2010

Terça-feira Godinha

"É terça-feira
e a feira da ladra
abre hoje às cinco
de madrugada

E a rapariga
desce a escada quatro a quatro
vai vender mágoas
ao desbarato
vai vender
juras falsas
amargura
ilusões
trapos e cacos e contradições


É terça-feira
e das cinzas talvez
amanhã que é quarta-feira
haja fogo outra vez
o coração é incapaz de dizer
"tanto faz"
parte p´ra guerra
com os olhos na paz

(...)"


Terça-feira, Sérgio Godinho

Há a terça-feira gorda, deve haver a terça-feira magra e, entre as duas, há a terça-feira godinha.
É incrível como as personagens do Sérgio Godinho se «colam» a nós. As vezes que eu me senti «a descer as escadas a quatro e quatro», para já não falar na Etelvina, claro, com quem já só tinha uma consciência adormecida das semelhanças...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

A propósito do discuro presidencial

"Atira-te ao mar
e diz que t'empurrarem"

Tudo palavras de algarvios.
Lembram-se dos Iris? No caso deles completavam: "Beija-me na boca e chama-me Tarzan", mas...convenhamos...

domingo, 25 de abril de 2010

Será que é fundamentalismo

meu (a favor e contra), estranhar que, no dia de hoje, a primeira notícia do serviço noticioso da sic seja sobre futebol? A segunda - e longa - foi sobre o 25 de Abril...

Vermelho!

Coração de Vidro

Não tinha a noção de que era tão grande o poema de Ary dos Santos. Li-o todo agora: uma lição de História, um país em carne viva.
Recordo perfeitamente a voz do poeta, na televisão, a recitar este «manifesto». Achei que era preciso recordá-lo agora; agora que cheguei de um jantar num restaurante enfeitado com cravos vermelhos, numa terra de ruas cortadas - desde hoje (24 de Abril) - para assinalar, com o significado que merece, o 25 de Abril.
Não foi propositado. Foi apenas um jantar...Mas alguém disse - e com muita razão: o melhor sítio para recordarmos o 25 de Abril é, de facto aqui, na Marinha Grande.
Eu acrescentaria: se estivemos ali - ainda que por acaso - temos a obrigação de renovar as razões do 25 de Abril, sempre!

As portas que Abril abriu

"Era uma vez um país
onde entre o mar e a guerra
vivia o mais infeliz
dos povos à beira-terra.
Onde entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo se debruçava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

Era uma vez um país
onde o pão era contado
onde quem tinha a raiz
tinha o fruto arrecadado
onde quem tinha o dinheiro
tinha o operário algemado
onde suava o ceifeiro
que dormia com o gado
onde tossia o mineiro
em Aljustrel ajustado
onde morria primeiro
quem nascia desgraçado.


Era uma vez um país
de tal maneira explorado
pelos consórcios fabris
pelo mando acumulado
pelas ideias nazis
pelo dinheiro estragado
pelo dobrar da cerviz
pelo trabalho amarrado
que até hoje já se diz
que nos tempos do passado
se chamava esse país
Portugal suicidado.

Ali nas vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
vivia um povo tão pobre
que partia para a guerra
para encher quem estava podre
de comer a sua terra.

Um povo que era levado
para Angola nos porões
um povo que era tratado
como a arma dos patrões
um povo que era obrigado
a matar por suas mãos
sem saber que um bom soldado
nunca fere os seus irmãos.

Ora passou-se porém
que dentro de um povo escravo
alguém que lhe queria bem
um dia plantou um cravo.

Era a semente da esperança
feita de força e vontade
era ainda uma criança
mas já era a liberdade.

Era já uma promessa
era a força da razão
do coração à cabeça
da cabeça ao coração.
Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Esses que tinham lutado
a defender um irmão
esses que tinham passado
o horror da solidão
esses que tinham jurado
sobre uma côdea de pão
ver o povo libertado
do terror da opressão.

Não tinham armas é certo
mas tinham toda a razão
quando um homem morre perto
tem de haver distanciação

uma pistola guardada
nas dobras da sua opção
uma bala disparada
contra a sua própria mão
e uma força perseguida
que na escolha do mais forte
faz com que a força da vida
seja maior do que a morte.

Quem o fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

Posta a semente do cravo
começou a floração
do capitão ao soldado
do soldado ao capitão.

Foi então que o povo armado
percebeu qual a razão
porque o povo despojado
lhe punha as armas na mão.

Pois também ele humilhado
em sua própria grandeza
era soldado forçado
contra a pátria portuguesa.

Era preso e exilado
e no seu próprio país
muitas vezes estrangulado
pelos generais senis.

