sábado, 31 de dezembro de 2011

Este ano...

Sei que é um dia como os outros, sei que nada distingue (do ponto de vista objectivo, físico) estas horas que marcam o fim de um ano e o início de outro de todas as outras que passamos ao longo de cada ano, mas também sei que o Homem ( e a Mulher, ainda mais) vive de coisas que não são só concretas: são simbólicas. E que esse simbolismo é tão concreto para certas pessoas que se torna numa coisa real, palpável quase.
É mais um dia, eu sei.
Mas não é um dia qualquer: é uma oportunidade. De começar de novo. Pode ser tudo outra vez ou um pretexto para inovar.
Eu sei, pode parecer ridículo, mas esta época enche-me de esperança e de entusiasmo.
A festa está marcada, a mesa reservada, as passas compradas, os desejos pensados...Junto à porta estão vários sacos com coisas que quero estrear amanhã - este ano, surpreendentemente para a casa: relógios, tapetes e louça, marcam uma nova roupagem para 2012. A minha casa vai assinalar "A Virada".
Necessariamente sou pessoa de fazer o balanço do ano que agora termina.
Este ano foi um ano de conclusões. Conclusões a que cheguei. Conclusões de coisas começadas, conclusões de coisas percebidas. Foi talvez um ano de finalização, de fechos, de arrumações, de vitórias (grandes vitórias!) e becos sem saída ou cuja saída lógica é concluir pela inversão de marcha ou talvez (muito mais do meu agrado) esclar a parede e enfrentar todo um mundo novo do outro lado.
Preciso que este ano seja um ano de novos começos.
Olho à volta: a música de Natal toca aos berros na aparelhagem, o telemóvel, que está a carregar para ter energia toda a noite, agita-se de quando em quando, para assinalar a chegada de mais uma mensagem dos que se lembram de mim. E são tantos, caramba! Agradeço mentalmente todos os amigos que fui fazendo e mantendo ao longo da vida. Alguns perdi-os, mas muito poucos, felizmente.
A minha gata repousa em cima do artigo sobre o arquivo de Eduardo Lourenço. De vez em quando levanta a focinho para mim. Faço-lhe festas, vaidosamente, apreciando como fica bem uma mão de unhas vermelhas sobre o pelo preto de um gato, perdão, uma gata.
A vida segue daqui a pouco, mas com outra força: a força de m recomeço, de uma renovação, de uma oportunidade, de um pretexto, que espero saber aproveitar.
Feliz Ano Novo!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Tempo de Decisões

"Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas

Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

 Não posso adiar o coração"

António Ramos Rosa

colhido em [poedia] s/ título

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"- muito bem, crianças, intervalo de meia hora! sintam-se livres para fazerem o que quiserem !
- professora?
- sim?
- o que eu quero fazer?"


