quinta-feira, 28 de março de 2013

A família começa a chegar para celebrar a Páscoa...

http://gizmodo.com/5967661/where-is-this-mind+blowing-antique-transforming-desk-hiding-its-autobot-logo

quarta-feira, 27 de março de 2013

Escrita

Não porque faltem livros ou ocupações cá por casa, mas, num tempo como a Páscoa (ou o Natal ou um fim de semana...) apetece-me sempre comprar um livro e um CD.
Trouxe Ala dos Namorados, António Zambujo e Francisco José Viegas.
Hoje ao almoço olhei Viegas e resolvi mostrar-lhe que já está perdoado por ter pensado brevemente em ser político.
[Fico sempre na dúvida se eles são fascinados pelo poder ou se acreditam mesmo que poderão fazer a diferença.]
Bom, seja o que tenha sido, o homem já voltou ao bom caminho e este livro está acabadinho de sair. Cheira a novo. É da Porto Editora e tem umas letras claras e luminosas que apetece ler.
Já estava com saudades do Inspector Jaime Ramos. Ao vivo (se "vivo" fosse) deveria ser um chato, machista, mal humorado e retrógrado, mas como personagem "anti-heroica" de policiais vai muito bem. Como os policiais vão bem com este tempo chuvoso de silêncio e recolhimento, de reflexão...
Gosto da escrita dele. É ritmada e interessante. Tem uma boa dose de referências culturais e caracteriza muito bem as pesonagens. E de repente, dei comigo a pensar: Deve ser tão bom ser escritor a tempo inteiro!

terça-feira, 26 de março de 2013


 Agora o corpo é mais um barco que se solta.
Nele navegam primeiro os olhos e os receios.
...
E só depois a polpa dos dedos, à deriva, que
é quem faz o sabor das ondas nesse mar.

Levamos-lhe uma luz que é como uma promessa:
uma pequena chama azul e inquieta que treme
dentro das mãos e faz a boca abrir-se para
a espera. E não sei o que longe da margem

ilumina depois os nossos gestos: talvez
apenas a pele prateada dos peixes, o fulgor
da lua sobre a água como um gomo cheio
a desafiar os lábios, os reflexos do frio
metal das âncoras sob o olhar das estrelas.

Repara como de repente ficou distante o cais
e o outro barco amarrado ao sono da noite.
Esquece-o para sempre. Agora, adormeçamos
simplesmente, docemente, em casas de sal.


Maria do Rosário Pedreira

segunda-feira, 25 de março de 2013

Não fui eu...

"Não fui eu que pintei o sol no céu,
nem as nuvens no Ar
...
com água de prata.

Quando nasci já tudo estava no mundo
com relvas e azuis, poentes e sombras,
pobres e cicatrizes...

Porque então estes remorsos
de andar a sofrer não sei por quem
a culpa de haver rosas e haver vida?

Palavra! não fui eu
quem atirou a lua para o céu!"
 
José Gomes Ferreira, in Poeta Militante I

domingo, 24 de março de 2013

Em Frente ao Mar

"Pergunto a mim próprio em que noite nos perdemos?,
...
que desencontro nos levou de um a outro lado das
nossas vidas? e que caminhos evitámos para que os nossos
passos se não voltassem a cruzar? Mas as perguntas que
te faço, hoje, já não têm resposta. Sento-me contigo,
nesta mesa da memória, e partilho o prato da solidão. Tu,
na cadeira vazia onde te imagino, sacodes o cabelo com
um aceno de ironia. E dou-te razão: as coisas podiam
ter sido de outro modo. Não te disse as palavras que
esperaste; e havia o mar, com as suas ondas, nessa tarde
em que me puxaste para longe da cidade, como se
a noite não nos obrigasse a voltar, quando o horizonte
se apagou a nossa frente. Depois disso, nenhuma
pergunta tem resposta. O que é absurdo há-de continuar
absurdo, como o horizonte não se voltou a abrir,
trazendo de volta os teus olhos que me pediam que
os olhasse, até que a noite me impedisse de o fazer."


Nuno Júdice

sábado, 23 de março de 2013

Nada melhor que encontrar com quem conversar

Eu sou uma eterna apaixonada por palavras,
música e pessoas inteiras.
Não me importa seu sobrenome,
onde você nasceu, quanto carrega no bolso.
Pessoas vazias são chatas e me dão sono.


 Clarice Lispector

sexta-feira, 22 de março de 2013

Incongruência

"Espero-te para que me abraces
...
Com tuas asas gigantes.
As mesmas com que me limpas
As lágrimas que correm em torrente.
Mas afasto-te bruscamente,
Como se te odiasse, de repente...
Quero-te e não te quero,
Desejo-te e não te quero,
Desejo-te e detesto-me por isso
Choro por ti e…a raiva invade-me...
Quero avidamente as tuas asas gigantes.
Volta! Choremos juntos...
Esqueçamos essa revolta que nos cega,
Ilusória, louca, imensa...
Unamo-nos! Abracemo-nos, Fortemente
E com a mesma fogueira, que outrora
Nos feria, nos doía, nos enlouquecia!
Espero-te para que me abraces,
Com tuas asas gigantes."