Capitão que não comanda
não pode ficar calado
é o povo que lhe manda
ser capitão revoltado
é o povo que lhe diz
que não ceda e não hesite
– pode nascer um país
do ventre duma chaimite.

Porque a força bem empregue
contra a posição contrária
nunca oprime nem persegue
– é força revolucionária!

Foi então que Abril abriu
as portas da claridade
e a nossa gente invadiu
a sua própria cidade.

Disse a primeira palavra
na madrugada serena
um poeta que cantava
o povo é quem mais ordena.

E então por vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
desceram homens sem medo
marujos soldados «páras»
que não queriam o degredo
dum povo que se separa.
E chegaram à cidade
onde os monstros se acoitavam
era a hora da verdade
para as hienas que mandavam
a hora da claridade
para os sóis que despontavam
e a hora da vontade
para os homens que lutavam.

Em idas vindas esperas
encontros esquinas e praças
não se pouparam as feras
arrancaram-se as mordaças
e o povo saiu à rua
com sete pedras na mão
e uma pedra de lua
no lugar do coração.

Dizia soldado amigo
meu camarada e irmão
este povo está contigo
nascemos do mesmo chão
trazemos a mesma chama
temos a mesma ração
dormimos na mesma cama
comendo do mesmo pão.
Camarada e meu amigo
soldadinho ou capitão
este povo está contigo
a malta dá-te razão.

Foi esta força sem tiros
de antes quebrar que torcer
esta ausência de suspiros
esta fúria de viver
este mar de vozes livres
sempre a crescer a crescer
que das espingardas fez livros
para aprendermos a ler
que dos canhões fez enxadas
para lavrarmos a terra
e das balas disparadas
apenas o fim da guerra.

Foi esta força viril
de antes quebrar que torcer
que em vinte e cinco de Abril

fez Portugal renascer.

E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis.

Mesmo que tenha passado
às vezes por mãos estranhas
o poder que ali foi dado
saiu das nossas entranhas.
Saiu das vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
onde um povo se curvava
como um vime de tristeza
sobre um rio onde mirava
a sua própria pobreza.

E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe.
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu.

Essas portas que em Caxias
se escancararam de vez
essas janelas vazias
que se encheram outra vez
e essas celas tão frias
tão cheias de sordidez
que espreitavam como espias
todo o povo português.

Agora que já floriu
a esperança na nossa terra
as portas que Abril abriu
nunca mais ninguém as cerra.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

Quando o povo desfilou
nas ruas em procissão
de novo se processou
a própria revolução.

Mas eram olhos as balas
abraços punhais e lanças
enamoradas as alas
dos soldados e crianças.

E o grito que foi ouvido
tantas vezes repetido
dizia que o povo unido
jamais seria vencido.

Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.

E então operários mineiros
pescadores e ganhões
marçanos e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
souberam que o seu dinheiro
era presa dos patrões.

A seu lado também estavam
jornalistas que escreviam
actores que se desdobravam
cientistas que aprendiam
poetas que estrebuchavam
cantores que não se vendiam
mas enquanto estes lutavam
é certo que não sentiam
a fome com que apertavam
os cintos dos que os ouviam.

Porém cantar é ternura
escrever constrói liberdade
e não há coisa mais pura
do que dizer a verdade.

E uns e outros irmanados
na mesma luta de ideais
ambos sectores explorados
ficaram partes iguais.

Entanto não descansavam
entre pragas e perjúrios
agulhas que se espetavam
silêncios boatos murmúrios
risinhos que se calavam
palácios contra tugúrios
fortunas que levantavam
promessas de maus augúrios
os que em vida se enterravam
por serem falsos e espúrios
maiorais da minoria
que diziam silenciosa
e que em silêncio fazia
a coisa mais horrorosa:
minar como um sinapismo
e com ordenados régios
o alvor do socialismo
e o fim dos privilégios.

Foi então se bem vos lembro
que sucedeu a vindima
quando pisámos Setembro
a verdade veio acima.

E foi um mosto tão forte
que sabia tanto a Abril
que nem o medo da morte
nos fez voltar ao redil.

Ali ficámos de pé
juntos soldados e povo
para mostrarmos como é
que se faz um país novo.

Ali dissemos não passa!
E a reacção não passou.
Quem já viveu a desgraça
odeia a quem desgraçou.

Foi a força do Outono
mais forte que a Primavera
que trouxe os homens sem dono
de que o povo estava à espera.

Foi a força dos mineiros
pescadores e ganhões
operários e carpinteiros
empregados dos balcões
mulheres a dias pedreiros
reformados sem pensões
dactilógrafos carteiros
e outras muitas profissões
que deu o poder cimeiro
a quem não queria patrões.