J.R.Lima in http://miniminimos.blogspot.com/

Chorar, com propriedade

Às vezes penso que o facto de chorarmos ao ler um livro ou ver um filme, depende mais da nossa vontade de chorar do que daquilo que lá está escrito.
Procurei um livro de Alice Vieira que tinha visto há meses nos escaparates e comprei-o ontem, já tarde, num centro comercial.
Hoje tenho dia inteiramente livre! Livre, de todo. Sem qualquer compromisso.
(Claro que tenho de limpar e arrumar, espreitam papéis e sobejam roupas a precisar de escolha, mas, para além de estender uma roupa que a máquina lavou durante a noite, hoje nada ficará por fazer, porque não há nada para fazer).
O sol brilha lá fora, iluminando muito as folhas que ainda persistem nas árvores e apetece-me imitar a roupa e colocar-me ao sol, a beneficiar do sol, no imenso terraço que comprei, quando percebi que trazia um pequeno apartamento anexo e dava para dormir de noite depois de tomar sol dia fora.
Coloquei em cima da mesa o Jornal de Letras e o livro de crónicas de Alice Vieira.
(Podia ter lido o JL na biblioteca pública, mas, comprá-lo, ostentá-lo debaixo do braço...reconheço que é uma vaidade que procura convencer-me - a mim e ao mundo - de que sou uma intelectual).
As crónicas de Alice Vieira são sempre de uma veracidade desconcertante. O texto parece ser de uma mulher como nós próprias, de alguém que sabe transmitir para o papel uma vida simples e verdadeira.
De repente, a despropósito, as lágrimas omeçaram a correr. Acho que foi no texto do Pai Natal, depois no dos amigos, na festa de fim de ano do Diário de Notícias, até no da camisola verde, que só poderia despertar um sorriso.
As lágrimas rolaram por muitos textos fora. Mesmo nas crónicas do JL, mesmo nas sugestões de leitura.
Acabei exausta e feliz. Como se chegasse a casa depois de um exercício revigorante.
Precisava tanto de chorar! De ter tempo para chorar.
As revistas não falam disto: alongam-se em artigos sobre o tempo de sorrir, de nos mimarmos, de nos divertirmos, de encher a nossa vida de actividades frenéticas e estonteantes...
Pois eu só precisava de tempo para estar, para olhar para as letras, para me sentir em casa e chorar.
Por vezes penso que o riso está sobrevalorizado. Desconfio de pessoas que sorriem muito, como se tivessem pintado um sorriso no rosto a despropósito, ou fossem surdas e não estivessem a acompanhar a conversa, ou fossem parvas, ou ignorantes, como aqueles todos que continuámos com os auscultadores sem som a ouvir a comunicação dos suecos, depois de ter terminado o turno da tradução simultânea naquele longínquo congresso internacional sobre cultura. Tenho pena das pessoas que soltam gargalhadas estridentes durante festas inteiras: não podem ser sérias. A sério, ninguém tem vontade de rir assim, todos os dias, as festas todas, ano após ano, que nos encontramos...
Também não tenho paciência para as pessoas que choramingam. Até o verbo parece um diminuitivo desgraçado de uma acção a sério: choramingar, mingar, minguar, diminuir, ficar pequenino ou sinsignificante, ou irritante, ou liliputiano agarrando-nos por um um tornozelo, montado no nosso sapato, choraminguando o nosso dia a dia...
Já chorar a sério é um exercício de respeito. Grossas lágrimas brotam do fundo de nós, sacodem o pó dos dias, limpam as alergias recorrentes. Porque choro assim? Não sei. Mas sabe-me a ritual de purificação. Como o chá de Hipiricão do Gerês depois dos excessos das festas, como os abdominais, tentando limpar a banhita teimosa de filhoses e batatas fritas, como afirmar que estou viva e me recomendo para lá do torpor dos dias cheios de pequeninas irritações, de sorrisos falsos e de mesuras, de revirar de olhos contidos no cruzar quotidiano com aqueles que partilham connosco títulos de que os achamos imerecedores. E que dores! São dores quotidianas, arrumadas em caixas insonorizadas, mas que afinal estão cá todas.
Este primeiro período lectivo foi extenuante! Centenas de crianças a que lecciono só uma vez por semana, dúzias de testes e trabalhos que me ocuparam as noites todas, para quase não ter tempo de exprimir nas reuniões a minha opinião, porque tínhamos de preencher o impresso A e agrelha B, não nos esquecermos do plano de recuperação, de rectificar os sumários, que a inspecção do ano anterior viu a nossa incompetência nos que se esqueceram de cortar a caneta o quadradinho das faltas nos dias de casa cheia. Como pode um professor ser tão incompetente - ainda por cima sabendo que está a ser avaliado! - mesmo inconsciente e não cumprir uma das suas obrigações primeiras para com o saber? Escrever o sumário, assinalar as faltas ou indicar a ausência delas. Ah! Sentimo-nos agora muito mais competentes! Agora que sei que é mais importante assinar o sumário que dar a aula, preencher o impresso que ouvir a criança, ou escrever num quadradinho a actividade que se fez, mesmo que não se tenha feito.
Tanta competência e convivência reprimida tinha de sair por algum lado. As minhas lágrimas grossas vinham escuras, como a água das torneiras que estão muitos dias por abrir. Precisava tanto de chorar. Precisava tanto de limpar, de saber que sou dona das minhas lágrimas, do meu silêncio, da minha força de existir. Assim, sozinha, num espaço sem obrigações, numa tarde sem impressos para preencher. Sozinha, com a emoção de estar sozinha, de poder ser eu, de não ter de fingir, de poder não cumprir, de me cumprir só a mim. A mim, dona do meu ser, da escolha dos livros com que quero chorar, das letras que quero ler, dos autores com quem me quero partilhar. Sem dar explicações. Sem ter explicações, nem para mim própria.
Ter um dia para existir assim, é de viver e chorar por mais.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Afinal o tempo não cura tudo.

