sábado, 28 de fevereiro de 2015

O chá de limão de ontem foi feito com três cascas.
Hoje já só estava uma dentro do pequenino jarro de ir ao microondas.
E eu interrogo-me: Como é que as minhas gatas conseguem enfiar ali a pata e sem deitar o jarro ao chão?
Nesta casa não se pode deixar nada à pata de semear, ou de colher, melhor dizendo.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Estou com as minhas alergias de Primavera.
Mas é o único sinal que tenho desta prima, que continua afastada.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Genealogias invisíveis entre regimes políticos diferentes

Três apontamentos sobre o tema, ligados - de repente, ou não - por essa coisa fantástica e com um certo grau de independência que é o cérebro de cada um de nós; neste caso, o meu:

Vejo regularmente uma novela brasileira "de época" em que uma Baronesa do Império de D. Pedro II se integra na República conseguindo que o marido se torne Senador. Em casa, entre os amigos e os servos, ela é "Baronesa"; em público ela é a esposa de um Senador da República, sem qualquer afinidade com o proscrito regime anterior.
Esta é uma das mensagens maiores da novela: a sobrevivência a qualquer custo de uma elite que decidiu ser elite seja em que contexto for. E que faz por isso os maiores contorcionismos para se manter no lugar que considera pertencer-lhe por direito.

Ao ouvir uma palestra de um dos netos de Aristides de Sousa Mendes sobre a acção e a reabilitação da imagem do seu avô, quedo-me nas palavras que nos chamam a atenção para uma certa hipocrisia de toda a situação, clamando actualmente que Aristides de Sousa Mendes foi banido da memória nacional pelo regime de Salazar e que foi necessário um apelo vindo do Canadá (dos seus descendentes) para descobrirmos a heróica acção deste português proscrito, quando, nas palavras de seu neto, surge a acusação a toda uma classe diplomática portuguesa. Dizia ele que a diplomacia portuguesa não foi completamente substituída com a Revolução do 25 de Abril de 1974, muitos diplomatas de carreira terão continuado a prestar serviço a Portugal e o seu silêncio era, por isso, injustificável.
Nunca fui investigar sobre isto, mas tomei-o como verdade, até porque uma carreira diplomática não se constrói rapidamente e é natural que a representação de Portugal no estrangeiro beneficiasse da manutenção de um grupo de diplomatas, regendo-se agora - evidentemente - segundo novos princípios e valores.

Leio agora mesmo um excelente artigo no Público sobre Humberto Delgado. Uma entrevista do seu neto e biógrafo, nascido já após a sua morte, mas investigador reconhecido sobre o tema. Ele fala claramente em falsificação de dados e ocultação das conclusões da autópsia feita pelos técnicos forenses espanhóis que não deixavam dúvidas sobre uma morte lenta e dolorosa, transformando-a numa morte rápida, com um tiro, da exclusiva responsabilidade do seu executor que poderia até nem ter quaisquer instruções do Governo. Um acto rápido, talvez impulsivo, de um único homem, sem conhecimento provado do regime. Segundo Frederico Delgado Rosa isto foi feito para proteger a figura mitificada de Salazar, mesmo depois da mudança de regime:  
"Portanto, a Justiça portuguesa do pós 25 de Abril, numa espécie de genealogia invisível entre a ditadura e a democracia, querendo preservar e ilibar a figura sacrossanta de Oliveira Salazar, já para não falar do ministro do Interior, Alfredo Santos Júnior, a quem respondia também o director da PIDE, Silva Pais, tinha ali essa verdade inconveniente que envolvia directamente o chefe da brigada, Rosa Casaco, e por conseguinte o superior hierárquico que era o inspector Álvaro Pereira de Carvalho, Barbieri Cardoso, o número dois da PIDE, e Silva Pais, o director da PIDE, até chegarmos a Salazar."

