"A vida é uma originalidade. Por mais planos que façamos, estaremos, subitamente, num ponto mudado, até irreconhecível. Seremos constantemente confrontados com a necessidade de dar provas, a começar perante nós mesmos, acerca da manutenção da dignidade e da boa vontade. Quando as coisas mudam, vemo-nos desamparadamente novos, vagos na identidade, porque afinal as convicções eternas morrem. Tendemos a ver demasiado o presente como se fosse tudo. Mas o presente a todo o tempo morre também. Nós somos sobretudo o ímpeto entre isto e outra coisa."
Valter Hugo Mãe, O Senhor Emílio in Público, 30/8/2015
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
domingo, 30 de agosto de 2015
domingo, 23 de agosto de 2015
Palavras colhidas no Face
"amo as palavras na sua sensualidade cheia de curvas, bocas apelativas...
amo as palavras no silêncio de serem ecos do infinito que me
habita e me persegue como uma sombra de mim...
amo as palavras porque rasgam as minhas vontades no desejo de se exprimirem, porque com elas questiono a vida, me amortalho, me transcendo, me perco entre nuvens...
amo as palavras porque elas me habitam sem pecado, porque me fazem chegar ao outro lado do mundo..."
Margarida Vieira (a publicar)
amo as palavras no silêncio de serem ecos do infinito que me
habita e me persegue como uma sombra de mim...
amo as palavras porque rasgam as minhas vontades no desejo de se exprimirem, porque com elas questiono a vida, me amortalho, me transcendo, me perco entre nuvens...
amo as palavras porque elas me habitam sem pecado, porque me fazem chegar ao outro lado do mundo..."
Margarida Vieira (a publicar)
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sexta-feira, 21 de agosto de 2015
O Tempo mudou o próprio Tempo
"Como diria o conhecido pensador francês Paul Virilio, já não vivemos na época da velocidade, mas do instantâneo. Um tempo único que elimina a espera, a transição, o intervalo, a reflexão. Num mundo assim talvez seja urgente formular novas noções de tempo. É isso que tem vindo a acontecer nos últimos anos."
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Tempos Modernos
"Na obra Non-Stop Inertia, o psiquiatra inglês Ivor Southwood reflecte sobre as contradições dos últimos anos nas sociedades ocidentais, argumentando que a cultura do trabalho temporário, a fragmentação, ou a velocidade dos meios de comunicação digitais nos fazem acreditar que estamos sempre em movimento. Mas é um movimento sem nexo, sem destino. É uma acção paralisante que, muitas vezes, apenas leva à fadiga crónica ou à depressão."
extraído do artigo «Slow Mouvemente: trabalhar menos, trabalhar melhor", da autoria de Vítor Belanciano, que foi publicado no Público de 16 de Agosto de 2015.
Nesse mesmo artigo aprendi que existe uma organização Movimento Slow em Portugal, dirigida por uma antropóloga social: Raquel Tavares.
extraído do artigo «Slow Mouvemente: trabalhar menos, trabalhar melhor", da autoria de Vítor Belanciano, que foi publicado no Público de 16 de Agosto de 2015.
Nesse mesmo artigo aprendi que existe uma organização Movimento Slow em Portugal, dirigida por uma antropóloga social: Raquel Tavares.
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Partículas de Felicidade
Ter Coragem de Ter Medo
"Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus."
Clarice Lispector, Um Sopro de Vida
Clarice Lispector, Um Sopro de Vida
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segunda-feira, 17 de agosto de 2015
O único poema de Fernando Pessoa que li na escola (como aluna) e que, de repente, se plantou no meu espírito
A criança que fui chora na estrada.
I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
Fernando Pessoa
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quinta-feira, 18 de junho de 2015
Sou de Vidro
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
Encubro a luz que me habita
Não por ser feia ou bonita
Mas por ter assim nascido
Sou de vidro escurecido
Mas por ter assim nascido
Não me atinjam não me toquem
Meus amigos sou de vidro
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
E um cinto de escuridão
Mas trago a transparência
Envolvida no que digo
Meus amigos sou de vidro
Por isso não me maltratem
Não me quebrem não me partam
Sou de vidro escurecido
Tenho fumo por vestido
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita
Mas por assim ter nascido
Não por ser feia ou bonita
Envolvida no que digo
Encubro a luz que me habita
Lídia Jorge
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quinta-feira, 2 de abril de 2015
Manoel de Oliveira (1908-2015)
Disse o jornalista: Fomos apanhados de surpresa pela morte de um homem com 106 anos.
E é verdade.
Manoel de Oliveira partiu. A sua obra ficará!
E é verdade.
Manoel de Oliveira partiu. A sua obra ficará!
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terça-feira, 31 de março de 2015
De Palavra em Palavra
"Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa...
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer “eu deixo” é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado.
Não. Amor é um exagero… Também não.
É um desadoro… Uma batelada?
Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina."
Texto, colhido no Facebook e extraído do livro Mania de Explicação da Adriana Falcão
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer “eu deixo” é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado.
Não. Amor é um exagero… Também não.
É um desadoro… Uma batelada?
Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina."
Texto, colhido no Facebook e extraído do livro Mania de Explicação da Adriana Falcão
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sexta-feira, 27 de março de 2015
Eu queria habitar no final de uma telenovela: os maus são
castigados, os mauzinhos arrependem-se e são imediatamente recuperados por um
eficiente sistema de reinserção social com a ajuda de uma sociedade altamente
preparada para a inclusão e os bons...bom, os bons são responsáveis por uma acentuada redução
da taxa de desemprego, uma vez que propiciam um apreciável número vagas para trabalhadores
temporários que ajudam Cupido a dar despacho a um elevadíssimo volume de trabalho.
O melhor lugar para habitar é, sem dúvida, o final de uma telenovela!
domingo, 22 de março de 2015
Palavras Minhas
Palavras que disseste e já
não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem
sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...
Palavras que não dizes, nem
são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.
Pedro Tamen
sábado, 21 de março de 2015
Em viagem
"A viagem termina quando encerramos as nossas fronteiras interiores. Regressamos a nós, não a um lugar."
Mia Couto in O Outro Pé da Sereia (colhido no Facebook)
Mia Couto in O Outro Pé da Sereia (colhido no Facebook)
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quinta-feira, 19 de março de 2015
Dia do Pai
Na realidade tive dois pais.
Partiram ambos cedo de mais.
Partiram ambos cedo de mais.
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quarta-feira, 18 de março de 2015
Natal? Porque não...
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.
Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
(Miguel Torga)
domingo, 15 de março de 2015
Caminhando
"Chegará o dia em que o sol só iluminará homens livres que apenas obedecerão à Razão; em que os tiranos e os escravos...já não existirão."
Condorcet, Quadro dos Progressos do Espírito Humano (1793)
sábado, 14 de março de 2015
quinta-feira, 12 de março de 2015
domingo, 8 de março de 2015
Dia 8
MULHER
A mulher não é só casa
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama
E é preciso dizer
dessa antiga condição
a mulher soube trazer
a cabeça e o coração
dessa antiga condição
a mulher soube trazer
a cabeça e o coração
Trouxe a fábrica ao seu lar
e ordenado à cozinha
e impôs a trabalhar
a razão que sempre tinha
e ordenado à cozinha
e impôs a trabalhar
a razão que sempre tinha
Trabalho não só de parto
mas também de construção
para um filho crescer farto
para um filho crescer são
mas também de construção
para um filho crescer farto
para um filho crescer são
A posse vai-se acabar
no tempo da liberdade
o que importa é saber estar
juntos em pé de igualdade
no tempo da liberdade
o que importa é saber estar
juntos em pé de igualdade
Desde que as coisas se tornem
naquilo que a gente quer
é igual dizer meu homem
ou dizer minha mulher
naquilo que a gente quer
é igual dizer meu homem
ou dizer minha mulher
ARY DOS SANTOS
quinta-feira, 5 de março de 2015
Submersa em testes
Vou arrumar o escafandro para amanhã...
