segunda-feira, 30 de abril de 2012

Somos um país de ponteiros

Tendo um tempinho livre de tarde resolvi ir fazer umas compras no Shopping cá do sítio, pois amanhã deve estar cheio.
Pois estava já hoje!
Imensa gente.
Mas...fizeram todos ponte?
Isto é um país de ponteiros...ou pontistas...ou pontosos...pontudos?

domingo, 29 de abril de 2012

Deram-me ontem um livro novo,

muito bem escrito, que me preencheu o domingo com boa prosa, paisagens e personagens bem delineadas.
Repreendo-me por tudo o que deixei de fazer, mas balanço-me no prazer da leitura, extensiva, vagarosa, saborosa, como há muito tempo não tinha.
Percorridas já muitas páginas e muitas léguas, atravessei o Atlântico entre Pernambuco e Moçâmedes (eu que nunca estive em qualquer destes sítios), saí agora da Alemanha e cheguei a Benguela...Andei de barco e de boi-cavalo. Senti o cheiro a suor (e outras coisas piores) dos compartimenos do barco partilhado por muitas pessoas durante meses, entusiasmei-me com o alemão que percebeu que pertencia a África e estou quase tão fascinada pelo Bernardino como a própria Benedita.
Pena que não possa continuar esta viagem. O Adamastor do trabalho ameaça naufragar o meu prazer.

Não é a personagem principal, mas aqui fica um pouco de um dos muitos que habitam estas paisagens do meu fim de semana:

"(...) Pusera-se um Verão quentíssimo, pesadíssimo, ou então eram os seus quarenta e seis anos que já se ressentiam mais do que deviam dos abusos do clima. Às vezes custava-lhe a crer que já tivesse aquela idade. Não se sentia velho e no entanto pareciam tão longínquos e arredados de si os entusiasmos da mocidade (...).
A que propósito viriam todas estas recordações e considerações? Não sabia ao certo. A propósito da solidão, talvez. Por vezes sentia a nostalgia do que não tinha, sonhava com mulher e filhos que lhe enchessem os dias de risos e de carinhos. Mas rapidamente acordava do sonho. Ter família também significava ter preocupações, aflições e desordem, o que para si era intolerável. Mulher e filhos para quê? Para o abandonarem? Para lhe crivarem os dias de dissabores? Estava muito bem assim, rodeado da sua austera penumbra e dos seus sorumbáticos livros. (...)"

Marques, João Pereira, Uma Fazenda em África, Porto Editora

(Serve também o presente post para agradecer a quem me ofertou a obra)

Afinal não havia só os tigres

"Um monstro monstruosamente monstro convidou uma monstra monstruosamente monstra para fazer monstrinhos, mas ela respondeu-lhe que não podia porque estava monstruada."

sábado, 28 de abril de 2012

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Bem no fundo

"No fundo, no fundo,
Bem lá no fundo,
A gente gostaria
De ver nossos problemas
Resolvidos por Decreto


A partir desta data,
Aquela mágoa sem remédio
É considerada nula
E sobre ela - silêncio perpétuo


Extinto por lei todo o remorso,
Maldito seja quem olhar para trás,
Lá prá trás não há nada,
E nada mais


Mas os problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
E aos domingos saem todos passear
O problema, sua senhora
E outros pequenos probleminhas."
Paulo Leminski (1944-1989)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Memórias do 25 de Abril

Há 20 anos atrás este dia ficou nas férias da Páscoa. Nas férias em que eu fui visitar o Egipto com os professores de História da escola em que fiz estágio.
Dentro de um táxi no Cairo alguém diz subitamente: "Hoje é 25 de Abril! Temos de celebrar o 25 de Abril."
Imediatamente começamos todos a cantar a Grândola Vila Morena, que estava muito afinadinha nas gargantas de todos nós nessa altura.
O taxista sorriu, acenou com a cabeça e resolveu participar: "Arab Music. Beautiful!"
Ecos daqueles que mourejaram em campos de pão? Do branco pão dos outros.