Há 39 anos atrás pensávamos retomar a vida normal depois de um Natal «na terra» quando a morte desceu sobre a minha família, forrando de luto os anos que se seguiram.
Procurei uma memória bonita da minha infância e tropecei de ouvido na única música de Natal francesa que conheço. Tinha o disco, este mesmo disco, só que com uma capa ligeiramente diferente: uma menina loirinha ajoelhada diante do presépio. Tão igual a uma das poses das fotos de Natal lá de casa, que recebi o disco pela semelhança. Ouvi-o muitas vezes. Gostei de o encontrar no youtube e de recordar que a cachopa - que deve ser cienquentona agora - se chamava Patricia Patoune.
Falava de uma mãe natal e encaixava bem no tempo em que a palavra pai (mesmo que natal) me soava sempre a ausência.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Chegou o Inverno! Feliz Natal!


Para todos os meus amigos e conhecidos que por aqui passam e para todos os que por aqui passam e queiram aderir à categoria de amigos e conhecidos, desejo Boas Festas.

De todo o coração.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Balada da Neve

Confesso que não me lembro de ler a Balada da Neve na Escola Primária.
Comecei-a ainda de bata branca, separada dos meninos por um muro de cimento, pouco antes da explosão vermelha de cravos que fez cair o muro e as batas em farrapos de tempo passado.
Ou não li, ou não me lembro.
Recebi-o na versão massacrante e jocosa de Herman José e percebi que era algo de assimilado para quase todos os escolarizados.

Mas hoje, ao ouvir a notícia de que grande parte das escolas vão servir refeições nas férias do Natal de forma a assegurar a alimentação às crianças mais desfavorecidas, resolvi procurar o poema completo. Não me saía da cabeça - desde a notícia ouvida no rádio - a frase "Mas as crianças, Senhor. Porque lhes dais tanta dor?"

Encontrei-o então, dito numa voz da minha infância. Uma voz que comentava os desenhos. Eram uns desenhos fabulosos. Traçados rapidamente, sobre um papel transparente, assim, à nossa frente, corriam os traços que ilustravam a história que a Voz contava. A preto e branco. A espaço e traço, a história era construída em directo, num acto mágico que marcou a minha infância.

A minha infância onde o frio que entrava pelas frinchas das grandes janelas com portadas de madeira nunca se assemelhou às privações que as crianças da balada da neve e das cantinas das escolas portuguesas neste inverno estão a passar.

Não sei porque o poema ficou tão mal-visto! Tirando a referência religiosa aos pecadores (que considero um pouco obsoleta, mas perfeitamente dentro do espírito da letra na sua época) acho a Balada tristemente adequada à notícia de hoje, da necessidade das escolas manterem uma refeição quente e completa durante as férias, pois essa será, para muitos meninos, a única refeição do dia.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Nostalgia de Natal 2

"Presépio de lata" de Rui Veloso e Carlos Tê, "para crianças que não podem ser meninos" (alusão à dedicatória do livro Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes "Para os filhos dos homens que nunca foram meninos")

Nostalgia Natalícia

Palavras trazem imagens, ilustrações dos nossos pensamentos...
Se é certo que os universos virtuais nos abrem possibilidades imensas de pesquisa, continua a ser insubstituível a sensibilidade, a imaginação...o carácter único de cada um de nós para atribuir a imagem certa àquela palavra!
Imbuída da nostalgia natalícia e desperta pelo último comentário para a sensatez das palavras de Carlos Tê, fui procurar esta música e deparei-me com esta sequência magnífica de imagens.