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terça-feira, 3 de março de 2015
O Poeta
O poeta não gosta de palavras:
escreve para se ver livre delas.
A palavra
torna o poeta
pequeno e sem invenção.
Quando,
sobre o abismo da morte,
o poeta escreve terra,
na palavra ele se apaga
e suja a página de areia.
Quando escreve sangue
o poeta sangra
e a única veia que lhe dói
é aquela que ele não sente.
Com raiva,
o poeta inicia a escrita
como um rio desflorando o chão.
Cada palavra é um vidro em que se corta.
O poeta não quer escrever.
Apenas ser escrito.
Escrever, talvez,
apenas enquanto dorme.
Mia Couto
segunda-feira, 2 de março de 2015
Envelhecer
Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.
Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.
Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!
Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.
Bastos Tigre (1882-1957)
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.
Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.
Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!
Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.
Bastos Tigre (1882-1957)
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domingo, 1 de março de 2015
O Domingo é um bom dia para filosofar
Chamava-se Pedro.
Tinha acabado a Faculdade nesse mesmo ano e uma paixão pela Filosofia e pelo seu ensino.
Claro que "caímos" logo todas por ele: Jovem, tímido, sábio.
Às vezes dou comigo a pensar como deveria ser ridículo ( e muito inibitório) ter uma turma de adolescentes suspirantes a olhar para ele.
Por mim, que sabia que nunca o iria fascinar pelo meu aspeto físico naquela turma de futuras socialites da linha de Cascais, comprei uma História da Filosofia. Lia que nem uma louca e mostrava-lhe a minha sede de saber - que tinha também, sejamos honestos, sede e outra coisa.
Acreditei sempre que ele achava que eu era especial.
Mais tarde soube que ele estava a tirar o mestrado...e depois perdeu-se nas memórias e na sequência de outros encontros, outras vivências.
Hoje acordei com vontade de estudar Filosofia: Que será feito do meu professor de 12º ano?
Tinha acabado a Faculdade nesse mesmo ano e uma paixão pela Filosofia e pelo seu ensino.
Claro que "caímos" logo todas por ele: Jovem, tímido, sábio.
Às vezes dou comigo a pensar como deveria ser ridículo ( e muito inibitório) ter uma turma de adolescentes suspirantes a olhar para ele.
Por mim, que sabia que nunca o iria fascinar pelo meu aspeto físico naquela turma de futuras socialites da linha de Cascais, comprei uma História da Filosofia. Lia que nem uma louca e mostrava-lhe a minha sede de saber - que tinha também, sejamos honestos, sede e outra coisa.
Acreditei sempre que ele achava que eu era especial.
Mais tarde soube que ele estava a tirar o mestrado...e depois perdeu-se nas memórias e na sequência de outros encontros, outras vivências.
Hoje acordei com vontade de estudar Filosofia: Que será feito do meu professor de 12º ano?
sábado, 28 de fevereiro de 2015
O chá de limão de ontem foi feito com três cascas.
Hoje já só estava uma dentro do pequenino jarro de ir ao microondas.
E eu interrogo-me: Como é que as minhas gatas conseguem enfiar ali a pata e sem deitar o jarro ao chão?
Nesta casa não se pode deixar nada à pata de semear, ou de colher, melhor dizendo.
Hoje já só estava uma dentro do pequenino jarro de ir ao microondas.
E eu interrogo-me: Como é que as minhas gatas conseguem enfiar ali a pata e sem deitar o jarro ao chão?
Nesta casa não se pode deixar nada à pata de semear, ou de colher, melhor dizendo.
quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
Estou com as minhas alergias de Primavera.
Mas é o único sinal que tenho desta prima, que continua afastada.
Mas é o único sinal que tenho desta prima, que continua afastada.
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segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015
Genealogias invisíveis entre regimes políticos diferentes
Três apontamentos sobre o tema, ligados - de repente, ou não - por essa coisa fantástica e com um certo grau de independência que é o cérebro de cada um de nós; neste caso, o meu:
Vejo regularmente uma novela brasileira "de época" em que uma Baronesa do Império de D. Pedro II se integra na República conseguindo que o marido se torne Senador. Em casa, entre os amigos e os servos, ela é "Baronesa"; em público ela é a esposa de um Senador da República, sem qualquer afinidade com o proscrito regime anterior.
Esta é uma das mensagens maiores da novela: a sobrevivência a qualquer custo de uma elite que decidiu ser elite seja em que contexto for. E que faz por isso os maiores contorcionismos para se manter no lugar que considera pertencer-lhe por direito.
Ao ouvir uma palestra de um dos netos de Aristides de Sousa Mendes sobre a acção e a reabilitação da imagem do seu avô, quedo-me nas palavras que nos chamam a atenção para uma certa hipocrisia de toda a situação, clamando actualmente que Aristides de Sousa Mendes foi banido da memória nacional pelo regime de Salazar e que foi necessário um apelo vindo do Canadá (dos seus descendentes) para descobrirmos a heróica acção deste português proscrito, quando, nas palavras de seu neto, surge a acusação a toda uma classe diplomática portuguesa. Dizia ele que a diplomacia portuguesa não foi completamente substituída com a Revolução do 25 de Abril de 1974, muitos diplomatas de carreira terão continuado a prestar serviço a Portugal e o seu silêncio era, por isso, injustificável.
Nunca fui investigar sobre isto, mas tomei-o como verdade, até porque uma carreira diplomática não se constrói rapidamente e é natural que a representação de Portugal no estrangeiro beneficiasse da manutenção de um grupo de diplomatas, regendo-se agora - evidentemente - segundo novos princípios e valores.
Leio agora mesmo um excelente artigo no Público sobre Humberto Delgado. Uma entrevista do seu neto e biógrafo, nascido já após a sua morte, mas investigador reconhecido sobre o tema. Ele fala claramente em falsificação de dados e ocultação das conclusões da autópsia feita pelos técnicos forenses espanhóis que não deixavam dúvidas sobre uma morte lenta e dolorosa, transformando-a numa morte rápida, com um tiro, da exclusiva responsabilidade do seu executor que poderia até nem ter quaisquer instruções do Governo. Um acto rápido, talvez impulsivo, de um único homem, sem conhecimento provado do regime. Segundo Frederico Delgado Rosa isto foi feito para proteger a figura mitificada de Salazar, mesmo depois da mudança de regime:
"Portanto, a Justiça portuguesa do pós 25 de Abril, numa espécie de genealogia invisível entre a ditadura e a democracia, querendo preservar e ilibar a figura sacrossanta de Oliveira Salazar, já para não falar do ministro do Interior, Alfredo Santos Júnior, a quem respondia também o director da PIDE, Silva Pais, tinha ali essa verdade inconveniente que envolvia directamente o chefe da brigada, Rosa Casaco, e por conseguinte o superior hierárquico que era o inspector Álvaro Pereira de Carvalho, Barbieri Cardoso, o número dois da PIDE, e Silva Pais, o director da PIDE, até chegarmos a Salazar."
E foi a referência a esta «genealogia invisível entre a ditadura e a democracia» que fez o clic em tudo isto.
As pessoas não nascem com as Revoluções. As pessoas não mudam com as revoluções. Mas há pessoas que mudam segundo as revoluções, agarrando-se de todas as formas ao seu estatuto e mantendo «a pose» segundo os princípios em vigor.
