Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
Perder é começar. A minha vida foi movimento em cerne opaco e frígido... E quando sei que este momento eterno em mim percorre sulcos, veias, sonhos, outro momento abraça-me o porvir — e desconheço a margem onde navegar, onde aportar o peso do caminho.
Perder é começar. Por isso a ténue sombra desenha no sigilo os abismais instantes onde existiu, uma vez, qualquer destino exacto.
Bom é o esquecimento. Senão como é que O filho deixaria a mãe que o amamentou? Que lhe deu a força dos membros e O retém para os experimentar.
Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre Que lhe deu o saber? Quando o saber está dado O discípulo tem de se pôr a caminho.
Na velha casa Entram os novos moradores. Se os que a construíram ainda lá estivessem A casa seria pequena de mais.
O fogão aquece. O oleiro que o fez Já ninguém o conhece. O lavrador Não reconhece a broa de pão.
Como se levantaria, sem o esquecimento Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã? Como é que o que foi espancado seis vezes Se ergueria do chão à sétima Pra lavrar o pedregal, pra voar Ao céu perigoso?
3 comentários:
:)
Perder
Perder é começar. A minha vida
foi movimento em cerne opaco e frígido...
E quando sei que este momento eterno
em mim percorre sulcos, veias, sonhos,
outro momento abraça-me o porvir —
e desconheço a margem onde navegar,
onde aportar o peso do caminho.
Perder é começar. Por isso a ténue sombra
desenha no sigilo os abismais instantes
onde existiu, uma vez, qualquer destino exacto.
António Salvado
Louvor do esquecimento
Bom é o esquecimento.
Senão como é que
O filho deixaria a mãe que o amamentou?
Que lhe deu a força dos membros e
O retém para os experimentar.
Ou como havia o discípulo de abandonar o mestre
Que lhe deu o saber?
Quando o saber está dado
O discípulo tem de se pôr a caminho.
Na velha casa
Entram os novos moradores.
Se os que a construíram ainda lá estivessem
A casa seria pequena de mais.
O fogão aquece. O oleiro que o fez
Já ninguém o conhece. O lavrador
Não reconhece a broa de pão.
Como se levantaria, sem o esquecimento
Da noite que apaga os rastos, o homem de manhã?
Como é que o que foi espancado seis vezes
Se ergueria do chão à sétima
Pra lavrar o pedregal, pra voar
Ao céu perigoso?
A fraqueza da memória dá
Fortaleza aos homens.
Bertold Brecht
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