quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Os meus livros

No meio das arrumações surge o excesso de livros, mas...ainda ontem comprei mais dois. Não lhes resisto! São a minha fraqueza...Que hei-de fazer?
Vou deitando fora muitas fotocópias, resumos disto e daquilo, fichas que enformaram trabalhos, mas os livros...não posso deitar fora os livros! Não posso!
Revisitei ontem a Marie Kondo. Conselho da japonesa: deite tudo fora, até este livro que está a ler quando o terminar.
Mas não posso. Nem o dela nem o de ninguém. Talvez o dela possa deitar fora, uma vez que ela o escreveu para ler e deitar fora, mas, mesmo assim...não sei se consigo.
Dadas estas limitações os livros vão ficando de lado, forrando uma das prateleiras do sótão antigo e, cá na casa actual, forram uma parede inteira com uma estante feita para o efeito. Que ainda tem espaço para receber aqueles outros e também já estive a ver a possibilidade de crivar as paredes da garagem de prateleiras e armários para poder guardar o que tenho e o que continuarei a comprar.
Para algumas pessoas isto seria demais, mas os meus livros dão-me segurança. Em quê? Não sei. Muitos dos que aqui estão não os li, outros li parcialmente, outros li e não volto a ler...(mas, quando tenho essa certeza e não me trouxeram nada de importante, dou-os na biblioteca ou troco-os no alfarrabista), outros são de consulta, outros são para ver as imagens, outros para recordar lugares onde fui, outros para não me esquecer de lugares onde quero ir...São livros! O Amor não se explica.
Tendo-me debatido com estas questões desde que iniciei esta jornada de limpezas tive agora uma grande alegria. Recebi uma mensagem de uma amiga a pedir um livro que necessita para um trabalho em que está muito empenhada. A seguir falámos ao telefone para eu perceber melhor que tipo de livros ela está a precisar e, depois de uma varridela na estante cá de casa, arranjei todos os livros que ela precisava e mais dois que lhe sugiro por me parecerem afins do que está a necessitar. E fiquei tão contente! Todos aqueles livros ganharam outra dimensão: a da utilidade para outros!
Neste ano lectivo em que a minha disponibilidade para os outros tem sido uma das minhas fontes de alegria, esta visita proveitosa à estante reconciliou-me com os meus amores, as minhas obsessões e os meus fantasmas. Se a Marie Kondo é fanática por deitar fora eu sou fanática por guardar o que me traz boas lembranças e me torna uma pessoa útil.E me faz feliz! Assim, tão só!
Estou muito grata pela situação de hoje!

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

As relações em espelho

Andar em grandes limpezas e arrumações faz com que o nosso (pelo menos o meu) cérebro faça reflexões profundas.
Vou pensando cada vez mais que a japonesa das arrumações tem razão: ao arrumar a nossa casa arrumamos muito mais que a casa, tralha, questões materiais, arrumamos mesmo a nossa vida. Nunca pensei que o pequeníssimo livro dela tivesse tanto efeito em mim: se começar à procura de um gatilho em todas as minhas transformações recentes, sou capaz de chegar até à leitura do livro dela, que não sei se foi anterior ou não ao retiro de meditação, mas foi certamente anterior ao meu início do taichi. De forma que esta minha procura de o que é que começou a minha mudança se vai revelando uma viagem «pescadinha de rabo na boca», porque não consigo determinar o que é que a começou, mas se calhar foi um processo interno, uma maturação, um ponto de chegada que determinou em por-me à procura e encontrar o livro, o retiro, o curso, o grupo...o afastamento do trabalho e este tempo de pensar.
O parágrafo anterior foi um desvio àquilo que vinha dizer...
Entre as muitas coisas que vou encontrando no sótão e que me fazem recordar coisas, encontrei um divórcio completo. Não meu. O de uma amiga minha, que teve como resultados materiais para aduzir ao sótão um conjunto de revistas de História que o marido tinha na casa de que tinham de se livrar e várias prendas dela para mim numa época em que ficámos muito próximas, por eu ter servido um pouco de ponto de apoio.
Entre as prendas que recuperei agora está um lindo expositor (não sei como se chama àquilo) para bolos (um prato e uma campânula) em vidro. Estava ainda dentro da caixa original de uma marca cara, muito conhecida e reconhecida pela qualidade. Lembro-me de ter pensado o que iria fazer com aquilo. Fiquei muito perplexa porque, sobretudo naquela época, aquela prenda nada tinha a ver comigo: não cozinhava e quase não recebia visitas; para que precisaria eu de uma coisa tipo «família e amigos: grande recepção cá em casa»?
Ontem retirei-a da caixa, lavei-a, sequei-a e dei-lhe um novo lar num armário que libertei para as louças que virão do sótão da minha outra vida. Voltei a pensar na razão de ser daquela prenda. Depois contemplei o serviço de chá que tenho na cozinha que ela me ofereceu, porque era imprescindível para o pequeno almoço...meu, que uso uma caneca para o leite.
Mas depois pensei que, naquela época, eu também lhe ofereci prendas que tinham a ver com a minha maneira de ser e de pensar e não com a dela: lembro-me particularmente de um tachinho de grés, pequenino, para fazer ou aquecer no forno uma ou duas doses de comida, não dava para mais. E lembro-me da perplexidade dela, habituada a objectos e utensílios para a sua vasta família e amigos.
E depois comecei a pensar que, frequentemente, nós não pensamos nos outros na sua individualidade e tentamos molda-los à nossa imagem e semelhança.
Para mim o divórcio dela era a oportunidade de ela viver aquilo que eu considero a verdadeira felicidade: estar sozinha, calma e em paz, não ter que se preocupar com nada nem ninguém da porta para dentro; tornar o lar o nosso castelo, (forte, refúgio, resort, bunker), o que for preciso para atingir o nirvana do isolamento; ela acalentava a esperança de que eu, com a minha independência e a minha casa, descobrisse a verdadeira felicidade: constituir uma família com marido e filhos (ou enteados, que naquela altura talvez já fosse tarde para ter meus, ou pelo menos tarde para ter vários) e necessitasse de toda a aparelhagem correspondente a uma feliz dona de casa.
Ela casou-se de novo, claro. Era o seu modelo de felicidade. Eu continuo sozinha, claro. É o meu modelo de felicidade.
Pergunto-me o que terá feito ao pequeno tacho?