Depois existem sempre os ensinamentos da minha avó - que tanto guiam a minha vida - que dizia que muitas pessoas não aderiam logo entusiasticamente a um novo conjunto de ideias porque elas, muitas vezes, voltavam para trás. De facto, a História mostra-nos revoluções e contra-revoluções e frequentemente o esmagamento rápido de ideais a que muitos tinham aderido. Há gente que nunca é radical "just in case"...e outros que, por debaixo de novas roupas são fiéis aos princípios que os formaram e que fizeram deles as figuras notáveis que eles se consideram.
As genealogias invisíveis entre regimes! Os frequentes entraves a uma rotação mais rápida de uma nova versão do país. As permanências na mutação...os escolhos de qualquer nova alvorada.
Para que haja referências concretas das minhas fontes: a novela é Lado a Lado na SIC, a Palestra aconteceu em Alcobaça há dois anos e o artigo do Público pode ser lido aqui http://www.publico.pt/politica/noticia/delgado-e--incomodo-ainda-hoje-para-muitas-pessoas-1686052?page=-1
Vejo regularmente uma novela brasileira "de época" em que uma Baronesa do Império de D. Pedro II se integra na República conseguindo que o marido se torne Senador. Em casa, entre os amigos e os servos, ela é "Baronesa"; em público ela é a esposa de um Senador da República, sem qualquer afinidade com o proscrito regime anterior.
Esta é uma das mensagens maiores da novela: a sobrevivência a qualquer custo de uma elite que decidiu ser elite seja em que contexto for. E que faz por isso os maiores contorcionismos para se manter no lugar que considera pertencer-lhe por direito.
Ao ouvir uma palestra de um dos netos de Aristides de Sousa Mendes sobre a acção e a reabilitação da imagem do seu avô, quedo-me nas palavras que nos chamam a atenção para uma certa hipocrisia de toda a situação, clamando actualmente que Aristides de Sousa Mendes foi banido da memória nacional pelo regime de Salazar e que foi necessário um apelo vindo do Canadá (dos seus descendentes) para descobrirmos a heróica acção deste português proscrito, quando, nas palavras de seu neto, surge a acusação a toda uma classe diplomática portuguesa. Dizia ele que a diplomacia portuguesa não foi completamente substituída com a Revolução do 25 de Abril de 1974, muitos diplomatas de carreira terão continuado a prestar serviço a Portugal e o seu silêncio era, por isso, injustificável.
Nunca fui investigar sobre isto, mas tomei-o como verdade, até porque uma carreira diplomática não se constrói rapidamente e é natural que a representação de Portugal no estrangeiro beneficiasse da manutenção de um grupo de diplomatas, regendo-se agora - evidentemente - segundo novos princípios e valores.
Leio agora mesmo um excelente artigo no Público sobre Humberto Delgado. Uma entrevista do seu neto e biógrafo, nascido já após a sua morte, mas investigador reconhecido sobre o tema. Ele fala claramente em falsificação de dados e ocultação das conclusões da autópsia feita pelos técnicos forenses espanhóis que não deixavam dúvidas sobre uma morte lenta e dolorosa, transformando-a numa morte rápida, com um tiro, da exclusiva responsabilidade do seu executor que poderia até nem ter quaisquer instruções do Governo. Um acto rápido, talvez impulsivo, de um único homem, sem conhecimento provado do regime. Segundo Frederico Delgado Rosa isto foi feito para proteger a figura mitificada de Salazar, mesmo depois da mudança de regime:
"Portanto, a Justiça portuguesa do pós 25 de Abril, numa espécie de genealogia invisível entre a ditadura e a democracia, querendo preservar e ilibar a figura sacrossanta de Oliveira Salazar, já para não falar do ministro do Interior, Alfredo Santos Júnior, a quem respondia também o director da PIDE, Silva Pais, tinha ali essa verdade inconveniente que envolvia directamente o chefe da brigada, Rosa Casaco, e por conseguinte o superior hierárquico que era o inspector Álvaro Pereira de Carvalho, Barbieri Cardoso, o número dois da PIDE, e Silva Pais, o director da PIDE, até chegarmos a Salazar."
E foi a referência a esta «genealogia invisível entre a ditadura e a democracia» que fez o clic em tudo isto.
As pessoas não nascem com as Revoluções. As pessoas não mudam com as revoluções. Mas há pessoas que mudam segundo as revoluções, agarrando-se de todas as formas ao seu estatuto e mantendo «a pose» segundo os princípios em vigor.
Depois existem sempre os ensinamentos da minha avó - que tanto guiam a minha vida - que dizia que muitas pessoas não aderiam logo entusiasticamente a um novo conjunto de ideias porque elas, muitas vezes, voltavam para trás. De facto, a História mostra-nos revoluções e contra-revoluções e frequentemente o esmagamento rápido de ideais a que muitos tinham aderido. Há gente que nunca é radical "just in case"...e outros que, por debaixo de novas roupas são fiéis aos princípios que os formaram e que fizeram deles as figuras notáveis que eles se consideram.
As genealogias invisíveis entre regimes! Os frequentes entraves a uma rotação mais rápida de uma nova versão do país. As permanências na mutação...os escolhos de qualquer nova alvorada.
Para que haja referências concretas das minhas fontes: a novela é Lado a Lado na SIC, a Palestra aconteceu em Alcobaça há dois anos e o artigo do Público pode ser lido aqui http://www.publico.pt/politica/noticia/delgado-e--incomodo-ainda-hoje-para-muitas-pessoas-1686052?page=-1
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domingo, 15 de fevereiro de 2015
Agora mesmo
uma voz vinda de muito longe no tempo me fez recordar o meu crescimento, a minha chegada à profissão e, anos depois, um casamento.
Quando se está durante anos sem falar com alguém as novidades são muitas. Muitas delas pouco boas: doenças, mortes, abortos, por fim nascimentos e depressões e perdas de empregos e mudanças de casa e o envelhecimento daqueles que nos uniram, que eram as fortalezas das nossas vidas e agora inspiram cuidados...
A inversão dos papéis que muito dói.
O desaparecimento daqueles que constituíam o nosso mundo quando nascemos e o enfraquecimento dos que nos deram forças para crescer, dos que nos indicaram os caminhos.
O ficarmos definitivamente órfãos, o termos de assumir, por fim, as grandes responsabilidades da vida e, lá no fundo do nosso ser, vai crescendo a certeza que a decadência se aproxima, que também nós um dia vamos deixar órfãos os que sempre nos conheceram...pior...que vamos perder as nossas capacidades e inspirar-lhes cuidados, obedecer às suas ordens, sermos cuidados por eles...
A inversão dos papéis!
Até há pouco tempo eu achava que o movimento entre os que se vão e os que chegam compensava tudo isto, mas, talvez também porque me aproximo do fim (como toda a gente) parece-me agora que não há compensação, que as vidas ficam num desamparo só.
Um desamparo final!
Quando se está durante anos sem falar com alguém as novidades são muitas. Muitas delas pouco boas: doenças, mortes, abortos, por fim nascimentos e depressões e perdas de empregos e mudanças de casa e o envelhecimento daqueles que nos uniram, que eram as fortalezas das nossas vidas e agora inspiram cuidados...
A inversão dos papéis que muito dói.
O desaparecimento daqueles que constituíam o nosso mundo quando nascemos e o enfraquecimento dos que nos deram forças para crescer, dos que nos indicaram os caminhos.