Desde esse dia em que todos
nós repartimos o pão
é que acabaram os bodos
— cumpriu-se a revolução.

Porém em quintas vivendas
palácios e palacetes
os generais com prebendas
caciques e cacetetes
os que montavam cavalos
para caçarem veados
os que davam dois estalos
na cara dos empregados
os que tinham bons amigos
no consórcio dos sabões
e coçavam os umbigos
como quem coça os galões
os generais subalternos
que aceitavam os patrões
os generais inimigos
os generais garanhões
teciam teias de aranha
e eram mais camaleões
que a lombriga que se amanha
com os próprios cagalhões.
Com generais desta apanha
já não há revoluções.

Por isso o onze de Março
foi um baile de Tartufos
uma alternância de terços
entre ricaços e bufos.

E tivemos de pagar
com o sangue de um soldado
o preço de já não estar
Portugal suicidado.

Fugiram como cobardes
e para terras de Espanha
os que faziam alardes
dos combates em campanha.

E aqui ficaram de pé
capitães de pedra e cal
os homens que na Guiné
aprenderam Portugal.

Os tais homens que sentiram
que um animal racional
opõe àqueles que o firam
consciência nacional.

Os tais homens que souberam
fazer a revolução
porque na guerra entenderam
o que era a libertação.

Os que viram claramente
e com os cinco sentidos
morrer tanta tanta gente
que todos ficaram vivos.

Os tais homens feitos de aço
temperado com a tristeza
que envolveram num abraço
toda a história portuguesa.

Essa história tão bonita
e depois tão maltratada
por quem herdou a desdita
da história colonizada.

Dai ao povo o que é do povo
pois o mar não tem patrões.
– Não havia estado novo
nos poemas de Camões!

Havia sim a lonjura
e uma vela desfraldada
para levar a ternura
à distância imaginada.

Foi este lado da história
que os capitães descobriram
que ficará na memória
das naus que de Abril partiram

das naves que transportaram
o nosso abraço profundo
aos povos que agora deram
novos países ao mundo.

Por saberem como é
ficaram de pedra e cal
capitães que na Guiné
descobriram Portugal.

E em sua pátria fizeram
o que deviam fazer:
ao seu povo devolveram
o que o povo tinha a haver:
Bancos seguros petróleos
que ficarão a render
ao invés dos monopólios
para o trabalho crescer.
Guindastes portos navios
e outras coisas para erguer
antenas centrais e fios
dum país que vai nascer.

Mesmo que seja com frio
é preciso é aquecer
pensar que somos um rio
que vai dar onde quiser

pensar que somos um mar
que nunca mais tem fronteiras
e havemos de navegar
de muitíssimas maneiras.

No Minho com pés de linho
no Alentejo com pão
no Ribatejo com vinho
na Beira com requeijão
e trocando agora as voltas
ao vira da produção
no Alentejo bolotas
no Algarve maçapão
vindimas no Alto Douro
tomates em Azeitão
azeite da cor do ouro
que é verde ao pé do Fundão
e fica amarelo puro
nos campos do Baleizão.
Quando a terra for do povo
o povo deita-lhe a mão!

É isto a reforma agrária
em sua própria expressão:
a maneira mais primária
de que nós temos um quinhão
da semente proletária
da nossa revolução.

Quem a fez era soldado
homem novo capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão.

De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
um menino que sorriu
uma porta que se abrisse
um fruto que se expandiu
um pão que se repartisse
um capitão que seguiu
o que a história lhe predisse
e entre vinhas sobredos
vales socalcos searas
serras atalhos veredas
lezírias e praias claras
um povo que levantava
sobre um rio de pobreza
a bandeira em que ondulava
a sua própria grandeza!
De tudo o que Abril abriu
ainda pouco se disse
e só nos faltava agora
que este Abril não se cumprisse.
Só nos faltava que os cães
viessem ferrar o dente
na carne dos capitães
que se arriscaram na frente.

Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal.

Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!"


Lisboa, Julho-Agosto de 1975
José Carlos Ary dos Santos

25 de Abril

Sempre!

sábado, 24 de abril de 2010

Reformas Educativas

Diz um reputado especialista internacional:

"O ponto de partida tem de ser uma compreensão fina dos motivos e das missões que os professores trazem para o seu trabalho. Estes aspectos necessitam fazer parte das «negociações» com o pessoal responsável pelas reformas, de modo a propiciarem processos de mudança significativos. Empreender a reforma, ignorando ou pondo em causa as crenças e os sentidos de missão dos professores, constitui uma estratégia com elevados custos e grandes riscos que terá provavelmente como resultado um fraco nível de concretização. Enquanto «acção simbólica» politicamente atractiva, tem algum potencial de curto prazo para convencer os «públicos» sobre as intenções governamentais. No médio e no longo prazo, torna-se muito mais problemática, à medida que se vão acumulando as evidências da não concretização dos objectivos de mudança, ou da manipulação dos números, tendo em vista fingir que tal mudança aconteceu realmente."