E foi a referência a esta «genealogia invisível entre a ditadura e a democracia» que fez o clic em tudo isto.
As pessoas não nascem com as Revoluções. As pessoas não mudam com as revoluções. Mas há pessoas que mudam segundo as revoluções, agarrando-se de todas as formas ao seu estatuto e mantendo «a pose» segundo os princípios em vigor.
Depois existem sempre os ensinamentos da minha avó - que tanto guiam a minha vida - que dizia que muitas pessoas não aderiam logo entusiasticamente a um novo conjunto de ideias porque elas, muitas vezes, voltavam para trás. De facto, a História mostra-nos revoluções e contra-revoluções e frequentemente o esmagamento rápido de ideais a que muitos tinham aderido. Há gente que nunca é radical "just in case"...e outros que, por debaixo de novas roupas são fiéis aos princípios que os formaram e que fizeram deles as figuras notáveis que eles se consideram.

As genealogias invisíveis entre regimes! Os frequentes entraves a uma rotação mais rápida de uma nova versão do país. As permanências na mutação...os escolhos de qualquer nova alvorada.

Para que haja referências concretas das minhas fontes: a novela é Lado a Lado na SIC, a Palestra aconteceu em Alcobaça há dois anos e o artigo do Público pode ser lido aqui http://www.publico.pt/politica/noticia/delgado-e--incomodo-ainda-hoje-para-muitas-pessoas-1686052?page=-1


domingo, 15 de fevereiro de 2015

Agora mesmo

uma voz vinda de muito longe no tempo me fez recordar o meu crescimento, a minha chegada à profissão e, anos depois, um casamento.
Quando se está durante anos sem falar com alguém as novidades são muitas. Muitas delas pouco boas: doenças, mortes, abortos, por fim nascimentos e depressões e perdas de empregos e mudanças de casa e o envelhecimento daqueles que nos uniram, que eram as fortalezas das nossas vidas e agora inspiram cuidados...
A inversão dos papéis que muito dói.
O desaparecimento daqueles que constituíam o nosso mundo quando nascemos e o enfraquecimento dos que nos deram forças para crescer, dos que nos indicaram os caminhos.
O ficarmos definitivamente órfãos, o termos de assumir, por fim, as grandes responsabilidades da vida e, lá no fundo do nosso ser, vai crescendo a certeza que a decadência se aproxima, que também nós um dia vamos deixar órfãos os que sempre nos conheceram...pior...que vamos perder as nossas capacidades e inspirar-lhes cuidados, obedecer às suas ordens, sermos cuidados por eles...
A inversão dos papéis!
Até há pouco tempo eu achava que o movimento entre os que se vão e os que chegam compensava tudo isto, mas, talvez também porque me aproximo do fim (como toda a gente) parece-me agora que não há compensação, que as vidas ficam num desamparo só.
Um desamparo final!

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Felicidade

é a antecipação de uns dias de sossego
e uma cama feita de lavado para começar a jornada.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

SONATA INTRANQUILA

Esta é música de uma alma intranquila
No salão povoado pela tua ausência
A falta que me fazes
O que me fazes
E o meu olhar segue a folha
Que dança e contradança
Sem saber até quando
Conseguirá
Adiar o chão
Até os pássaros, indiferentes
Sabem que virá o Verão
Seremos nós tão diferentes
Como o sim e o não?
*
©CARLOS CAMPOS (a publicar)
(para legendar a Sonata Nº 1 para violino e guitarra, de Niccolò Paganini)
https://www.youtube.com/watch?v=eN04dfYgTUQ

domingo, 8 de fevereiro de 2015

Em desacordo

Percebi que Recomeçar é o primeiro livro que leio escrito com o acordo ortográfico. Sem ser os da Escola, claro. E creio que é isso que me está a fazer confusão: para mim o acordo era uma coisa do Estado, uma perrice que eu, como funcionária pública, tenho que respeitar no meu serviço, mas seria algo que a Cultura recusava, que os Autores - os verdadeiros fazedores da Literatura - não iriam usar. Assim, no trabalho eu usaria o novo acordo ortográfico sabendo que na Literatura de Autor - fosse ela um romance ou uma crónica, um livro inteiro ou um comentário - me acolheria a grafia que as minhas professoras e a minha família me ensinaram e corrigiram.
Quando estou a ler Recomeçar parece que, de vez em quando, levo umas bofetadas quando vejo o recepção sem 'p', ou optimismo...É uma intromissão que não estou a aceitar nada bem.
Quando tentei compreender como pôde isto acontecer numa obra tão bem escrita percebi que a autora é espanhola - não lutará, por isso, por uma língua que não é sua, que talvez nem compreenda - para ela é apenas uma tradução, poderia ser em chinês...e que a editora do livro é a Porto, uma das mais interessadas no Acordo e que mais estará ganhando com isso: dicionários, manuais escolares, corretor ortográfico, auxiliares de estudo.
Terei que me habituar, claro. Mas dói; ainda dói.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Ensino? Eu ensino; e eles, aprendem?