"Amanhã, eu sei, já passa
mas agora estou assim
hoje perdi toda a graça
não queiras saber de mim..."

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Lembrete

"Não deixes portas entreabertas
Escancare-as.
Ou bata-as de vez.
Pelos vãos, brechas e fendas.
Passam apenas semiventos.
Meias verdades
E muita insensatez."


Flora Figueiredo

domingo, 11 de dezembro de 2011

"Show de Bola!": A Filosofia na Ribalta

Muita sabedoria, muito humor.
Palavras precisas, em dois sentidos: porque ditas com precisão e porque são necessárias.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

"Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida"

Pablo Neruda

terça-feira, 6 de dezembro de 2011

:-))

"- Que dia é hoje, professora?
- Antevéspera do feriado de dia 8.
- Hã?"

Mas há a vida

Mas há a vida
que é para ser
intensamente vivida,
há o amor.


Que tem que ser vivido
até a última gota.
Sem nenhum medo.
Não mata.

Clarice Lispector (1920-1977)

domingo, 4 de dezembro de 2011

Declaração de Interesse

Adoro o meu sobrinho!
Adoro os meus alunos!
Adoro Portugal!
Talvez por isso sofra tanto...

No balanço positivo possível é louvável a existência de dois testes Muito Bons, na turma de 26 alunos que me ocupou este fim de semana; e da esperança na positiva do meu sobrinho.

A Esperança existe - também era essa a mensagem de Mensagem - mas um Inpério da Língua Portuguesa com tais súbditos? A minha Esperança está definitivamente casada com o Cepticismo.

"Senhor, falta cumprir-se Portugal"

O fim de semana foi passado entre a leitura dos testes dos meus pequenos de 8º ano e a tentativa de ajudar o meu sobrinho - aluno de 12º ano - a estudar Mensagem, de Fernando Pessoa. O grande problema é que o meu sobrinho não gosta de ler e, logicamente, tem muita dificuldade em interpretar.
Sofridamente lá íamos avançando nas questões pessoanas...
Paralelamente, eu constatava que a maioria dos meus alunos não conseguiu resolver de forma satisfatória a questão que pedia a leitura de um documento (que está no manual e que lemos todos juntos na aula) sobre a crise do século XIV e a identificação da «pestilência» referida no documento como causadora da morte de dois terços da população de Coimbra. Da guerra à fome, passando pela crise económica, dois terços sucumbiram - de facto - sem conseguirem identificar a Peste Negra.
Foi duro, este fim de semana!
E o pior de tudo isto é que também me sinto culpada, ao fazer parte desta sociedade, que não exige, que facilita, que tenta atapetar o caminho dos meninos...deixando alastrar a Peste da ignorância, que a breve trecho se traduzirá na Peste da inoperância.
Dramático é acreditar que vão ser estes miúdos que vão ler as prescrições do médico sobre a minha saúde quando eu estiver no lar.
Chegará alguma vez a cumprir-se Portugal?

sábado, 3 de dezembro de 2011

Para os meus caros amigos, como justificação das ausências

"Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita


Aqui na terra 'tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol


Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta


Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que, também, sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão"

Meu caro amigo, Chico Buarque

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

As Pessoas Sensíveis

"As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."

Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem."

Sophia de Mello Breyner Andresen   (Livro sexto)

sábado, 19 de novembro de 2011

Pós-democracia?

"O que está hoje em jogo no apodrecimento imparável da crise do euro já não é a sobrevivência de uma moeda nem mesmo a sobrevivência da integração europeia. É a sobrevivência da democracia.
(...)