Ivor F. Goodson, Introdução do livro "Conhecimento e Vida Profissional: Estudos sobre educação e mudança", da Porto Editora, Colecção Currículo, Políticas e Práticas.

Vai uma limonada?



(Directamente do produtor)

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Hoje escrevo para dizer que não escrevo

Andei o dia todo - nos pedacinhos livres - a pensar no que havia de escrever aqui hoje. Todos os assuntos me pareciam inapropriados ou sob uma abordagem entediante.
Claro, eu sei que não tenho de escrever (o tenho estava sublinhado, viram?), mas já me sinto na obrigação de o fazer.
Obrigação, não, se formos honestos, a obrigação é mesmo só com o meu ego, que tem esperança de se saber lido, comentado, merecedor de atenção. (Porque é que não há uma palavra feminina para ego? Fazia todo o sentido).
Enfim, como quero muito encontrar um assunto e uma prosa merecedora de comentários elogiosos - zás! - bloqueei.
Armada em estrela, achei que não tinha material para manter o nível. Pfff! Até para mim estou a ficar insuportável e, como diz aquele anúncio «se eu não me suportar, quem me suportará?». Creio que não é bam assim, mas a adaptação não saiu mal.
Bem, então, recordei-me de uma crónica magnífica de Carlos Drummond de Andrade, escolhida pelos escritores do Sinusite Crónica para o início e o fim desse blogue, de que eu tanto gostava.
Como não tenho a mesma arte do Drummond de Andrade e qualquer imitação seria de mau gosto, «postei» a crónica toda no Salvo Seja - que vos convido a ler - e vim aqui só para dizer que hoje não escrevo.

A mesa dos copos meio cheios

"As pessoas mais felizes não têm as melhores coisas.
Elas sabem fazer o melhor das oportunidades
que aparecem em seus caminhos"


Clarice Lispector

(A versão integral foi-me oferecida num comentário ao post «Inspiração».Vão lá ver!)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Amor Rima com Humor, sem dúvida

“-Hum…- a mulher afastou-se dois passos da janela e fez a pausa necessária para o marido levantar os olhos das palavras cruzadas do jornal – Acho que os nossos vizinhos se vão separar…- disse num tom preocupado.
- O que foi que tu viste? – perguntou ele, tentando disfarçar sem êxito alguma curiosidade – Algo suspeito?...
- É assim – disse ela, sentando-se no braço do sofá que ele ocupava – Ela diz sempre que resolveu enfrentar os desgostos da vida de forma positiva: afirma, frequentemente, que quando algum acontecimento a perturba compra uma peça de roupa nova para estrear.
- Parece-me bem, muito positivo. E deduziste o divórcio porque?...
- Ela acabou de sair de um táxi com cerca de uma dúzia de sacos de lojas diferentes…
Ele sorriu-lhe pelos olhos, naquela cumplicidade que os unia há tantos anos e disse – E achas que só um par de cornos justificaria a mudança total do guarda-roupa!
Antes de se deitar toda no beijo dele ela pensou que era mesmo verdade, que a inteligência e o sentido de humor eram dos atributos que apresentavam menor risco de se deteriorarem com o tempo. Adorava aquele homem!”

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Inspiração




(Sé de Lisboa)

Efeitos Especiais

"Chegou a casa ensopada. O cabelo colado ao rosto dava-lhe um ar simultaneamente sexy e digno de pena, pensou, enquanto subia a escada e procurava a chave na mala. Meu Deus! Porque é que trazia tanta coisa na mala?!?
Ouviu logo o telefone a tocar, assim que abriu a porta. Não conhecia o toque.
Descalçou-se à pressa, enfiando os pés encharcados e com meias nos fofos chinelos que mantinha sempre ao pé da porta. Pensou tarde demais que não o deveria ter feito...
«- Amor? Estás em casa? - o toque continuava - Amo-or?»
Finalmente descobriu o telemóvel, debaixo da cama. Era o dele. Deve ter caído sem dar por isso...Número privado? Vou atender, pode ser importante...
«Querido: Estou à tua espera há 15 minutos! Já percebeste que perdemos 15 minutos?...E o que já podíamos ter feito nestes 15 minutos...»
Largou o telefone, com o choque. Não ouviu mais nada. Ter-se-ia desligado?...Que importa?...De trabalho não era, naquele tom sussurrado...
«Quem?...como?...»
«Podia ser engano...»
«Não sejas parva!»
Estava presa ao chão do meio do quarto. Não conseguia mover-se.
Lá fora começaram a ribombar os trovões. Os relâmpagos iluminaram-na molhada, roupa colada ao corpo. Sexy ou digna de pena.
«Eu pensava que as trovoadas eram sempre efeitos especiais das cenas dramáticas nos filmes...» pensou surpreendida."