Guiomar Casas Novas in Palavras Nossas - Colectânea de Novos Poetas Portugueses, 2011


 

quinta-feira, 21 de março de 2013

quarta-feira, 20 de março de 2013

O Poeta

"O poeta não quer duplicar o mundo
não quer fazer dele uma cópia:

...
Luta com a palavra
como Jacob lutou com o anjo
mas a escada que ele sobe
conduz a outras alturas
a outras planuras

É assim que o poeta
palavra por palavra
como pedra sobre pedra
constrói o edifício do poema

E a sua mão
robótico instrumento comandado
pela algébrica lógica do sentido oculto
produz
deve produzir
o que o mundo não tem
o que o mundo não diz
o que o mundo não é."
 
ANA HATHERLY, in A IDADE DA ESCRITA (Ed. Tema, 1998)

terça-feira, 19 de março de 2013

Pai (Memória)

Não sei que idade tinha...(menos de seis, certamente). Corria à volta do meu pai. Era de noite...
Dou-me agora conta de que já nada do que povoa esta memória existe. Ou quase nada. Ou o que existe está irreconhecível. Eu, por exemplo. O prédio da minha avó (que resiste ainda, entaipado, cadáver arrumado em pé). A rua já não é empedrada. Abre-se agora no chão uma enorme cratera de uma passagem subterrânea que engole diariamente milhares de pessoas que se servem disso como caminho para o comboio ou para atravessar para o outro lado da cidade.
Agora já não é tão perigoso atravessar a estação. Uma vez quase morri, distraída como ia sem ouvir o silvo do comboio. Foi um rapaz que me salvou (não foi bem como no anúncio do Axe...) e gritou comigo furioso, porque eu podia ter morrido, ali,à frente de toda aquela gente. Deve ter sido nessa altura que compreendi que temos uma responsabilidade social. Que não nos devemos esquecer dos outros em cada ocasião singular: Se quisesse morrer que o fizesse de uma forma que não traumatizasse mais ninguém.
Bem, mas já me afastei das memórias. Talvez para rechear um pouco mais o texto, que as memórias do meu pai são poucas.
A noite era calma, a rua pacata, adornada a esquina com o muro da "grande vivenda da D. Manuela", que não é mais para mim que o nome que sempre se colou àquela esquina. Onde às vezes havia um cego a pedir esmola.
E eu corria, corria. O pai tinha as mãos atrás das costas, talvez para me proteger, mas as minhas voltas eram cada vez mais próximas e acabei por me queimar no cigarro dele.
Por isso nunca me eaqueci que o meu pai fumava muito.

segunda-feira, 18 de março de 2013

O Meio

Diziam-me que "no meio é que está a virtude", mas eu creio que o meio é que é o mais difícil (talvez porque a virtude também não seja fácil) porque na voz dos poetas a infância e a velhice são doces...bonitas...simples.
E "no meio" tudo é tão complicado!


Vamos ser velhos ao sol nos degraus
 da casa; abrir a porta empenada de
 tantos invernos e ver o frio soçobrar
 no carvão das ruas; espreitar a horta
 que o vizinho anda a tricotar e o vento
 lhe desmancha de pirraça; deixar a 

chaleira negra em redor do fogão para
 um chá que nunca sabemos quando
 será - porque a vida dos velhos é curta,
 mas imensa; dizer as mesmas coisas
 muitas vezes - por sermos velhos e por
 serem verdade. Eu não quero ser velha
 
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que

 sejas velho com mais ninguém. Vamos
 ser velhos juntos nos degraus da casa -  

se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
 atravesses a rua por uma sombra amiga,
 trago-te o chá e um chapéu quando voltar.
 
Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida

domingo, 17 de março de 2013

"Que criança, neste mundo, tem vocação para adulto?"

"- Não é arvião. Diz-se: avião.
O menino estranhou a emenda de sua mãe. Não mencionava ele uma criatura do ar? A criança tem a vantagem de estrear o mundo, iniciando outro matrimónio entre as coisas e os nomes. (...) São os homens em estado de poesia, essa infância autorizada pelo brilho da palavra."

Mia Couto, O Viajante Clandestino in Cronicando, pp. 21-23

quinta-feira, 14 de março de 2013

DIES IRAE

" Apetece cantar, mas ninguém canta.
...
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.

Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.

Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.

Oh! maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!"


Miguel Torga


terça-feira, 12 de março de 2013

A sala de estar - Poema IX

a gaveta dos poetas

é um espólio de palavras sem nexo
que não rimam.
 foram versos escritos ao acaso,
 palavras escritas de silêncio,
 sem continuidade.
 a gaveta dos poetas está cheia de sentimentos
que nunca ganharam vida.
 fêmeas frígidas,
 incapazes de fecundar depois de possuídas.
 foram desejos reprimidos
 queimados em mais de mil cigarros.
 a gaveta dos poetas
 está cheia de horas, de noites, de vazios.
 não é poesia o que lá vive.
 é solidão, é veneno, pulmões que não respiram.
 um chão de palavras pisadas.
 as asas de um sonho castrado.
 guardem os poetas na gaveta.
 