O ficarmos definitivamente órfãos, o termos de assumir, por fim, as grandes responsabilidades da vida e, lá no fundo do nosso ser, vai crescendo a certeza que a decadência se aproxima, que também nós um dia vamos deixar órfãos os que sempre nos conheceram...pior...que vamos perder as nossas capacidades e inspirar-lhes cuidados, obedecer às suas ordens, sermos cuidados por eles...
A inversão dos papéis!
Até há pouco tempo eu achava que o movimento entre os que se vão e os que chegam compensava tudo isto, mas, talvez também porque me aproximo do fim (como toda a gente) parece-me agora que não há compensação, que as vidas ficam num desamparo só.
Um desamparo final!
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sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015
Felicidade
é a antecipação de uns dias de sossego
e uma cama feita de lavado para começar a jornada.
e uma cama feita de lavado para começar a jornada.
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
SONATA INTRANQUILA
Esta é música de uma alma intranquila
No salão povoado pela tua ausência
A falta que me fazes
O que me fazes
A falta que me fazes
O que me fazes
E o meu olhar segue a folha
Que dança e contradança
Sem saber até quando
Conseguirá
Adiar o chão
Que dança e contradança
Sem saber até quando
Conseguirá
Adiar o chão
Até os pássaros, indiferentes
Sabem que virá o Verão
Seremos nós tão diferentes
Como o sim e o não?
Sabem que virá o Verão
Seremos nós tão diferentes
Como o sim e o não?
*
©CARLOS CAMPOS (a publicar)
(para legendar a Sonata Nº 1 para violino e guitarra, de Niccolò Paganini)
https://www.youtube.com/watch?v=eN04dfYgTUQ
https://www.youtube.com/watch?v=eN04dfYgTUQ
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domingo, 8 de fevereiro de 2015
Em desacordo
Percebi que Recomeçar é o primeiro livro que leio escrito com o acordo ortográfico. Sem ser os da Escola, claro. E creio que é isso que me está a fazer confusão: para mim o acordo era uma coisa do Estado, uma perrice que eu, como funcionária pública, tenho que respeitar no meu serviço, mas seria algo que a Cultura recusava, que os Autores - os verdadeiros fazedores da Literatura - não iriam usar. Assim, no trabalho eu usaria o novo acordo ortográfico sabendo que na Literatura de Autor - fosse ela um romance ou uma crónica, um livro inteiro ou um comentário - me acolheria a grafia que as minhas professoras e a minha família me ensinaram e corrigiram.
Quando estou a ler Recomeçar parece que, de vez em quando, levo umas bofetadas quando vejo o recepção sem 'p', ou optimismo...É uma intromissão que não estou a aceitar nada bem.
Quando tentei compreender como pôde isto acontecer numa obra tão bem escrita percebi que a autora é espanhola - não lutará, por isso, por uma língua que não é sua, que talvez nem compreenda - para ela é apenas uma tradução, poderia ser em chinês...e que a editora do livro é a Porto, uma das mais interessadas no Acordo e que mais estará ganhando com isso: dicionários, manuais escolares, corretor ortográfico, auxiliares de estudo.
Terei que me habituar, claro. Mas dói; ainda dói.
Quando estou a ler Recomeçar parece que, de vez em quando, levo umas bofetadas quando vejo o recepção sem 'p', ou optimismo...É uma intromissão que não estou a aceitar nada bem.
Quando tentei compreender como pôde isto acontecer numa obra tão bem escrita percebi que a autora é espanhola - não lutará, por isso, por uma língua que não é sua, que talvez nem compreenda - para ela é apenas uma tradução, poderia ser em chinês...e que a editora do livro é a Porto, uma das mais interessadas no Acordo e que mais estará ganhando com isso: dicionários, manuais escolares, corretor ortográfico, auxiliares de estudo.
Terei que me habituar, claro. Mas dói; ainda dói.
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sábado, 7 de fevereiro de 2015
Ensino? Eu ensino; e eles, aprendem?
"- Não vale a pena! Ensinar para quem não quer aprender é um diálogo de surdos!
- Vale...acredita que enquanto uns apenas ouvem, outros ouvem.
- Ah...
- E outros vão ouvir muitos anos depois. Eu acredito nisso. Cada vez mais vezes eu digo: os professores são pessoas de muita fé. Têm de ser. Se são Professores têm de ter Fé."
- Vale...acredita que enquanto uns apenas ouvem, outros ouvem.
- Ah...
- E outros vão ouvir muitos anos depois. Eu acredito nisso. Cada vez mais vezes eu digo: os professores são pessoas de muita fé. Têm de ser. Se são Professores têm de ter Fé."
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quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
Esta noite...está tanto frio...
Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me
também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que
quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,
dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas
MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005), in in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me
também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que
quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,
dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas
MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005), in in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)
terça-feira, 3 de fevereiro de 2015
Metade não, inteira
"As pessoas não
estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não
estamos aqui para satisfazer as delas. Temos que nos bastar, nos bastar sempre,
e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que
estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por
precisar de alguém. As pessoas não se precisam, elas se completam, não por
serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns,
alegrias e vida.”
(Mário Quintana)
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domingo, 1 de fevereiro de 2015
Leituras
Quando tenho mais que fazer é quando me apetece mais ler. Depois fico enrolada em sentimentos de culpa pelo tempo que estou a ler um romance em vez de trabalhar a sério nas tarefas obrigatórias, por dever de ofício ou por compromissos que voluntariamente assumi, mas que depois me espartilham o tempo, as ideias e a paciência. Por outro lado, assim a leitura sabe melhor. É quase excitante as fugas que faço a mim mesma para ler um pouco, quase escondida, culpada, mas saboreando cada palavra.
Mas é sempre assim: quando o trabalho aperta preciso de ler outras letras, outras palavras não marcadas pelo rigor da História, pela mestria da Investigação Científica. Preciso de ler palavras livres, para me recordar da liberdade que perdi e para me dar esperança na sua recuperação no final de cada uma das tarefas que agora me limitam o tempo.
E assim foi com o romance anterior. Esse, comprado em desespero de causa, fruto da privação de palavras livres autoimposta no final das férias. É sempre assim. Despeço-me da "leitura recreativa" no final de Agosto ou início de Setembro, prometendo a mim mesma só a retomar em tempos mais livres e, durante todo o 1º período letivo, dedico o tempo livre à televisão: escolho uma ou duas novelas e uma ou duas séries. Mas...depois...a privação da palavra escrita livre começa a gritar dentro de mim e acabo, por alturas do Natal, por me dirigir à livraria aqui próxima e comprar um "romance de limpeza": qualquer coisa light, como Nora Roberts ou Sveva qualquer coisa, daquelas campeãs de venda de romances cor de rosa, valor seguro de palavras simples, tramas previsíveis e finais 100% felizes e apaziguadores. E pronto. Aquilo funciona como a antiga "cassete de limpeza" dos gravadores. É necessário ao correto funcionamento do mecanismo, mas não lhe acrescenta nada. Equilibra, vá.
O ritmo das palavras que vão desenrolando uma história que me acalma, por saber a chegada segura, devolvem-me a calma de ler e apuram-me o sentido, a necessidade de palavras mais densas, de tramas um pouco mais inquietantes, de reflexões um pouco mais elaboradas que "o amor é que nos salva" ou qualquer coisa assim.
Dirijo-me então a uma grande livraria. Reservo várias horas para essa tarefa. Deambulo por entre as estantes e os géneros literários, abro livros, leio pedaços, avalio palavras, ritmos e tons, e tipos de letra também, que há aqueles livros que nos afastam pelo aspeto: da capa, da letra, do tamanho, do espaçamento entre as letras, de ausência de margens nas páginas...