"- Não vale a pena! Ensinar para quem não quer aprender é um diálogo de surdos!
- Vale...acredita que enquanto uns apenas ouvem, outros ouvem.
- Ah...
- E outros vão ouvir muitos anos depois. Eu acredito nisso. Cada vez mais vezes eu digo: os professores são pessoas de muita fé. Têm de ser. Se são Professores têm de ter Fé."

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Esta noite...está tanto frio...

Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim, 
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de 
beijos: talvez assim eu possa esquecer para 
sempre quem me matou de amor, ou morrer 
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma 
ferida que o tempo não consegue transportar. 
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e 
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa, 
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique 
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo 
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no 
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens? 
Não, prefiro não saber como te chamas


MARIA DO ROSÁRIO PEDREIRA, in NENHUM NOME DEPOIS ( Gótica, 2ª. Ed., 2005), in in POESIA REUNIDA (Quetzal, 2012)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Metade não, inteira

"As pessoas não estão neste mundo para satisfazer as nossas expectativas, assim como não estamos aqui para satisfazer as delas. Temos que nos bastar, nos bastar sempre, e quando procuramos estar com alguém, temos que nos conscientizar de que estamos juntos porque gostamos, porque queremos e nos sentimos bem, nunca por precisar de alguém. As pessoas não se precisam, elas se completam, não por serem metades, mas por serem inteiras, dispostas a dividir objetivos comuns, alegrias e vida.”

(Mário Quintana)

