8º ano: Calvin, reformador suiço
9º ano: Stalone, governante soviético
Os testes são, definitivamente, cultura de massas.
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
domingo, 24 de fevereiro de 2013
Labirinto
"Labirinto ou não foi nada
... Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!
Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.
Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor."
David Mourão-Ferreira
... Talvez houvesse uma flor
aberta na tua mão.
Podia ter sido amor,
e foi apenas traição.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua. . .
Ai de mim, que nem pressinto
a cor dos ombros da Lua!
Talvez houvesse a passagem
de uma estrela no teu rosto.
Era quase uma viagem:
foi apenas um desgosto.
É tão negro o labirinto
que vai dar à tua rua...
Só o fantasma do instinto
na cinza do céu flutua.
Tens agora a mão fechada;
no rosto, nenhum fulgor.
Não foi nada, não foi nada:
podia ter sido amor."
David Mourão-Ferreira
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013
Não
"Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passosUma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?"
Álvaro de Campos
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passosUma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.
Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...
Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?"
Álvaro de Campos
Etiquetas:
Palavras à Medida,
Palavras de Outros,
Palavras vãs
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Fim do dia
de uma segunda-feira. E eu estafadinha de todo, que os testes parecem crescer em tamanho e em disparates.
A porta da escola aproximava-se como saída tentadora, mas os testes que pesavam na mala lembram-me que a caneta vermelha estava ontem quase a acabar.
- Boa tarde, D. Teresa. Venda-me aí uma caneta vermelha, daquelas que o Ministério nos havia de pagar que é material de desgaste do trabalho que pagamos com o nosso ordenado.
- Professora: é das mais baratas?
- Baratas? Que nojo! Prefiro moscas.
E lá sorrimos e rimos, que a tristeza (que um dia destes ficará incrustada) não melhora em nada o nosso ambiente de trabalho.
Com a caneta Barata, desligo a televisão para que se não ouça nem uma Mosca e recomeço, cada vez com menos alento, o calvário dos testes.
A porta da escola aproximava-se como saída tentadora, mas os testes que pesavam na mala lembram-me que a caneta vermelha estava ontem quase a acabar.
- Boa tarde, D. Teresa. Venda-me aí uma caneta vermelha, daquelas que o Ministério nos havia de pagar que é material de desgaste do trabalho que pagamos com o nosso ordenado.
- Professora: é das mais baratas?
- Baratas? Que nojo! Prefiro moscas.
E lá sorrimos e rimos, que a tristeza (que um dia destes ficará incrustada) não melhora em nada o nosso ambiente de trabalho.
Com a caneta Barata, desligo a televisão para que se não ouça nem uma Mosca e recomeço, cada vez com menos alento, o calvário dos testes.
Etiquetas:
Palavras Doridas,
Palavras repetentes,
Palavras vãs,
Palavreado,
Tradições
quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013
Outra Vez S. Valentim
Hoje, com o amor a escorrer pelas paredes dos ambientes adolescentes, com vendas de chupa-chupas em forma de corações... vermelhos, com puxadores de lojas em forma de corações...vermelhos, o poema só podia ser de amor. Com toda a confusão e incoerência inerente, que Joaquim Pessoa tão bem exprime.
AMO-TE POR TODAS AS RAZÕES E MAIS UMA
AMO-TE POR TODAS AS RAZÕES E MAIS UMA
"Por todas as razões e mais uma. Esta é a resposta que
costumo dar-te quando me perguntas por que razão te amo. Porque nunca existe
apenas uma razão para amar alguém. Porque não pode haver nem há só uma razão
para te amar.
Amo-te porque me
fascinas e porque me libertas e porque fazes sentir-me bem. E porque me
surpreendes e porque me sufocas e porque enches a minha alma de mar e o meu
espírito de sol e o meu corpo de fadiga. E porque me confundes e porque me
enfureces e porque me iluminas e porque me deslumbras.
Amo-te porque quero
amar-te e porque tenho necessidade de te amar e porque amar-te é uma aventura.
Amo-te porque sim mas também porque não e, quem sabe, porque talvez. E por
todas as razões que sei e pelas que não sei e por aquelas que nunca virei a
conhecer. E porque te conheço e porque me conheço. E porque te adivinho. Estas
são todas as razões.
Mas há mais uma:
porque não pode existir outra como tu."
JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011), Dia 231
Etiquetas:
Palavras de Outros,
Palavras repetentes,
Tradições
terça-feira, 12 de fevereiro de 2013
Videos
Continuando as minhas batalhas com as mudanças tecnológicas, agora compreendi que não consigo ir buscar videos ao Youtube e coloca-los aqui de forma visível. Eu faço o mesmo que fazia antigamente (estou com ar de desespero!).