Portugal Ressuscitado

"Depois da fome, da guerra
da prisão e da tortura
vi abrir-se a minha terra
como um cravo de ternura.
Vi nas ruas da cidade
o coração do meu povo
gaivota da liberdade
voando num Tejo novo.
Agora o povo unido
nunca mais será vencido
nunca mais será vencido
Vi nas bocas vi nos olhos
nos braços nas mãos acesas
cravos vermelhos aos molhos
rosas livres portuguesas.
Vi as portas da prisão
abertas de par em par
vi passar a procissão
do meu país a cantar.
Agora o povo unido
nunca mais será vencido
nunca mais será vencido
Nunca mais nos curvaremos

às armas da repressão
somos a força que temos
a pulsar no coração.
Enquanto nos mantivermos
todos juntos lado a lado
somos a glória de sermos
Portugal ressuscitado.
Agora o povo unido
nunca mais será vencido
nunca mais será vencido"

José Carlos Ary dos Santos, 26 de Abril de 1974

Auto-crítica

O tempo chora pela memória do 25 de Abril de 1974 e pelo Miguel Portas.
Está um dia daqueles lamentável de chuva miudinha e constante.
No café li finalmente a entrevista do DNMagazine a Miguel Real cuja frase chave era "Na política estão os piores de nós".
Vou até à Tabacaria. Hoje é dia de ter tempo para ler o jornal. O jornal I tem uma capa bonita, bonita mesmo, em que a meia foto de Miguel Portas encima o título sobre o 25 de Abril e um Cravo Vermelho.
Regresso a casa, ligo o rádio como no tempo da Revolução em que a televisão funcionava a tempos curtos limitados e sento-me no sofá a ler o jornal. O tema é, claro, o 25 de Abril, as perdas de direitos, as mudanças nas carreiras e no estilo de vida, algumas recordações bem interessantes sobre o processo revolucionário, a polémica entre os «históricos» e o governo, etc. Leio tudo com muita atenção, indignação e preocupação. Assusta-me particularmente o paralelismo entre as notícias sobre o reforço da segurança (mais justiça, penas mais céleres...e eu que fui há pouco tempo assaltada e sei que o reforço da segurança é necessário) e a perda de direitos. Faz lembrar outros tempos. Aqueles tempos que eu só vivi na alegria do seu fim a brilhar nos olhos dos outros. "Arrepia? Arrepia. E arrepia, sim senhor. Que vida boa era a de Lisboa!" (Fausto)
Há esperança no jornal que leio. Mostra-nos como estamos bem melhor que em 1974 e relativiza questões dizendo que "para os 40% dos portuguess que não eram adultos em 1974, a Revolução que lhes trouxe tantas vantagens é um facto histórico, ao nível da descoberta do caminho marítimo para a India ou da guerra de 1914-1918" (José Couto Nogueira, 25 em percentagens).
"(...) a hora não é de desistir. É de ir lá, de ir a todas, de resistir a esta maré de brutalidade, estupidez, intimidação, ganância. Hoje e sempre." (Luis Rainha)
Espanto-me com a crueza do discurso, com o emprego de palavras fortes. Repito-as para avaliar melhor o seu significado.
Sem dúvida, devíamos fazer alguma coisa...
Olho a chuva lá fora e resolvo fazer alguma coisa para almoçar em casa.
Talvez partilhe algumas destas palavras mais tarde no Facebook.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Miguel Portas (1958-2012(



Nas vésperas das comemorações do 25 de Abril (desta vez muito polémicas) desaparece um os rostos da Liberdade e dos Valores de Abril.
"Há sempre alguém que nos faz pensar um pouco.Saudade!"

domingo, 15 de abril de 2012

O Café e o Bacalhau são dois portugueses honorários

A Língua do Café



Foi lá por mil, seiscentos… dezasseis
Com os caminhos marítimos abertos
Já mais nada era longe, tudo, perto
Que atinou-se o interesse do holandês
P’ra o valor do café. Tanto ele fez
Que venceu numa grande emulação
O francês, o italiano e o alemão
Via Moka, levaram para a Holanda
O que nunca se viu naquela banda
Em estufas, na fria Amsterdão


Foi então que o francês, por um desvio
Lançou mão do café e lá em Dijon
Replantou ao ar livre e não foi bom
Bem merece um apupo e um assobio
Essa planta é do quente e não do frio!
Mas preciso é errar p’ra que se aprenda
O Mercado Flandrino segue a senda
Plantam pés na colónia tropical
Indonésia, e começa o carnaval
O café a fazer juz a tanta lenda