Desta vez comecei por procurar Daniel Silva, um autor que já li e gostei, mas queria um romance que se afastasse do seu heroi de muitos livros: o restaurador de arte Gabriel Allon, Dos policiais, muitos retomam o tema do Código Da Vinci e confesso que já li a minha parte disso...
De repente uma autora espanhola, bem encadernada, com um tamanho razoável e um tipo de letra agradável chama-me a atenção: Maria Dueñas, com a referência de que fora a autora do best-seller "O Tempo entre Costuras". Dedica-me à sinopse e descubro uma personagem feminina, professora universitária, investigadora da área da Linguística, que por motivos pessoais procura estabelecer-se muito, muito longe de Espanha e acaba na Califórnia a debater-se com problemas pessoais e com uma investigação que nada lhe interessa. A princípio...
Trouxe-a para casa, recordando a força da sua outra personagem feminina que vi em filme. E estou muito satisfeita com ela. Desvia-me frequentemente das minhas obrigações e faz-me pensar nela, no tempo dela, nos sentimentos de toda a gente que em dois tempos e continentes diferentes desfila naquelas páginas. Parece mesmo o tipo de romance que eu queria ter. Ou ler. Que é a mesma coisa, quando a leitura nos apaixona.
E hoje, entre uma turma de testes e a reescrita de um capítulo de uma obra de História, leio assim:
"(...) No princípio da contenda, todas as faculdades e centros da nova Cidade Universitária estavam já numa fase bastante avançada de construção, quando não concluídos e em pleno funcionamento. Pouco haveria de durar, no entanto, o cheiro a tinta fresca, o brilho dos vidros e as carteiras de madeira recém-envernizadas. A guerra sangrenta reduziria a escombros uma universidade que avançava airosa a caminho da excelência. Esmagaria grande parte do seu património científico, artístico e bibliográfico e empurraria para o abismo do exílio numerosos membros do corpo docente. Ao cair Madrid, aquele ambicioso sonho monárquico de um campus de esplendor americano ficara brutalmente arrasado e os edifícios reduzidos a horrendos esqueletos. Das quarente mil árvores que se plantaram, apenas ficaram as raízes. O local das salas de aula foi ocupado pelas trincheiras; o dos dois laboratórios pelos parapeitos. Com as enciclopédias e os dicionários fizeram-se barricadas, e os sacos de terra, as espingardas e os cadáveres espalharam-se, sinistros, pelos anfiteatros e bibliotecas.
Os mortos na Cidade Universitária foram milhares. Entre eles esteve Marcelino, de barriga para baixo sobre aquele solo destinado a fazer florescer a ciência, o saber e a esperança e não o horror e a morte. (...)" Dueñas, María, Recomeçar, pp. 53-54.
Recordo uma frase que vi no Facebook: "Na guerra não há vencedores nem vencidos. A guerra é a derrota da inteligência humana." E tremo só de pensar no horror que deve ser uma guerra civil. Uma guerra contra um inimigo que conhecemos, amamos ou amámos, com quem convivemos, com quem comungamos tanta coisa. Um inimigo que não é algo exterior, mas uma parte de nós...
Não sei como vai evoluir o livro, mas já me ganhou e isso nota-se pela forma como as páginas já estão abertas, vividas sofregamente.O outro livro, lido sem amor, impecável, será entregue na próxima semana à biblioteca municipal para que outros o possam apreciar mais que eu. E, que injustiça, nem o citei: chama-se Um Anjo da Guarda e é de um autor da moda - James Patterson. Que descanse em paz, entre os outros volumes, porque a mim também me deixou em paz e me deu a vontade de ser desinquietada por outra história, algo que me faça pensar, escrever, rir e chorar.
E Recomeçar promete!
Mas é sempre assim: quando o trabalho aperta preciso de ler outras letras, outras palavras não marcadas pelo rigor da História, pela mestria da Investigação Científica. Preciso de ler palavras livres, para me recordar da liberdade que perdi e para me dar esperança na sua recuperação no final de cada uma das tarefas que agora me limitam o tempo.
E assim foi com o romance anterior. Esse, comprado em desespero de causa, fruto da privação de palavras livres autoimposta no final das férias. É sempre assim. Despeço-me da "leitura recreativa" no final de Agosto ou início de Setembro, prometendo a mim mesma só a retomar em tempos mais livres e, durante todo o 1º período letivo, dedico o tempo livre à televisão: escolho uma ou duas novelas e uma ou duas séries. Mas...depois...a privação da palavra escrita livre começa a gritar dentro de mim e acabo, por alturas do Natal, por me dirigir à livraria aqui próxima e comprar um "romance de limpeza": qualquer coisa light, como Nora Roberts ou Sveva qualquer coisa, daquelas campeãs de venda de romances cor de rosa, valor seguro de palavras simples, tramas previsíveis e finais 100% felizes e apaziguadores. E pronto. Aquilo funciona como a antiga "cassete de limpeza" dos gravadores. É necessário ao correto funcionamento do mecanismo, mas não lhe acrescenta nada. Equilibra, vá.
O ritmo das palavras que vão desenrolando uma história que me acalma, por saber a chegada segura, devolvem-me a calma de ler e apuram-me o sentido, a necessidade de palavras mais densas, de tramas um pouco mais inquietantes, de reflexões um pouco mais elaboradas que "o amor é que nos salva" ou qualquer coisa assim.
Dirijo-me então a uma grande livraria. Reservo várias horas para essa tarefa. Deambulo por entre as estantes e os géneros literários, abro livros, leio pedaços, avalio palavras, ritmos e tons, e tipos de letra também, que há aqueles livros que nos afastam pelo aspeto: da capa, da letra, do tamanho, do espaçamento entre as letras, de ausência de margens nas páginas...
Desta vez comecei por procurar Daniel Silva, um autor que já li e gostei, mas queria um romance que se afastasse do seu heroi de muitos livros: o restaurador de arte Gabriel Allon, Dos policiais, muitos retomam o tema do Código Da Vinci e confesso que já li a minha parte disso...
De repente uma autora espanhola, bem encadernada, com um tamanho razoável e um tipo de letra agradável chama-me a atenção: Maria Dueñas, com a referência de que fora a autora do best-seller "O Tempo entre Costuras". Dedica-me à sinopse e descubro uma personagem feminina, professora universitária, investigadora da área da Linguística, que por motivos pessoais procura estabelecer-se muito, muito longe de Espanha e acaba na Califórnia a debater-se com problemas pessoais e com uma investigação que nada lhe interessa. A princípio...
Trouxe-a para casa, recordando a força da sua outra personagem feminina que vi em filme. E estou muito satisfeita com ela. Desvia-me frequentemente das minhas obrigações e faz-me pensar nela, no tempo dela, nos sentimentos de toda a gente que em dois tempos e continentes diferentes desfila naquelas páginas. Parece mesmo o tipo de romance que eu queria ter. Ou ler. Que é a mesma coisa, quando a leitura nos apaixona.
E hoje, entre uma turma de testes e a reescrita de um capítulo de uma obra de História, leio assim:
"(...) No princípio da contenda, todas as faculdades e centros da nova Cidade Universitária estavam já numa fase bastante avançada de construção, quando não concluídos e em pleno funcionamento. Pouco haveria de durar, no entanto, o cheiro a tinta fresca, o brilho dos vidros e as carteiras de madeira recém-envernizadas. A guerra sangrenta reduziria a escombros uma universidade que avançava airosa a caminho da excelência. Esmagaria grande parte do seu património científico, artístico e bibliográfico e empurraria para o abismo do exílio numerosos membros do corpo docente. Ao cair Madrid, aquele ambicioso sonho monárquico de um campus de esplendor americano ficara brutalmente arrasado e os edifícios reduzidos a horrendos esqueletos. Das quarente mil árvores que se plantaram, apenas ficaram as raízes. O local das salas de aula foi ocupado pelas trincheiras; o dos dois laboratórios pelos parapeitos. Com as enciclopédias e os dicionários fizeram-se barricadas, e os sacos de terra, as espingardas e os cadáveres espalharam-se, sinistros, pelos anfiteatros e bibliotecas.