Se alguém me puder ajudar, eu ficaria eternamente grata.
Se alguém me puder ajudar, eu ficaria eternamente grata.
Etiquetas:
Dúvidas,
Palavras Doridas,
Tradições
Parabéns a Você!
E que alegria deve ser para um brasileiro fazer anos no Carnaval!
Martinho da vila celebrou os 75 anos desfilando com a Escola de Vila Isabel no Sambódrono.
75 anos bem vividos e bem cantados...
Martinho da vila celebrou os 75 anos desfilando com a Escola de Vila Isabel no Sambódrono.
75 anos bem vividos e bem cantados...
Etiquetas:
Palavras à Medida,
Partículas de Felicidade,
Tradições,
Videos
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013
A Caixa Negra
- Mas não pode recuperar os números? Os contactos...
- Assim como está não. Vamos ver se uma reparação do aparelho resolve o problema. Mas, desculpe, os contactos estavam guardados no cartão ou no telemóvel?
- Então o cartão não está no telemóvel?
- Sim - disse ele com aquele ar pedagógico-condescendente que me faz perder as estribeiras - Mas existe a memória do cartão e existe a memória do telemóvel...
Fez uma pausa que eu aproveitei para falar sobretudo comigo: - E existia a minha memória que não era má ideia se não tivesse deixado de a usar.
- E pode (deve, se me permite) ir fazendo backups periódicos.
Pumba! A utilização de expressões em americanês é a segunda gota de água num copo que transbordou à primeira.
- Bem - interrompi com a mão levantada em sinal de que não queria ouvir mais nada - resumindo: se quiser telefonar nos próximos dias tenho de comprar outro telemóvel, mas posso mandar arranjar esse, não? Ele está na garantia.
- Claro, mas na Nokia.
- E porque não aqui?
- Porque lá é que eles sabem dizer se podem ou não recuperar os dados e se vale a pena consertar o telemóvel [ele não deve ter dito consertar, já ninguém diz consertar].
- E onde fica isso?
- Sabe onde é o hospital?
- Não. Não sei nada. Fiz 20 Km para vir à loja que me indicaram e agora tenho de saber onde é o hospital para arranjar o telemóvel? Não deve ser difícil de descobrir, eu estou quase a ter um ataque de nervos.
A outra funcionária, mais velha, aproximou-se com um ar sério e protetor. Percebi que não podia falar alto, porque estamos numa sociedade politicamente correta em que quem perde as estribeiras não tem nível.
Comprado o novo telemóvel porque - e isto ainda me irritou mais contra mim mesma - não posso estar sem telemóvel - meto-me no carro e furo Leiria inteira para ir a uma loja específica da Nokia para saber se aquilo tem arranjo. "Talvez...pode vir amanhã que já deve estar arranjado." "Amanhã? Amanhã não posso. Agora só devo voltar daqui a uns 3 dias." Estranham. As pessoas querem tudo para ontem à tarde.Depois de registar a morada sorriu: "Ah, já percebi. Claro que não pode vir nos próximos dias que a paródia carnavalesca lá pela terra à boa. Pode vir quando quiser: Bom Carnaval!"
E eu com um ar muito para lá do Palhaço Rico a suspirar pelo tempo em que os nº de telefone estavam escritos num caderninho dividido por letras e o telefone era preto, vetusto, robusto e fixo à parede no centro do corredor.
E porque não assento os nº no caderno? Sei lá! Não sei mais nada. Sei que temos a vida presa dentro de caixinhas negras que nos ensombram os dias quando não funcionam.
Agora tenho de ir ler o manual do outro coiso, porque não tem as mesmas opções do anterior. E é 'touch', porque parece mal dizer é toca-me e eu cada vez estou mais cheia de não-me-toques...
E os toques! Nem sei como é que isto toca. Oh, não! Vou ter que passar por todo aquele calvário de ouvir mil e um toques para escolher um.
Odeio esta sociedade tecnológica.
Estou mascarada de antiquada. E que bem entrei no papel!
- Assim como está não. Vamos ver se uma reparação do aparelho resolve o problema. Mas, desculpe, os contactos estavam guardados no cartão ou no telemóvel?
- Então o cartão não está no telemóvel?
- Sim - disse ele com aquele ar pedagógico-condescendente que me faz perder as estribeiras - Mas existe a memória do cartão e existe a memória do telemóvel...