Refém da irresponsabilidade da ganância, a Europa não hesita em acolher governos ilegítimos e em adoptar como seu o discurso de que o voto do povo é um empecilho para "o que tem de ser feito". Esta Europa tem medo da democracia. E só a democracia pode resgatar a Europa."
José Manuel Pureza, no DN de ontem.
Um texto "aterradoramente" bom que deve ser lido na íntegra.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Os Professores

"O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita."
Isto é só o princípio. O texto (magnífico, na justiça de que nos cobre, no bem que nos faz) de José Luis Peixoto está a salvo aqui ao lado, no Salvo Seja!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Inquietação

"A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes


São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha


Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas
Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho


Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda"
 
José Mário Branco

domingo, 13 de novembro de 2011

Alerta Laranja

"Quando os ventos da mudança sopram, uns constroem muros, outros, moinhos de vento."

Érico Veríssimo

sábado, 12 de novembro de 2011

Mitologia

"Os deuses, noutros tempos, eram nossos
Porque entre nós amavam. Afrodite
Ao pastor se entregava sob os ramos
Que os ciúmes de Hefesto iludiam.


Da plumagem do cisne as mãos de Leda,
O seu peito mortal, o seu regaço,
A semente de Zeus, dóceis, colhiam.


Entre o céu e a terra, presidindo
Aos amores de humanos e divinos,
O sorriso de Apolo refulgia.

Quando castos os deuses se tornaram,
O grande Pã morreu, e órfãos dele,
Os homens não souberam e pecaram."

José Saramago  (1922-2010)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Busca

"Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam “é por ali” ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado."
ana hatherly : tisana 374

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Amostra sem valor

"Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.


Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.


Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo."

António Gedeão

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"Não procure alguém que te complete...Complete a si mesmo e procure alguém que te transborde."

Clarice Lispector

Uma Anedota (das primeiras que se aprendem)

Duas formigas japonesas encontram-se no meio da rua.
- Olá. Como te chamas?
- Fu
- Fu, quê?
- Fu Miga. E tu?
- Ota
- Ota, quê?
- Ota Fu Miga

domingo, 6 de novembro de 2011

Insubmissa

É uma palavra que eu quero guardar.
Talvez um dia necessite de a recordar.
Hoje de manhã, ouvi de novo o conselho (da uma décima pessoa, creio) que me incita a ir ao médico e a tomar uns antidepressivozitos, para acalmar, facilitar a integração...
E quando eu digo que não sou eu que estou errada e não tenho por isso de ser eu a relevar as coisas, as pessoas reforçam o conselho.
Talvez um dia tenha de ceder.
Talvez possa depois vir aqui recordar a minha vida anterior. Ou a minha vida, não dominada por drogas que me criem um espírito submisso ou me façam ver borboletas e passarinhos nas margens dos memorandos castradores.