Fim de Tarde

Na beira-mar o céu começou a chorar devagarinho, umas lágrimas moles, grandes, preguiçosas...
Dir-se-ia que recordava a necessidade de chorar um desgosto, já muito gasto... um desgosto tão profundo que tinha de ser chorado eternamente, mas para o qual as forças lhe faltavam.
O céu derramava sobre o mar lágrimas choradas devagarinho, sem convicção, sem energia...Por isso não perturbava os barcos que saíam para a pesca deslizando nas águas calmas, estranhamente desertas de gaivotas.
As gotas não assustaram os namorados que se beijavam ou os passeantes de cães. Ninguém estugou o passo ou se recolheu sob um toldo.
Tive pena do céu, a chorar sozinho, sem ninguém que fosse sensível ao seu sofrimento. Em solidariedade, puxei o carapuço do impermeável, mas mantive o ritmo dos meus passos.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Açafate

A minha mãe colocava a roupa impecavelmente passada a ferro num açafate. Era de verga clarinha, baixinho e com as malhas muito apertadinhas. Era bonito. E tinha um nome muito bonito.
Há tempos, em conversas daquelas tocadas a lazer, falei no açafate da roupa: ninguém sabia o que era...
Hoje precisei de comprar um tabuleiro novo para a roupa. Não me atrevi a solicitar pela designação desconhecida e trouxe-o para casa, mas dirigi-me então ao dicionário para confirmar.
Cá está: «Açafate», "provém da designação árabe de cesta e refere-se a um cesto baixo, redondo ou oval, sem tampa e sem asas, feito em verga fina."
O tabuleiro da minha mãe era rectangular e tinha asas...
Ah, cá está! «Açafata»: "moça fidalga incumbida de levar, em açafate, as peças de vestuário e de adorno das rainhas."
Bom, sempre tinha a ver com o transporte de roupa limpa e engomada.
O da minha mãe era de verga e recebia as peças impecavelmente passadas.
O meu é de plástico e recebe as peças passadas.
O tempo sempre vai aligeirando as palavras e os hábitos!

segunda-feira, 19 de abril de 2010

domingo, 18 de abril de 2010

Como as Cerejas

As músicas são como as palavras e as palavras são como as cerejas...
Andando em busca do Mendes (do Carlos Mendes) não consegui encontrar O Menino de sua Mãe, mas (re)encontrei a melhor sátira às telenovelas que eu conheço.
E não resisti: «palavra puxa grunhido», de música em música, terminei no Só Nós Três, maravilhada, como sempre que os vejo e ouço!



Esta letra não consegui encontrar e - como é bom de (ou)ver - não me atrevi a tentar copiá-la de ouvido.

Outro Mendes

Em Alcácer eram verdes as aves do pensamento
Eram tão leves tão leves como as lanternas do vento
Em Alcácer eram verdes os cavalos encarnados
Eram tão fortes tão negros como os punhos decepados

Em Alcácer eram verdes as armas que eu inventei
Eram tão leves tão leves tão leves que nem eu sei
Em Alcácer eram verdes os homens que não voltaram
Eram tão verdes tão verdes como os campos que deixaram

Em Alcácer eram verdes as maçãs feitas de lume
Eram tão frias tão frias como as dobras do ciúme
Em Alcácer eram verdes estas palavras que agora
são tão caladas tão cernes tão feitas desta demora

Em Alcácer eram verdes as flores da sepultura
Eram tão verdes tão verdes tão verdes como a loucura
Em Alcácer era verde meu amor o teu olhar
Era tão verde tão verde quase à beira de cegar

Em Alcácer eram verdes os lençóis onde morri
Eram tão frios tão verdes como os campos que eu não vi
Em Alcácer eram verdes as feridas do meu país
Eram tão fundas tão verdes como este mal de raiz


poema Joaquim Pessoa (cantado por Carlos Mendes)

Letra colhido no blog "A Pedra do Homem"

E o brilho vai-se perdendo...