Os mortos na Cidade Universitária foram milhares. Entre eles esteve Marcelino, de barriga para baixo sobre aquele solo destinado a fazer florescer a ciência, o saber e a esperança e não o horror e a morte. (...)" Dueñas, María, Recomeçar, pp. 53-54.
Recordo uma frase que vi no Facebook: "Na guerra não há vencedores nem vencidos. A guerra é a derrota da inteligência humana." E tremo só de pensar no horror que deve ser uma guerra civil. Uma guerra contra um inimigo que conhecemos, amamos ou amámos, com quem convivemos, com quem comungamos tanta coisa. Um inimigo que não é algo exterior, mas uma parte de nós...
Não sei como vai evoluir o livro, mas já me ganhou e isso nota-se pela forma como as páginas já estão abertas, vividas sofregamente.O outro livro, lido sem amor, impecável, será entregue na próxima semana à biblioteca municipal para que outros o possam apreciar mais que eu. E, que injustiça, nem o citei: chama-se Um Anjo da Guarda e é de um autor da moda - James Patterson. Que descanse em paz, entre os outros volumes, porque a mim também me deixou em paz e me deu a vontade de ser desinquietada por outra história, algo que me faça pensar, escrever, rir e chorar.
E Recomeçar promete!
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sábado, 31 de janeiro de 2015
"- Professora: estamos a ler Mia Couto. E não é uma mulher!"
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sexta-feira, 30 de janeiro de 2015
A Turma
A gente foi criado no ermo igual ser pedra.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens.
Bernardo conversava pedrinhas com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
infantis gerava mais poesia do que obedecer as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços
beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.
Nossa voz tinha nível de fonte.
A gente passeava nas origens.
Bernardo conversava pedrinhas com as rãs de tarde.
Sebastião fez um martelo de pregar água na parede.
A gente não sabia botar comportamento
nas palavras.
Para nós obedecer a desordem das falas
infantis gerava mais poesia do que obedecer as regras gramaticais.
Bernardo fez um ferro de engomar gelo.
Eu gostava das águas indormidas.
A gente queria encontrar a raiz das palavras.
Vimos um afeto de aves no olhar de Bernardo.
Logo vimos um sapo com olhar de árvore!
Ele queria mudar a Natureza?
Vimos depois um lagarto de olhos garços
beijar as pernas da Manhã!
Ele queria mudar a Natureza?
Mas o que nós queríamos é que a nossa
palavra poemasse.
Manoel de Barros (1916-2014)
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
A Lista Vermelha das palavras em vias de extinção
Preocupa-me o desaparecimento de certas palavras. A palavra “labrosta”, por
exemplo, vocábulo tão salutar com que a minha mãe chegou a brindar as minhas
maneiras à mesa (“És um labrosta!”), sinónimo de pessoa “labrega”, “grosseira”,
“rústica”, “campónia” ou “camponesa”, e que raramente se ouve.
Proponho que se soltem palavras desusadas por aí, como quem solta animais
de cativeiro na natureza, para ver se pegam. Porque é que em vez de uma “sopa
camponesa” não podemos ter um “creme de labrosta”? Até soa a coisa de
prestígio.
Há palavras que se encontram numa situação crítica. Algumas só sobrevivem
graças a provérbios ou expressões idiomáticas, que funcionam como última
reserva, santuário, onde essas palavras ainda encontram espaço para respirar.
Palavras como “albardar” ou “bugalho” estão confinadas a ditados populares como
“Albarda-se o burro à vontade do dono” ou “Confundir alhos com bugalhos”. Há
que reavivar estas palavras. Nem que seja nos contextos mais improváveis. Se um
dos significados de “bugalho” é “conta grande do rosário”, o senhor padre que
diga a meio do terço: “Irmãos, vamos agora rezar o bugalho.”
Felizmente que ainda ninguém se lembrou de actualizar os provérbios, porque
senão seria uma desgraça. Lá se ia um magote de palavras. Além disso, era
ridículo. O que é que íamos dizer, “Atafulha-se o porta-bagagens à vontade do
dono”? Era uma hecatombe. Não só para as palavras e para os provérbios, como
para todo um imaginário antigo, muitas vezes rural, que assim seria varrido da
nossa memória. É urgente incentivar a utilização de provérbios e nunca pensar
em actualizá-los para coisa palermas como: “Os cães ladram e a autocaravana
passa”, “Em casa de informático, Windows XP” (do original “Em casa de ferreiro,
espeto de pau”) ou “Ainda a fila vai no Viaduto Duarte Pacheco”, com a
respectiva versão para o Norte, “Ainda a fila vai no Nó de Francos” (do
original “Ainda a procissão vai no adro”).
Talvez devêssemos publicar a Lista Vermelha das Palavras, tal como a UICN
(União Internacional para a Conservação da Natureza) faz com as espécies de
animais, plantas e fungos. Classifiquem-se as palavras por ordem decrescente de
ameaça de extinção, como “Em Perigo Crítico”, “Em Perigo” ou “Em Cadilhos”, no
caso das mais periclitantes. Refira-se, a título de curiosidade, que a antiga
designação da categoria “Em Cadilhos” era “Vulnerável”. Mas alterou-se por uma
questão de rigor científico, como é, aliás, fácil de comprovar pela frase exemplificativa:
“É fundamental proteger o tigre-de-sumatra, por ser uma espécie em perigo
crítico, mas também é preciso atenção ao tubarão-branco, que está em cadilhos.”
Assim, com base numa análise empírica rigorosa, que respeita os critérios
que me deram na real gana, eis alguns exemplos de palavras ameaçadas das várias
categorias:
Em Perigo Crítico – Labrosta, alvíssaras,
tropa-fandanga
Em Perigo – Calhordas, bambúrrio, abrenúncio, escanifobético
Em Cadilhos – Serigaita, sorrelfa, estroina, pilantra
Em Perigo – Calhordas, bambúrrio, abrenúncio, escanifobético
Em Cadilhos – Serigaita, sorrelfa, estroina, pilantra
Também pude atestar a raridade de alguns termos pelo corrector ortográfico
do processador de texto, que não identifica palavras como “tropa-fandanga”.
Sugere-me “contrapropaganda” em troca, porque deve gostar da sonoridade, acha
que é parecido. “Ai eles fizeram propaganda? Então nós vamos fazer
tropa-fandanga!”
Para que se perceba a gravidade da situação de algumas palavras, termino
com uma citação de um artigo, originalmente sobre biodiversidade, com uma
ligeira modificação da minha parte:
«Recentes estudos revelam surpreendentes taxas de declínio ou quase
extinção de insultos como “calhordas”, “labrosta” ou “safardana” e confirmam a
importância deste tipo de injúrias para as populações. Além disso, e de forma
mais ampla, estes estudos demonstram que, se não formos capazes de acabar ou
reverter o ritmo da perda de “calhordas”, por exemplo, isso poderá ter
consequências dramáticas para os ecossistemas linguísticos ou, pior ainda,
poderá significar a opção por insultos desprovidos de interesse.»
Gonçalo Puga, 27.01.2015
Gonçalo Puga, 27.01.2015
quarta-feira, 28 de janeiro de 2015
Poder-se-ia dizer os mesmo da Escola...