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Leituras

Quando tenho mais que fazer é quando me apetece mais ler. Depois fico enrolada em sentimentos de culpa pelo tempo que estou a ler um romance em vez de trabalhar a sério nas tarefas obrigatórias, por dever de ofício ou por compromissos que voluntariamente assumi, mas que depois me espartilham o tempo, as ideias e a paciência. Por outro lado, assim a leitura sabe melhor. É quase excitante as fugas que faço a mim mesma para ler um pouco, quase escondida, culpada, mas saboreando cada palavra.
Mas é sempre assim: quando o trabalho aperta preciso de ler outras letras, outras palavras não marcadas pelo rigor da História, pela mestria da Investigação Científica. Preciso de ler palavras livres, para me recordar da liberdade que perdi e para me dar esperança na sua recuperação no final de cada uma das tarefas que agora me limitam o tempo.
E assim foi com o romance anterior. Esse, comprado em desespero de causa, fruto da privação de palavras livres autoimposta no final das férias. É sempre assim. Despeço-me da "leitura recreativa" no final de Agosto ou início de Setembro, prometendo a mim mesma só a retomar em tempos mais livres e, durante todo o 1º período letivo, dedico o tempo livre à televisão: escolho uma ou duas novelas e uma ou duas séries. Mas...depois...a privação da palavra escrita livre começa a gritar dentro de mim e acabo, por alturas do Natal, por me dirigir à livraria aqui próxima e comprar um "romance de limpeza": qualquer coisa light, como Nora Roberts ou Sveva qualquer coisa, daquelas campeãs de venda de romances cor de rosa, valor seguro de palavras simples, tramas previsíveis e finais 100% felizes e apaziguadores. E pronto. Aquilo funciona como a antiga "cassete de limpeza" dos gravadores. É necessário ao correto funcionamento do mecanismo, mas não lhe acrescenta nada. Equilibra, vá.
O ritmo das palavras que vão desenrolando uma história que me acalma, por saber a chegada segura, devolvem-me a calma de ler e apuram-me o sentido, a necessidade de palavras mais densas, de tramas um pouco mais inquietantes, de reflexões um pouco mais elaboradas que "o amor é que nos salva" ou qualquer coisa assim.
Dirijo-me então a uma grande livraria. Reservo várias horas para essa tarefa. Deambulo por entre as estantes e os géneros literários, abro livros, leio pedaços, avalio palavras, ritmos e tons, e tipos de letra também, que há aqueles livros que nos afastam pelo aspeto: da capa, da letra, do tamanho, do espaçamento entre as letras, de ausência de margens nas páginas...
Desta vez comecei por procurar Daniel Silva, um autor que já li e gostei, mas queria um romance que se afastasse do seu heroi de muitos livros: o restaurador de arte Gabriel Allon, Dos policiais, muitos retomam o tema do Código Da Vinci e confesso que já li a minha parte disso...
De repente uma autora espanhola, bem encadernada, com um tamanho razoável e um tipo de letra agradável chama-me a atenção: Maria Dueñas, com a referência de que fora a autora do best-seller "O Tempo entre Costuras". Dedica-me à sinopse e descubro uma personagem feminina, professora universitária, investigadora da área da Linguística, que por motivos pessoais procura estabelecer-se muito, muito longe de Espanha e acaba na Califórnia a debater-se com problemas pessoais  e com uma investigação que nada lhe interessa. A princípio...
Trouxe-a para casa, recordando a força da sua outra personagem feminina que vi em filme. E estou muito satisfeita com ela. Desvia-me frequentemente das minhas obrigações e faz-me pensar nela, no tempo dela, nos sentimentos de toda a gente que em dois tempos e continentes diferentes desfila naquelas páginas. Parece mesmo o tipo de romance que eu queria ter. Ou ler. Que é a mesma coisa, quando a leitura nos apaixona.
E hoje, entre uma turma de testes e a reescrita de um capítulo de uma obra de História, leio assim:
"(...) No princípio da contenda, todas as faculdades e centros da nova Cidade Universitária estavam já numa fase bastante avançada de construção, quando não concluídos e em pleno funcionamento. Pouco haveria de durar, no entanto, o cheiro a tinta fresca, o brilho dos vidros e as carteiras de madeira recém-envernizadas. A guerra sangrenta reduziria a escombros uma universidade que avançava airosa a caminho da excelência. Esmagaria grande parte do seu património científico, artístico e bibliográfico e empurraria para o abismo do exílio numerosos membros do corpo docente. Ao cair Madrid, aquele ambicioso sonho monárquico de um campus de esplendor americano ficara brutalmente arrasado e os edifícios reduzidos a horrendos esqueletos. Das quarente mil árvores que se plantaram, apenas ficaram as raízes. O local das salas de aula foi ocupado pelas trincheiras; o dos dois laboratórios pelos parapeitos. Com as enciclopédias e os dicionários fizeram-se barricadas, e os sacos de terra, as espingardas e os cadáveres espalharam-se, sinistros, pelos anfiteatros e bibliotecas.
Os mortos na Cidade Universitária foram milhares. Entre eles esteve Marcelino, de barriga para baixo sobre aquele solo destinado a fazer florescer a ciência, o saber e a esperança e não o horror e a morte. (...)" Dueñas, María, Recomeçar, pp. 53-54.
Recordo uma frase que vi no Facebook: "Na guerra não há vencedores nem vencidos. A guerra é a derrota da inteligência humana." E tremo só de pensar no horror que deve ser uma guerra civil. Uma guerra contra um inimigo que conhecemos, amamos ou amámos, com quem convivemos, com quem comungamos tanta coisa. Um inimigo que não é algo exterior, mas uma parte de nós...

Não sei como vai evoluir o livro, mas já me ganhou e isso nota-se pela forma como as páginas já estão abertas, vividas sofregamente.O outro livro, lido sem amor, impecável, será entregue na próxima semana à biblioteca municipal para que outros o possam apreciar mais que eu. E, que injustiça, nem o citei: chama-se Um Anjo da Guarda e é de um autor da moda - James Patterson. Que descanse em paz, entre os outros volumes, porque a mim também me deixou em paz e me deu a vontade de ser desinquietada por outra história, algo que me faça pensar, escrever, rir e chorar.

E Recomeçar promete!