Já na corte do rei, dito O Rei Sol
Há que tempo, o café ditava a moda
Solimão Aga, um turco da alta roda
Festas fez, com café!.. Qual um farol
Reflectindo sua luz pelo arrebol
Luís XIV era muito bajulado
Dos presentes, um foi predestinado
Em oferta das Terras Baixas, veio
Lindo pé de café de um metro e meio
Que no “Jardin des Plantes”, foi plantado


Esse pé de café tão bem cuidado
Em Paris, só servia de ornamento
Mas jamais tal caiu no esquecimento
Pois ele é o mais antigo antepassado
Dos sabidos, que foram pr’o outro lado
Desse mundo, que é o Novo, onde outra vez
Já medravam cafeeiros do holandês
Filho do de Paris, na Martinica
Neto vai pr’a Guiana, por lá fica
E, de lá, p’ró Mercado Português


Era uma vez, era uma vez, era uma vez...


E o Brasil,
o que foi que ele fez?
Ele fez o café
falar português!


jorge carlos amaral de oliveira 16/02/2011

sábado, 14 de abril de 2012

Dia Mundial do Café

Questão de Pontuação

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);


viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):


o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.


João Cabral de Melo Neto (1920-1999)

sexta-feira, 13 de abril de 2012

segunda-feira, 9 de abril de 2012

794 Km depois

De novo em casa.
A patitas, liberta da grande jaula do veterinário, que foi o seu T0 de férias, está num rom-rom imparável.
Só a pasta destoa deste ambiente feliz: de boca aberta, escancarada, reclama o recheio arrumado segundo a sequência do horário - 8.15 h, 8º ano, substituição, 7º ano, almoço - o programa prosseguirá mais tarde.
E não esquecer a agenda, a pasta de Diretora de Turma, os trabalhos que ficaram por entregar...
Começa amanhã o terceiro, o último período deste ano letivo, o 20º da minha carreira. Por múltiplos factores, começa amanhã todo um novo período da minha vida.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ler

De vez em quando compro a Revista Ler e também o JL. Qualquer uma destas publicações tem o condão de me desorientar porque encontro sempre excelentes (muitas) sugestões de leitura e não tenho tempo, nunca terei tempo para ler tudo o que devia de ler.
Fico assim informada, mas com uma sensação de frustração e mesmo sentimentos de culpa quando estou a fazer qualquer outra coisa menos produtiva podendo estar a consumir um dos títulos que faltam na minha cultura.
E aqui está mais uma referência que eu encontrei e que acho que tenho de ler. E esta faz-me sentir acompanhada!
"Não é tanto um trabalho sobre informação, como sobre excesso de informação: a circunstância que deu origem a uma condição que achamos ser tipicamente moderna (...). Um dos prazeres mesquinhos e tangenciais que Gleick fornece é um repositório de provas que o sentimento é provavelmente tão antigo quanto o Homero: citações de filósofos medievais a queixarem-se de que há demasiados livros para ler, de filósofos gregos a queixarem-se de que há demasiados outros filósofos para ouvir; é legítimo concluir que um qualquer cético anónimo em Lascaux, nos primórdios do mundo, tenha protestado quanto à quantidade de rabiscos de cavalos que ali se ia acumulando." Rogério Casanova sobre o livro de James Gleick, Informação - Uma História, Uma Teoria, Um Dilúvio, editado pela Temas e Debates.
Este eu tenho de ler!

Nota: Lascaux não se situa no princípio do mundo, pois este é muito anterior à Humanidade, a menos que ele se refira ao mundo da informação, que só existe desde que nós existimos para a processar...e pelos vistos sempre refilando com o excesso da tarefa.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Chove, no país do Verão

As pessoas passeiam desconsoladas debaixo dos parapeitos das varandas. Estão de ténis-botas, alguns de botas altas e muitos de cachecol.
No ano mais seco dos últimos 75 anos quebrou-se o jejum pluvial nesta semana santa, pródiga de paixão e condenatória para os que, ignorando os tempos de contenção, pensavam até exibir-se ao sol.
As paredes caiadas sustentam a esperança de sol contra o céu de chumbo.
Aqui, até o tempo de chuva é mais claro. Pois claro!

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Ai! Miss, you...

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Dizia a avó no café

"- O médico viu os valores e disse à minha filha que o menino estava quase abadesso; e ela disse: que me importa que ele esteja quase abadesso? Tem de comer bem, não come porcarias...Hoje também acham todos abadessos."