POEMA XLII
*JOAQUIM PESSOA*
A cidade é um mar de mágoa,
toda a gente traz agarrada ao rosto e aos gestos
uma tristeza grande, uma espécie de
certificado dos tempos que correm, como que
a dizer "eu vivo agora e aqui, eu sou de cá,
por favor não me confundam."
A cidade é um pasmo, um marasmo, um sarcasmo,
presente em cada ato. Já ninguém acredita
naquela cidade que nos envolvia e com a qual nos
envolvíamos, esperando alguma coisa, um raiozinho
de sol, uma nesga de felicidade nem que fosse
por uma hora, nem que fosse uma
ilusão apenas.
Agora já ninguém se ilude.
A cidade já não tem essa magia, esse fulgor
que nos fazia levantar um pouco os pés do chão,
que nos empurrava para conviver nas praças e nos cafés
com uma alegria silenciosa e reconfortante que explodia
nas conversas, nas disputas e nos pontos de vista.
Num tempo de aquecimento global a cidade esfria,
esfria-nos, não nos incendeia, não nos enlouquece,
não nos dispensa sequer atenção e muito menos
nos empresta aquelas imprecisas asas que nos ajudavam
a esquadrilhar avenidas porque não cabiam abertas
nas travessas e nos becos, essas asas das quais
nada já resta senão uma dor nas costas.
Alguns jardins restam, mas que resta dos jardins onde
um suave e rasteiro entusiasmo cacarejava, onde as
flores mais belas eram livros e beijos, e beijos e livros
enchiam de sabedoria aqueles que da ternura
faziam bancos de jardim?
Que é da música misteriosa que abraçava a cidade,
que é dos músicos que esticavam tanto o sonho
que com ele faziam cordas para os instrumentos,
que é das palavras que vestiam e despiam a cidade e nos
despiam e vestiam quando a cidade amachucava a noite?
Que é feito do mar atrás da porta, que é feito do cheiro
das laranjas, e por que é que as estátuas de solidão que
só havia nos molhes estão agora distribuídas pelos
passeios, pelas esquinas, colocadas no metro,
nos autocarros, nos escritórios, nos hotéis,
nos armazéns?
A minha cidade morreu. A tua cidade morreu.
Mataram a cidade. Matámos a cidade. Aquela luz
que a cobria de oiro, que a inundava de cor e de glória,
é agora uma verdade pegajosa que nos sacode e violenta,
uma pedra arrefecida que nos vai transformando
o coração numa casa vazia, uma ampla casa vazia
sem tranquilidade, sem juventude e sem amor.
A cidade, esta cidade, é dos pássaros, dos pombos e dos
cães. E daqueles que discursam e em nada acreditam,
daqueles que nos fazem crer ter as mãos cheias de
estrelas, mas que não passam de níqueis cintilantes
cujo valor facial é o da traição.
A cidade agora habita em nós.
Como um problema a resolver. Como
uma obrigação de nos darmos à realidade destruída,
confuso costume de aldrabar a bondade,
de remediar os estragos da indiferença, de escolher
o melhor de todos os olhares para tentar o que já
não é possível. A cidade cerca-nos de recordações,
é a capital imperturbável de uma existência que tivemos
cheia de sonhos e metáforas. Já não há na cidade
tabacarias nem floristas porque fumar obrigatoriamente
mata e as flores são um fracasso ligado à coragem
que um dia tivemos.
A cidade recorre agora a nós,
a este bando de espectadores impotentes,
de hóspedes malcriados que esperam ainda recompensa
pela inconsciência e pela deserção. E é possível
que ao chamamento em vão respondamos todos com
a aparência, a falsidade e a promiscuidade do costume,
ensaiada noutras conversas, noutras práticas,
noutros gabinetes estrategicamente fora da cidade,
fora da realidade, fora dessa causa que continua
a mesma, a das ideias, a da beleza e a da vontade,
e o que resta da luz e da magia continue a definhar,
onde o amor anda de joelhos à procura de qualquer coisa
que não sabe o que é nem vai nunca encontrar
e que já poucos de nós se lembram
do que pode ser.
in O POUCO É PARA ONTEM
*JOAQUIM PESSOA*
A cidade é um mar de mágoa,
toda a gente traz agarrada ao rosto e aos gestos
uma tristeza grande, uma espécie de
certificado dos tempos que correm, como que
a dizer "eu vivo agora e aqui, eu sou de cá,
por favor não me confundam."
A cidade é um pasmo, um marasmo, um sarcasmo,
presente em cada ato. Já ninguém acredita
naquela cidade que nos envolvia e com a qual nos
envolvíamos, esperando alguma coisa, um raiozinho
de sol, uma nesga de felicidade nem que fosse
por uma hora, nem que fosse uma
ilusão apenas.
Agora já ninguém se ilude.
A cidade já não tem essa magia, esse fulgor
que nos fazia levantar um pouco os pés do chão,
que nos empurrava para conviver nas praças e nos cafés
com uma alegria silenciosa e reconfortante que explodia
nas conversas, nas disputas e nos pontos de vista.
Num tempo de aquecimento global a cidade esfria,
esfria-nos, não nos incendeia, não nos enlouquece,
não nos dispensa sequer atenção e muito menos
nos empresta aquelas imprecisas asas que nos ajudavam
a esquadrilhar avenidas porque não cabiam abertas
nas travessas e nos becos, essas asas das quais
nada já resta senão uma dor nas costas.
Alguns jardins restam, mas que resta dos jardins onde
um suave e rasteiro entusiasmo cacarejava, onde as
flores mais belas eram livros e beijos, e beijos e livros
enchiam de sabedoria aqueles que da ternura
faziam bancos de jardim?
Que é da música misteriosa que abraçava a cidade,
que é dos músicos que esticavam tanto o sonho
que com ele faziam cordas para os instrumentos,
que é das palavras que vestiam e despiam a cidade e nos
despiam e vestiam quando a cidade amachucava a noite?
Que é feito do mar atrás da porta, que é feito do cheiro
das laranjas, e por que é que as estátuas de solidão que
só havia nos molhes estão agora distribuídas pelos
passeios, pelas esquinas, colocadas no metro,
nos autocarros, nos escritórios, nos hotéis,
nos armazéns?
A minha cidade morreu. A tua cidade morreu.
Mataram a cidade. Matámos a cidade. Aquela luz
que a cobria de oiro, que a inundava de cor e de glória,
é agora uma verdade pegajosa que nos sacode e violenta,
uma pedra arrefecida que nos vai transformando
o coração numa casa vazia, uma ampla casa vazia
sem tranquilidade, sem juventude e sem amor.
A cidade, esta cidade, é dos pássaros, dos pombos e dos
cães. E daqueles que discursam e em nada acreditam,
daqueles que nos fazem crer ter as mãos cheias de
estrelas, mas que não passam de níqueis cintilantes
cujo valor facial é o da traição.
A cidade agora habita em nós.
Como um problema a resolver. Como
uma obrigação de nos darmos à realidade destruída,
confuso costume de aldrabar a bondade,
de remediar os estragos da indiferença, de escolher
o melhor de todos os olhares para tentar o que já
não é possível. A cidade cerca-nos de recordações,
é a capital imperturbável de uma existência que tivemos
cheia de sonhos e metáforas. Já não há na cidade
tabacarias nem floristas porque fumar obrigatoriamente
mata e as flores são um fracasso ligado à coragem
que um dia tivemos.