sábado, 5 de novembro de 2011

Não há melhor mordaça que um cheque

O riso inteligente, que resulta de uma análise clara e independente de uma situação e que nos faz ver o ridículo de quem tenta meter-nos "Lisboa pelos olhos dentro" nunca é bem visto por quem manda.
Quem manda quer ser obedecido. Ponto.
Quando se pensa, se questiona, se reflecte, obedecer nem sempre é fácil, por vezes é mesmo impossível.
Numa Democracia a atitude deveria ser essa: obedecer - ou melhor, respeitar e cumprir (e as palavras são sempre significativas) - mas fazendo uso da capacidade de racicínio e usando o direito de intervenção nos locais apropriados para mudar o que está mal.
A Democracia dá muito trabalho. Dá trabalho a quem dirige, porque tem de explicar o que faz e saber aceitar as críticas; dá trabalho a quem cumpre, porque tem de pensar e decidir, envolvendo-se e fazendo por vezes parte da solução.
A crítica sempre está presente na sociedade. Mas há diferentes tipos de crítica: pode ser a crítica queixosa, estéril, puramente de chamada de atenção; pode ser uma crítica positiva, no sentido de apresentar as razões reflectidas da crítica e propôr, em simultâneo, perspectivas de solução, de mudança, de intervenção/partticipação de quem critica. Esta é uma crítica informada.
Este último tipo de crítica sempre beneficiou do trabalho dos humoristas. Um bom humorista é um crítico. Alguém que, pegando no lado caricatural das coisas, nos leva a ver os aspectos ridículos de certas situações. Uma boa crítica humorística consegue por vezes desmontar toda uma estratégia que visaria levar a opinião pública a aceitar certas coisas.
Esta é, a meu ver, uma boa forma de informação e intervenção na vida democrática.
Claro que não é admissível numa ditadura.
Em ditadura os humoristas eram controlados, perseguidos, por vezes eliminados.
Nesta democracia, que é muito diferente do meu conceito de Democracia, porque visa levar as pessoas a aceitar a omnipresença das decisões baseadas no capital e nas necessidades do capitalismo e dos capitalistas, o humor estava a incomodar muito. Mas não se pode eliminar. Não seria democrático e poderia até ser denunciado e dar mau nome a esta espécie de democracia.
O que se faz então? Aquilo que o capitalismo sabe fazer de melhor: compra-se!
São óbvias as "incorporações" por empresas públicas das poucas vozes inteligentes do humor português: Os Gato Fedorento estão ao serviço da PT, os outros constituiram recentemente "a Troika" ao serviço da CGD.
Os dinheiros públicos asseguraram o conforto dos humoristas, acalmaram a sua sede de crítica, eliminaram as suas vozes informativas. Principescamente pagos, estes humoristas desistiram do seu papel, vendidos à sociedade capitalista e ao poder do capital.
Devido ao empobrecimento da educação (que voltará a médio prazo à ditadura dos conteúdos, absorvidos para serem vomitados em exames dos conhecimentos estruturantes que levarão o país a um lugar decente nas estatísticas internacionais) e ao esgotamento dos trabalhadores (assoberbados por burocracias e assediados pelo medo do despedimento) em breve não se notará, em Portugal, a falta da crítica humorística.
Claro que o humor não desaparecerá: isso poderia soar a ditadura! Mantem-se uns quadros boçais e os programas de gargalhada fácil, nada que estimule o pensamento e possa despertar consciências.
Sai caro, mas evita críticas, acalma os ânimos, satisfaz a população e é um bom uso dos dinheiros públicos. Silenciando toda e qualquer oposição - que se cala voluntariamente - o capitalismo sai, mais uma vez vencedor, provando "que todo o homem tem um preço" e que, em liberdade, não há melhor mordaça que um cheque. Assim, o que foi passado ao humor português foi um cheque-mate!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Tu,

que massajas egos com os polegares..."

(frase de uma publicidade a um telemóvel)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quando eu morrer...

"Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa


que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me


a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor."

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sangue Frio

"Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca sangras quando sofres
Guardas a dor dentro do cofre
Se alguém decifra o segredo
E se pica no teu ferrão azedo
Tu lambes-lhe o sangue do dedo
Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca ficas transparente
És daquela raça tão rara
Que tem no olhar o gelo quente
Se alguém te atinge o coração
Aguentas o baque
De frente
E sentes uma oscilação
Defendes-te com uma paixão competente
E encarnas tão impunemente
A pele de um animal de sangue quente
Que ama a sangue frio
Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca ficas transparente
És daquela raça tão rara
Que tem no olhar o gelo quente
Gelo quente
Quente e frio"

Clã, letra Carlos Tê

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Estou a ver-me grega com isto

Então...isto não era uma Democracia?
Então...numa Democracia, quem manda não é o Povo?
Então...o referendo não é um instrumento de consulta do Povo, usado numa Democracia, para, precisamente, poder auscultar (e depois executar, espera-se) a vontade e os sentimentos do Povo?
Então...afinal, quando a resposta do Povo pode não ser favorável aos interesses económicos, a vontade do Povo não se deve perguntar?
Então afinal quem manda aqui?
G20?!? Quem lhes deu o direito de falar por nós? Para nós? Sobre nós?...

Na Grécia...o berço da Democracia, que se dizia a essência do mundo ocidental contemporâneo!