(recolhido hoje de manhã)

Cidadania Portuguesa

"Não, professora, não podemos desencadear o processo sem si. Porque tem de passar um cheque de um euro e vinte cinco cêntimos ao Diretor do ADSE."
"Mas eu não tenho cheques. E não vou comprar por causa de 1 € e 25."
"Mas tem de ser assim, para uma segunda via..."
"Está bem, obrigada. Eu vou tentar contactar diretamente a ADSE."
"Pois..."
Afinal ligaram a seguir, a dizer que também poderia ser por vale postal. No valor de 1 € e 25.

Ao menos no cartão do cidadão são 15 € e no IMTT 30 €.
Claro que não gosto de pagar muito, mas não é ridículo que tenha de pagar através de um documento que deve custar mais que isto uma despesa de 1€ e 25? Não seria lógico que eu pagasse na secretaria da escola?

"Tem de ser um documento pessoal."

Assim vai este país.

No IMTT: "Tenho o comprovativo de pedido do cartão do cidadão."
"Tem de ter o nº de contribuinte".
"Está contido neste..."
"Mas não está aí escrito."
"Eu sei ler. Sei que não está aqui escrito. Mas eu sei-o de cor. Não pode verificar no computador?"
"Tem de ter um comprovativo das finanças."
"Mas a este CC só pode corresponder um NIF...E tenho o passaporte..."
"Tem de trazer um papel das finanças."
"E onde ficam? E posso manter a senha de atendimento?"
"Se chegar depois das 16 já só atendemos quem cá está dentro."
"Mas isto não tem jeito nenhum! (e muita outra refilice) O senhor desculpe, mas é quem está à minha frente..."
"Por mim...está a pedir-me desculpa? Eu ouço muito pior. E, não é nada comigo."

Afinal tudo se resolveu, graças a um amigo que liderou a questão, ouvindo a refilice, conduziu o carro por entre ruas e ruelas de Leiria, a tempo de voltar ao IMTT com «um print» (sic) de um registo das Finanças.
E com sítios muito melhores que ele teria para passar a primeira segunda feira sem aulas!
Graças a Deus no caminho de regresso havia uma pastelaria que tinha umas bolas de Berlim que fazem bem à maior parte dos desgostos e das irritações.

Páginas da vida de uma cidadã portuguesa.

Insetizada

E quando de formigas passamos a baratas tontas, entre os diversos organismos que passam novos documentos, continuamos a sentir-nos insetos, minúsculos, pisáveis, pisados.