A cidade recorre agora a nós,
a este bando de espectadores impotentes,
de hóspedes malcriados que esperam ainda recompensa
pela inconsciência e pela deserção. E é possível
que ao chamamento em vão respondamos todos com
a aparência, a falsidade e a promiscuidade do costume,
ensaiada noutras conversas, noutras práticas,
noutros gabinetes estrategicamente fora da cidade,
fora da realidade, fora dessa causa que continua
a mesma, a das ideias, a da beleza e a da vontade,
e o que resta da luz e da magia continue a definhar,
onde o amor anda de joelhos à procura de qualquer coisa
que não sabe o que é nem vai nunca encontrar
e que já poucos de nós se lembram
do que pode ser.
in O POUCO É PARA ONTEM
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terça-feira, 27 de janeiro de 2015
No filme, a médica legista falava com a morta que deveria dissecar daí a pouco, como se ela, na realidade, a pudesse ouvir.
Que disparate, pensei.
Depois, refletindo um pouco melhor, percebi que eu fiz o mesmo durante a tarde com colegas na sala de professores, que revelaram o mesmo grau de compreensão da morta do filme.
Que disparate, pensei.
Depois, refletindo um pouco melhor, percebi que eu fiz o mesmo durante a tarde com colegas na sala de professores, que revelaram o mesmo grau de compreensão da morta do filme.
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domingo, 25 de janeiro de 2015
Fábula da Fábula
Era uma vez
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E realmente…
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.
Uma fábula famosa,
Alimentícia
E moralizadora,
Que, em verso e prosa,
Toda gente
Inteligente,
Prudente
E sabedora
Repetia
Aos filhos,
Aos netos
E aos bisnetos.
À base duns insectos,
De que não vale a pena fixar o nome,
A fábula garantia
Que quem cantava
Morria
De fome.
E realmente…
Simplesmente,
Enquanto a fábula contava,
Um demónio secreto segredava
Ao ouvido secreto
De cada criatura
Que quem não cantava
Morria de fartura.
Miguel Torga (1907-1995)
quinta-feira, 22 de janeiro de 2015
[AGORA QUE SINTO AMOR]
Agora
que sinto amor
Tenho interesse no que cheira.
Nunca antes me interessou que uma flor tivesse
cheiro.
Agora sinto o perfume das flores como se visse
uma coisa nova.
Sei bem que elas cheiravam, como sei que
existia.
São coisas que se sabem por fora.
Mas agora sei com a respiração da parte de
trás da cabeça.
Hoje as flores sabem-me bem num paladar que se
cheira.
Hoje às vezes acordo e cheiro antes de ver.
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terça-feira, 20 de janeiro de 2015
69
"a história é infinita. podemos interceptá-la em qualquer
ponto. era uma vez uma cidade onde os habitantes sabiam tanto do sofrimento
humano que quando acordavam deitavam-se logo."
Ana Hatherly in 63 Tisanas
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domingo, 18 de janeiro de 2015
Neste dia, em 1984, Portugal e o Mundo perderam o Poeta José Carlos Ary dos Santos
ORIGINAL É O POETA
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutro pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse um abismo
e faz um filho ás palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever um sismo.
Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte faz
devorar um jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.
Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce á rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.
Original é o poeta
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
que chegar ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.
Esse que despe a poesia
como se fosse uma mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.
Ary dos Santos
Guardemos as suas palavras e a memória da força com que as dizia.
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Partículas de Felicidade,
Tradições
sábado, 17 de janeiro de 2015
Paroles, Paroles
C'est étrange
Je ne sais pas ce qui m'arrive ce soir
Je te regarde comme pour la première fois
Encore des mots toujours des mots
Les mêmes mots
Je ne sais plus comme te dire
Rien que des mots
Mais tu es cette belle histoire d'amour
Que je ne cesserai jamais de lire
Des mots faciles des mots fragiles
C'était trop beau
Tu es d'hier et de demain
Bien trop beau
De toujours ma seule vérité
Mais c'est fini le temps des rêves
Les souvenirs se fanent aussi
Quand on les oublie
Tu es comme le vent qui fait chanter les violons
Et emporte au loin le parfum des roses
Caramels, bonbons et chocolats
Par moments, je ne te comprends pas
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les offrir à une autre
Qui aime le vent et le parfum des roses
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
Se posent sur ma bouche mais jamais sur mon coeur
Une parole encore
Paroles, paroles, paroles
Écoute-moi
Paroles, paroles, paroles
Je t'en prie
Paroles, paroles, paroles
Je te jure
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Voilà mon destin te parler
Te parler comme la première fois
Encore des mots toujours des mots
Les mêmes mots
Comme j'aimerais que tu me comprennes
Rien que des mots
Que tu m'écoutes au moins une fois
Des mots magiques des mots tactiques
Qui sonnent faux
Tu es mon rêve défendu
Oui, tellement faux
Mon seul tourment et mon unique espérance
Rien ne t'arrête quand tu commences
Si tu savais comme j'ai envie
D'un peu de silence
Tu es pour moi la seule musique
Qui fit danser les étoiles sur les dunes
Caramels, bonbons et chocolats
Si tu n'existais pas déjà je t'inventerais
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les ouvrir à une autre
Qui aime les étoiles sur les dunes
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
Se posent sur ma bouche mais jamais sur mon coeur
Encore un mot juste une parole
Paroles, paroles, paroles
Écoute-moi
Paroles, paroles, paroles
Je t'en prie
Paroles, paroles, paroles
Je te jure
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu est belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Alain Delon & Dalida
Je ne sais pas ce qui m'arrive ce soir
Je te regarde comme pour la première fois
Encore des mots toujours des mots
Les mêmes mots
Je ne sais plus comme te dire
Rien que des mots
Mais tu es cette belle histoire d'amour
Que je ne cesserai jamais de lire
Des mots faciles des mots fragiles
C'était trop beau
Tu es d'hier et de demain
Bien trop beau
De toujours ma seule vérité
Mais c'est fini le temps des rêves
Les souvenirs se fanent aussi
Quand on les oublie
Tu es comme le vent qui fait chanter les violons
Et emporte au loin le parfum des roses
Caramels, bonbons et chocolats
Par moments, je ne te comprends pas
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les offrir à une autre
Qui aime le vent et le parfum des roses
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
Se posent sur ma bouche mais jamais sur mon coeur
Une parole encore
Paroles, paroles, paroles
Écoute-moi
Paroles, paroles, paroles
Je t'en prie
Paroles, paroles, paroles
Je te jure
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Voilà mon destin te parler
Te parler comme la première fois
Encore des mots toujours des mots
Les mêmes mots
Comme j'aimerais que tu me comprennes
Rien que des mots
Que tu m'écoutes au moins une fois
Des mots magiques des mots tactiques
Qui sonnent faux
Tu es mon rêve défendu
Oui, tellement faux
Mon seul tourment et mon unique espérance
Rien ne t'arrête quand tu commences
Si tu savais comme j'ai envie
D'un peu de silence
Tu es pour moi la seule musique
Qui fit danser les étoiles sur les dunes
Caramels, bonbons et chocolats
Si tu n'existais pas déjà je t'inventerais
Merci, pas pour moi
Mais tu peux bien les ouvrir à une autre
Qui aime les étoiles sur les dunes
Moi, les mots tendres enrobés de douceur
Se posent sur ma bouche mais jamais sur mon coeur
Encore un mot juste une parole
Paroles, paroles, paroles
Écoute-moi
Paroles, paroles, paroles
Je t'en prie
Paroles, paroles, paroles
Je te jure
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu est belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles
Que tu es belle
Paroles, paroles, paroles, paroles, paroles
Encore des paroles que tu sèmes au vent
Alain Delon & Dalida
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