"Não me peças mais canções
porque a cantar vou sofrendo
sou como as velas do altar
que dão luz e vão morrendo

Se a minha voz conseguisse
dissuadir essa frieza
e a tua boca sorrisse
mas sóbria por natureza

Não a posso renovar
e o brilho vai-se perdendo
sou como as velas do altar
que dão luz e vão morrendo"


Não me peças mais canções, poema de António Botto, cantado por Carlos Mendes

sexta-feira, 16 de abril de 2010

À Porta da Sé de Lisboa



"Lisboa nasceu, pertinho do céu
Toda embalada na fé
Lavou-se no rio, ai ai ai menina
Foi baptizada na Sé!"

Marcha do Centenário

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Nasceu um Príncipe

O pai dirá bébé, a mãe dirá neném. Com qual se identificará ele? Quais as primeiras palavras que dirá? Como pronunciará o nome? Com o 'c' mais arrastado, quase ciciado, na bonita pronúncia brasileira da mãe ou no mais tradicional português do pai?
Tem um nome grande e bonito o príncipe. Quando o souber dizer, estará hábil com as palavras e as diferentes entoações de um e de outro lado do Atlântico. Como um descobridor de outros tempos aventurar-se-á nas palavras, nos sotaques, nas melodias dos dicursos directos...
Por agora, o que serão as palavras para o príncipe? Deverão ser sobretudo sensações: o seio da mãe, a voz do pai, as festas nas mãozinhas minúsculas, o som do mobile, a música do cd, o toque do gorro suave na cabecita...
O que será que os bébés percebem das palavras? Será que têm um léxico próprio para descobrir o mundo?
Nasceu um príncipe. Que Deus continue a abençoar esse lar!

quarta-feira, 14 de abril de 2010

A propósito de Portugalidade



(dedicado aos amigos que, no sábado,conversaram comigo sobre este anúncio)
Afinal no Youtube encontra-se tudo!

Embrenhada no trabalho

Compreendo agora como uma má opção ter decidido transcrever hoje uma descrição de uma recepção e banquete no Mosteiro e Alcobaça, no século XVIII.
Só agora me recordei que não tinha jantado. Compreendo agora (dolorosamente) que o devia ter feito.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Faz hoje 14 anos que a minha avó morreu.
O meu terraço, que ela nunca viu, está molhado das lágrimas da chuva, que começou a cair agora, persistente, justificando o tempo cinzento que marcou o dia todo.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Retalhos da Vida de um Prédio

"Desde que ele tinha passado a habitar o prédio, as manhãs tornaram-se menos penosas.
Quase todos os dias apanhavam o elevador ao mesmo tempo. Ele, barbeadinho de fresco, exalava uma frescura masculina...apetecível. Ela abria as narinas para absorver aquele cheiro, para o respirar mais de perto...sentia-se alvoroçada. Baixava os olhos, após os breves bons-dias de circunstância.
Em cada dia tinha a sensação de que ia explodir. A respiração acelerava, as têmporas latejavam. Tinha a ideia de que o seu desejo se tornava notório para ele, tal a respiração pesada dela, os movimentos mais acelerados do seu peito, a subir e a descer, num arquejo, irreprimível, quase de dor...
Via-o sempre sozinho, roupa formal de trabalho burocrático, talvez de responsabilidade...gravatas variadas, todas de muito bom gosto.
Ao fim do dia não se encontravam.
Só de manhã, naquele começo de dia lavado e perfumado, cheiroso e apetitoso...
Naquela sexta-feira à tarde teve uma vontade muito forte de cuidar dela mesma. Havia pouco movimento, decidiu-se a pedir o gozo de umas horas a que tinha direito. Sem problema. Saiu então, pouco depois do almoço, sentindo-se fresca, impaciente, com vontade de mudar.
Coincidência, ou não, havia umas promoções de lingerie numa loja que ela muito cobiçava.
Decidiu-se por um «body» preto, de renda, muito sexy e uma camisa de noite azul-escura acetinada. Sentia-se linda e sexy, enquanto segurava o saco com uma imagem sugestiva de publicidade da loja.
Cerca das 5 h retornou a casa. No átrio do prédio, premindo o botão do elevador: ele!
Sentiu-se ruborizar, virou o saco para esconder a imagem provocadora, mas ambas as faces eram iguais, que fazer?...Agora nada. Ele já a viu e fez um aceno de cabeça. O elevador chegou. Ele retém a porta...quem sabe?...Ela estuga o passo e entra no elevador, sentindo que «é o dia». Muito vermelha e atrapalhada, sem saber como , o saco resvala-lhe da mão e deixa cair o «body», numa embalagem "ilustrada".
Num momemnto verdadeiramente cinematográfico, ele baixa-se e apanha a embalagem. Depois - ela juraria que foi em câmara lenta - ele sobe até ao nível dos olhos dela...ela sente que é uma situação embaraçosa, mas...talvez...
Com voz extraordinariamente sensual e exibindo um sorriso, ele diz: "Bem bonito! Muito sexy!" e, após uma pausa, "A minha mulher tem um igual."