domingo, 1 de abril de 2012

Sem título

Quando eu era pequena, numa infância sem entreténs eletrónicos, durante o Verão passava muito tempo a observar o carreiro de formigas que se formava no degrau de pedra castanha que separava a cozinha da pequena marquise que, em casa da minha avó, era o acesso à casa de banho e ao quintal.
Entediada com as longas férias divertia-me a molhar com um pouco de água o carreiro das formiguinhas que, durante uns segundos ficavam desorientadas até que a água secava e elas retomavam o seu curso normal, umas atrás das outras, num plano delineado com mestria e certamente pouco contestado. Era um bocadinho cruel...mas não muito e fascinava-me a capacidade que os pequenos bichinhos tinham de recuperar o normal curso da sua vida.
Tenho pensado muito nisto, crendo que, lá por cima, alguém, talvez entediado, resolveu molhar com água o meu carreiro e ficar a ver-me desorientada, esperando, sem grande crueldade, que eu saiba recuperar o meu percurso normal.
Eu tinha um esquema muito bem planeado para estes tempos de suspensão da atividade letiva, de pausa aproveitada para outras tarefas que aguardam disponibilidade: tudo encaixava perfeitamente, numa sequência lógica, apertadinha que, se cumprida, me deixaria muito feliz e realizada.
Estava tudo a correr bem. A viagem de expresso e de comboio foi muito bem aproveitada a construir o powerpoint adequado à comunicação de sexta-feira. De tarde já tinha sido feito o necessário upgrade do visual (que falar em público merece uma atenção especial a certos pormenores) e o tempo estava à conta para chegar à casa citadina de familiares, comer uma sopinha quente e beneficiar de equipamento alheio para compor os slides já decididos.
A satisfação devia transparecer-me do olhar, talvez a confiança, ou a credulidade de quem segura simpaticamente a porta para o rapaz que no meu encalce faz menção de entrar no prédio.
A forma como ilustrou o gesto de pegar na minha pasta preta com a frase "Se gritas, morres" foi de facto inesperada.
Ninguém pode dizer que sabe como vai enfrentar uma coisa destas! Eu ainda estou surpreendida comigo. Fiz tudo para segurar a pasta: o meu trabalho, terminado há pouco, necessário para o cumprimento do compromisso do dia seguinte, que era, afinal, a razão da minha presença ali, àquela hora, no dia em que a rua estava pouco povoada em detrimento da vasta assistência aos écrans do jogo do Sporting.
Respondendo-lhe no mesmo tom "por tu", troquei a pasta pela mochila: Eu dou-te o dinheiro, leva o dinheiro.
Achava eu que ele esperaria que eu retirasse a carteira da mochila.
Saiu com tudo o que trazemos na mala diária (e é tanta coisa, meu Deus!) deixando-me então consciente da minha impotência e do meu desespero, da injustiça de toda a situação.
E então gritei, gritei a plenos pulmões, ignorando o aviso - e ele tinha sido bem explícito e repetido mais que uma vez: Se gritas, morres! - gritei muitas vezes a palavra 'Socorro'. E eu nunca tinha acreditado que de facto alguém se lembrasse de gritar Socorro!
Ele voltou para trás, furioso, agressivo, ele tinha sido bem explícito e eu estava a desobedecer-lhe (Gosto de pensar que está a reequacionar a carreira escolhida, por constatar a falta de autoridade ou, num cenário mais atroz, que decidiu silenciar de facto os próximos visados, e aí não gosto tanto, claro: tudo isto é assustador). Só então me apercebi do perigo, da estupidez, dos avisos, que no Brasil são ainda mais fortes do que aqui: Nunca resistir ao ladrão!
Fechei-lhe a porta na cara.
Foi o meu momento de glória: Fechei-lhe a porta na cara e continuei a gritar, mais por vingança do que por acreditar na eficácia.
O único efeito foi assustar toda a gente do prédio que, obviamente, não podia fazer nada.
Pedi desculpa, muita desculpa, desci a escada, já escoltada pela família.
------------------------------------------
A sexta feira decorreu normal. Fiz tudo o que tinha de fazer, mas tudo o resto se desmoronou: as tarefas, a partida para longe... A facilidade com que nos movimentamos na vida depende do conteúdo da mala diária.
Só ontem, já em casa, comecei a recuperar o equilíbrio, a aperceber-me do perigo, das implicações de tudo isto (e esperemos que não haja outras, que os meus documentos andam agora por aí).

As lágrimas já tentaram lavar o desespero, o desamparo.

Voltam à cabeça imagens esquecidas. Afinal, não estavam esquecidas! Como daquela vez em que te contei ao telefone que quase tinha ficado debaixo de um camião com o meu carro, numa manobra estúpida e errada. Reencontrámo-nos dois dias depois num MacDonald's. Abraçaste-me muito e disseste que eu tinha de ter cuidado, porque não me querias perder.
Fez-me falta esse abraço (um abraço desses) até me lembrar que depois me perdeste por iniciativa própria e nunca deste parte aos perdidos e achados da polícia.
Ter-me-ia feito falta um abraço desses e uma falsa promessa? Não. Basta-me saber que essas coisas existem fora dos filmes, que os filmes existem na vida real, que se grita socorro, que se sua medo, que se chora desespero, que se respira injustiça...que se recupera o carreiro quando a água das lágrimas seca e se percebe que o sol nunca deixou de brilhar.

A estatística do jornal deu-me o consolo de que ser assaltada não é uma falta de competência, não é uma marca de vergonha: Os crimes por esticão aumentaram não sei quantos por cento em Portugal...Afinal, pode fazer-se o quê? Nada. Os herois estão todos mortos, os ladrões sempre existiram e, para isso, os roubados também.
A vida seguirá normalmente depois desta experiência.
Os planos continuarão a ser feitos, mas com um sentido mais relativo: alguém pode, de maneira inesperada, deitar água no nosso carreiro e ficar a ver-nos - desejavelmente de maneira não muito cruel - recuperar o rumo.
E, talvez, aprender com isso.