Fez uma pausa que eu aproveitei para falar sobretudo comigo: - E existia a minha memória que não era má ideia se não tivesse deixado de a usar.
- E pode (deve, se me permite) ir fazendo backups periódicos.
Pumba! A utilização de expressões em americanês é a segunda gota de água num copo que transbordou à primeira.
- Bem - interrompi com a mão levantada em sinal de que não queria ouvir mais nada - resumindo: se quiser telefonar nos próximos dias tenho de comprar outro telemóvel, mas posso mandar arranjar esse, não? Ele está na garantia.
- Claro, mas na Nokia.
- E porque não aqui?
- Porque lá é que eles sabem dizer se podem ou não recuperar os dados e se vale a pena consertar o telemóvel [ele não deve ter dito consertar, já ninguém diz consertar].
- E onde fica isso?
- Sabe onde é o hospital?
- Não. Não sei nada. Fiz 20 Km para vir à loja que me indicaram e agora tenho de saber onde é o hospital para arranjar o telemóvel? Não deve ser difícil de descobrir, eu estou quase a ter um ataque de nervos.
A outra funcionária, mais velha, aproximou-se com um ar sério e protetor. Percebi que não podia falar alto, porque estamos numa sociedade politicamente correta em que quem perde as estribeiras não tem nível.
Comprado o novo telemóvel porque - e isto ainda me irritou mais contra mim mesma - não posso estar sem telemóvel - meto-me no carro e furo Leiria inteira para ir a uma loja específica da Nokia para saber se aquilo tem arranjo. "Talvez...pode vir amanhã que já deve estar arranjado." "Amanhã? Amanhã não posso. Agora só devo voltar daqui a uns 3 dias." Estranham. As pessoas querem tudo para ontem à tarde.Depois de registar a morada sorriu: "Ah, já percebi. Claro que não pode vir nos próximos dias que a paródia carnavalesca lá pela terra à boa. Pode vir quando quiser: Bom Carnaval!"
E eu com um ar muito para lá do Palhaço Rico a suspirar pelo tempo em que os nº de telefone estavam escritos num caderninho dividido por letras e o telefone era preto, vetusto, robusto e fixo à parede no centro do corredor.
E porque não assento os nº no caderno? Sei lá! Não sei mais nada. Sei que temos a vida presa dentro de caixinhas negras que nos ensombram os dias quando não funcionam.
Agora tenho de ir ler o manual do outro coiso, porque não tem as mesmas opções do anterior. E é 'touch', porque parece mal dizer é toca-me e eu cada vez estou mais cheia de não-me-toques...
E os toques! Nem sei como é que isto toca. Oh, não! Vou ter que passar por todo aquele calvário de ouvir mil e um toques para escolher um.
Odeio esta sociedade tecnológica.
Estou mascarada de antiquada. E que bem entrei no papel!
Etiquetas:
Palavras à Medida,
Palavras Doridas,
Palavras repetentes,
Palavras vãs,
Palavreado,
Tradições
sábado, 9 de fevereiro de 2013
Um Carnaval
«Vem ao baile das palavras
Que se beijam desenlaçam
Palavras que ficam passam
Como a chuva nas vidraças
... Vem ao baile, oh tens que vir
E perder-te nos espelhos
Há outros muito mais velhos
Que ainda sabem sorrir.»
Que se beijam desenlaçam
Palavras que ficam passam
Como a chuva nas vidraças
... Vem ao baile, oh tens que vir
E perder-te nos espelhos
Há outros muito mais velhos
Que ainda sabem sorrir.»
Alexandre O’ Neill
Etiquetas:
Palavras à Medida,
Palavras de Outros,
Tradições
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
domingo, 3 de fevereiro de 2013
Lembrava-se dele e, por amor, ainda que pensasse
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.
Maria do Rosário Pedreira
em serpente, diria apenas arabesco; e esconderia
na saia a mordedura quente, a ferida, a marca
de todos os enganos, faria quase tudo
por amor: daria o sono e o sangue, a casa e a alegria,
e guardaria calados os fantasmas do medo, que são
os donos das maiores verdades. Já de outra vez mentira
e por amor haveria de sentar-se à mesa dele
e negar que o amava, porque amá-lo era um engano
ainda maior do que mentir-lhe. E, por amor, punha-se
a desenhar o tempo como uma linha tonta, sempre
a cair da folha, a prolongar o desencontro.
E fazia estrelas, ainda que pensasse em cruzes;
arabescos, ainda que só se lembrasse de serpentes.
Maria do Rosário Pedreira
Subscrever:
Mensagens (Atom)