Personalização?

A loja do cidadão estava cheia.
Diferentes balcões e serviços; senhas com letras diferentes, paineis de informação que não permitiam a leitura dos lugares sentados, fazendo-nos esticar o pescoço, como uma fila de pássaros alinhados sobre os fios dos telefones.
Talvez a maior enchente fosse no IEFP. Desempregados, pensei.
Uma funcionária, só, assegurava o balcão do ADSE, visivelmente esgotada. Foi quase num lamento que informou a senhora idosa, trazida por outra funcionária de um outro balcão, que os papeis tinham de ser preenchidos por ela. A senhora hesitava, cansada de informações incompletas e de passar de funcionário em funcionário. Quase suplicava uma ajuda. "Mas eu não posso mesmo...porque são muitas coisas para preencher e estão outras pessoas para atender...Eu estou sozinha..."Olhava em redor visivelmente incomodada.
Acabei por me oferecer para ajudar. Eram uns formulários não muito complicados, mas, claro, quando a pessoa já é idosa e cansada, tudo se torna mais difícil. Com mais de setenta anos, toma conta do marido com doença de Alzeihmer e teve de pedir a uma vizinha para o vigiar, depois de lhe ter dado um comprimido para dormir e estava em risco de não resolver as coisas...
Por fim tudo se resolveu, mas depois de um escada-acima-escada-abaixo, várias declarações e papeis diferentes depois.
A senhora insistou muito em me pagar um café e em trocarmos moradas, para que um dia os visitasse. Separámo-nos depois, com beijinhos, abraços e agradecimentos genuínos.
Retomei a minha jornada, no metro, a pensar nos paradoxos do nosso tempo: apaguei do telemóvel há pouco tempo as mensagens que recebi no dia do meu aniversário, da cabeleireira, do ginásio, do banco, da clínica de fisioterapia que frequentei, de umas sapatarias de que tenho cartão e de uma livraria. Tudo muito personalizado. Parece que estamos todos juntos e solidários neste mundo e quando precisamos que alguém nos acalme e ajude com uma coisa simples, percebemos que estamos sozinhos, numa sala cheia de gente, na sua maioria desocupada e fechada em si mesma.
Não me parece que este tempo seja pior que os outros...todos os tempos têm os seus paradoxos, mas parece-me que este tempo tinha obrigação de ser melhor, mais solidário, menos mecânico, mais humano. Que me interessa que no mesmo dia, vários computadores tenham gerado mensagens iguais com o meu nome, só porque tinham sido programados para tal? Que me interessa pertencer ao clube de "não sei o quê", se, quando ligo o número de telefone que me oferecem, passo de atendimentos automáticos em atendimentos automáticos e não tenho direito a uma voz humana que me responda, a mim, ao que eu pergunto? De que me serve receber mais de 10 mensagens de aniversário, se não tiver ninguém com quem partilhar a fatia do bolo? Alguém que me ajude a levantar quando eu cair?
Falamos de atendimentos personalizados como se eles existissem!
Atendimento personalizado foi a minha conversa com a D. Albertina, que terminou num café, num abraço e num olhar de ternura: em solidariedade humana.
Como se diz várias vezes ao dia, na rádio que ouço: "Vale a pena pensar nisto".

domingo, 11 de abril de 2010

sábado, 10 de abril de 2010

Será que as capicuas dão sorte?

Parece ser uma tradição que remonta aos romanos, uma superstição.
Será que as capicuas dão mesmo sorte? Espero que sim, num dia azul.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

"Tomar um café" com amigos é muito mais que esvaziar uma chávena




Na mesma mesa de café, onde costumamos "preguiçar" o início do fim de semana, nos juntámos hoje, mais apressados, contristados, para combinar quem levava carro e quem comprava as flores para o funeral do pai de uma de nós.
Mais uma vez penso na amizade, na solidariedade, no conforto que nos dá, sabermos que existe um «nós», para os melhores e piores momentos.

Nem sempre uma escrivaninha tem o que escrever...