Paulo Eduardo Campos in A Casa dos Archotes

segunda-feira, 11 de março de 2013

Diz-me o Teu Nome


Diz-me o teu nome - agora, que perdi
 quase tudo, um nome pode ser o princípio
 de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
 escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
 lobos mancham o lençol da neve com os
 sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido, 

como a levares as palavras de um livro para
 dentro de outro - assim conquista o vento
 o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
 na casa fria. E, antes de partires, pousa-o
 
nos meus lábios devagar: é um poema
 açucarado que se derrete na boca e arde
 como a primeira menta da infância.
 
Ninguém esquece um corpo que teve
 nos braços um segundo - um nome sim.
 
Maria do Rosário Pedreira

sábado, 9 de março de 2013

Até amanhã!

Hoje era impossível sair.
Os testes, os trabalhos, algumas outras obrigações da casa que vão sempre sendo adiadas...
Mas não podia ser tudo impossível.
Um banho de imersão, com sais de lavanda, uma atenção especial à pele e ao cabelo e, fofa e relaxada, aquele chocolatinho em cima do jantar.
Sinto-me outra.
A mesma volta amanhã para enfrentar as pilhas de papeis que ameaçam continuar no mesmo sítio depois desta noite.

Assombros

"Às vezes, pequenos grandes terremotos
ocorrem do lado esquerdo do meu peito.
Fora, não se dão conta os desatentos.
Entre a aorta e o omoplata rolam
alquebrados sentimentos.
Entre as vértebras e as costelas
há vários esmagamentos.
Os mais íntimos
já me viram remexendo escombros.
Em mim há algo imóvel e soterrado
em permanente assombro."


Affonso Romano de Sant'Anna (1937)

sexta-feira, 8 de março de 2013

Fim de Semana

"Contactavam de viva-voz há apenas alguns dias. Desde que começara que falavam ao telefone todas as noites durante mais de uma hora.
Invariavelmente era ela que anunciava que tinham de terminar a conversa. Levantava-se cedo no dia seguinte...o trânsito...os imprevistos...o stress...
Lá se despediam, com aquela mágoa dos amores iniciantes, do coração que parece que não vai aguentar a ausência.
Mas, naquele dia (o 5º da conversação, que os apaixonados contabilizam cada segundo) a conversa não acabava. Ela estava com uma disposição imparável: falava, brincava, ria-se longamente das piadas dele, até citações de livros ela fez.
Por fim, foi ele que se cansou, ou simplesmente estranhou a energia imparável.
- Hoje estás ligada à corrente...
- É verdade! E sabes a que horas eu me levanto amanhã?
- Não.
- Nem eu! - e o riso cristalino dela explicou, sem margem para dúvidas, que esta conversa teria uma duração talvez ilimitada."

À Liberdade, que tanto tempo demorou a ser Mulher


quarta-feira, 6 de março de 2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

Paixão

"Podia escrever o teu nome num vidro embaciado ou
segredá-lo a uma borboleta negra.
...

Podia cortar os pulsos e deixar o sangue correr até que
o mar ficasse vermelho.

Ou beijar-te os pés. Mas esse gesto está reservado
desde o princípio dos séculos e teria o sabor de uma
profanação."


Jorge Sousa Braga

domingo, 3 de março de 2013

2 de Março

"- Os tempos são outros. A ditadura johe é muito mais maquiavélica porque não se apresenta como tal. Vivemos todos convencidos que somos livres, e todos os dias nos impõem mais uma coisa contra nós, que não sabemos como rejeitar. Não é contra ti nem contra o teu vizinho:é contra todos, e todos são objecto de um roubo que vem de fora, mas que é executado como se fosse uma coisa natural, explicada com argumentos que até parecem lógicos, e que deixam um sabor amargo na vida que não sabes de onde vem.
E pensei: estas mudanças põem-me melancólico. Dantes, a revolução podia ser feita com metralhadoras, com bombas; hoje de nada serviria. Os exércitos que nos ocupam são invisíveis, não têm quarteis. (...) Tínhamos de vencer esse cansaço em reagir que acaba por tornar inútil a reacção porque, quando ela chega, já tudo ficou para trás."

Nuno Júdice, Implosão (p. 33)

sexta-feira, 1 de março de 2013

O Haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do infinito
Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
De matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, de uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história.

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e o mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram nem ontem nem hoje.

Resta essa vontade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo
Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, apressada,
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante
Mas recuará em véus ao ver-me junto à bem-amada...

Resta este constante esforço para caminhar dentro do labirinto
Este eterno levantar-se depois de cada queda
Essa busca de equilíbrio no fio da navalha
Essa terrível coragem diante do grande medo, e esse medo
Infantil de ter pequenas coragens.


Vinicius de Moraes (1913-1980)