(Sé de Lisboa)
Se ter o que dizer não garante audiência, ter audiência nem sempre garante a verve.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Olhar o céu azul e inventar uma moldura

"Dias úteis
às vezes pretextos fúteis
pra encontrar felicidades
no percurso de um só dia
Dias úteis
são tão frágeis, as verdades
que se rompem com a aurora
quem as não remendaria?
Dias úteis
mesmo se a dor nos fizer frente
a alegria é de repente
transparente
quem a não receberia?
Mesmo por pretextos fúteis
a alegria é o que nos torna
os dias úteis
Dias raros
aqueles que por amparos
do bom senso e da imprudência
fazem os prazeres do dia
Dias raros
como os ares, Rarefeitos
amores mais do que perfeitos
quem os recomendaria?
Dias raros
em que os mais dados às rotinas
ouvem sinos, seguem sinas
cristalinas
quem as não perseguiria?
Por motivos talvez claros
o prazer é o que nos torna
os dias raros
Por pretextos talvez fúteis
a alegria é o que nos torna
os dias úteis
Por motivos talvez claros
o prazer é o que nos torna
os dias raros
Por pretextos talvez fúteis
por motivos talvez claros"


Sérgio Godinho, Dias úteis

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Pedido de atenção: mimo e esclarecimentos, precisam-se

Hoje sinto-me a «florinha de estufa» que a minha avó me chamava.
Não sei bem como, mas devo ter apanhado uma gripe.
Tenho febre, arrepios de frio, dores no corpo, a garganta inflamada e uma vontade muito grande de me aninhar. Deve, portanto, ser uma gripe.
Há vantagens na questão. Vejo sobretudo duas:
a) constatei que a paranóia geral sobre a gripe A já passou, pois fui atendida numa farmácia com muita calma e profissionalismo, sem qualquer resquício de histeria, por uma menina muito linda - que creio até que já foi mnha aluna - que lá receitou os tradicionais comprimidos para a febre e pastilhas para a garganta, respeitando as minhas preferências e esclarecendo as minhas dúvidas.
b) recordei-me de algumas afirmações do Professor Carvalho Rodrigues, que dizia há tempos perante uma audiência da qual que fazia parte, que uma gripe é a melhor doença que podemos ter: sabemos que passa, avisamos toda a gente por telefone da nossa maleita e recebemos atenções e mimos redobrados. Como ainda não tinha experimentado esta teoria através dos amigos do ciberespaço, cá estou a comunicar que tenho gripe. Espero agora os mimos e as atenções redobradas.
Para haver tema de conversa pergunto por aqui se alguém me sabe esclarecer a razão do êxito (secular) da história de Alice no País das Maravilhas. É que eu, que já não lhe achei graça no tempo em que era criança, lá fui ver o filme nesta Páscoa e continuo sem perceber. É que tirando a mensagem de que as pessoas loucas são as mais sãs - por fugirem à normalidade/normalização que é sempre assustadora - e uma afirmação da beleza do mundo da fantasia (que aquele até nem é dos meus preferidos, dentre a panóplia de universos fatasiosos alternativos), eu, continuei a não compreender o sucesso. Azar o meu, que gastei o dinheiro do bilhete em vão. A boa novidade é que vem aí um Toy Story 3: isso sim!

sábado, 3 de abril de 2010

Páscoa, para que te quero!

Encher o comedouro das gatas de comida e água, muita água.
Gravar os últimos trabalhos no CD, que os azares acontecem...
Virar as costas à secretária, colocar o saco de fim de semana ao ombro e Páscoa para que te quero? Fazer uma pausa, sem Kit Kat.
Boa Páscoa a quem por aqui passa, anónimo ou com identificação, deixando rasto ou não. O programa segue dentro de momentos; espero.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Hoje é o primeiro dia?...

"E enfim duma escolha faz-se um desafio
enfrenta-se a vida de fio a pavio
navega-se sem mar sem vela ou navio
bebe-se a coragem até dum copo vazio
e vem-nos à memória uma frase batida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida
hoje é o primeiro dia do resto da tua vida"


O Primeiro Dia, Sérgio Godinho

Não entendo

"Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."


Clarice Lispector (1920-1977)

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Mitologias

"O fundo dos olhos da noite
guarda silêncios.
Esconde na retina
a menina que corre descalça em campo aberto.
Pálpebras cerradas, a noite emudece.
A menina com medo
faz um furo no escuro com a ponta do dedo.
Cai um pingo de luz.
Amanhece."


Como nascem as manhãs
Flora Fiqueiredo, (poetisa brasileira)

Porque

é que existe um dia inteiro para as mentiras, mas, para a verdade, só existe uma hora: a Hora da Verdade?

Dia das Mentiras

Será verdade?