Abano, mentalmente, a cabeça, escandalizada, horrorizada, indignada, inconformada...

E o Papandreos vai levar tau-tau! A portar-se mal? Assim? Sem autorização de quem manda? Sim, porque quem tem o dinheiro é que manda. Vão "obrigá-lo a aceitar a ajuda". Será que não se nota nada de errado nesta frase? Pobres e mal-agradecidos, os gregos! Mas será que os pobres têm de ser sempre agradecidos? Humildes? De cabeça baixa? Afinal onde é que está aquilo que se chamou, em tempos, soberania nacional?

Estamos todos a ver-nos gregos, de facto. Nunca a expressão me tinha parecido tão apropriada!

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Para Escrever o Poema

"O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.


O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.


Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.


Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.


Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.


A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.


E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.


E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito."

Nuno Júdice
O mimo faz tão bem!...

sábado, 29 de outubro de 2011

2011: Ano Europeu do Voluntariado

"- (...) Também foram os monumentos religiosos que chegaram até nós, porque as pessoas cuidam do que é religioso, porque é importante para elas. Por exemplo, o Mosteiro de Alcobaça é um monumento (património mundial, até) mas é um espaço religioso activo: as pessoas vão lá à missa, à catequese e há lá cerimónias como casamentos, baptizados e funerais.
- Acho que funerais...
- Funerais não!
- Há sim - insisti - Mas são só funerais de pessoas muito importantes...
- Pois foi. Saiu de lá também aquele bombeiro que morreu...
- Mas o bombeiro não era importante. Eu até o conhecia...
Gerou-se uma pequena discussão àcerca da morte e funeral do bombeiro, que eu deixei seguir, como um espaço de descompressão em que vários podiam participar. De súbito emergiu das vozes a frase - Tu não vês que um bombeiro é sempre importante? Um bombeiro é voluntário!
Fez-se silêncio em torno da voz dele.
Aproveitei e falei do carácter humanitário dos bombeiros, da importância do voluntariado e de que um bombeiro morto em serviço representa toda a corporação.
Enquanto explicava, retomando as rédeas da aula, reparei melhor no autor da afirmação: o puto reguila do ano anterior é agora um jovem com voz forte e uma cova no queixo que lhe dá um ar seguro e convencido. Que impõe respeito e admiração.
A minha já tem!"

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As Regras

E dizia-lhe eu, a propósito de uma qualquer contestação:
- Mas tu não vês que tens de cumprir as regras? As regras são para cumprir. Podemos discordar delas, mas não podemos deixar de as cumprir, sob pena de perdermos a razão...
Olhou-me nos olhos, com a expressão desafiadora de um jovem de 15 anos. Tinha crescido muito nestes três anos que vinha sendo meu aluno!
- Olhe, por acaso eu acho que tenho aprendido consigo é que muitos dos que foram importantes e mudaram isto para melhor, foram os que decidiram não cumprir as regras.

Discutimos sobre as diferenças entre Ditaduras e Democracias, do papel do correcto cumprimento das regras nas sociedades democráticas...mas o estrago estava feito: ele tinha atingido profundamente o meu coração porque me provou
  • que tinha aprendido algo comigo;
  • que percebera o que eu penso da História e dos momentos de ruptura e dos seus protagonistas.
Tínhamos dado as Revoluções Liberais no princípio do ano e, pelos vistos, o fim do Antigo Regime tinha sido compreendido como a fundação da contemporaneidade, com tudo o que isso teve de transformação para as sociedades ocidentais.

E não sabia ele (ou saberia sem saber?) que um dos problemas que eu coloquei aos formadores de Desenvolvimento Pessoal e Social foi: "Como é que acham que eu os vou convencer da necessidade absoluta de cumprir as regras e as ordens, se, de facto, os meus heróis são os que não se deixaram iludir por regras injustas e pensaram pelas suas cabeças, pelos seus critérios? Como lhes posso negar a grandiosidade da condição de proscrito de Robin dos Bosques?

Se calhar não posso mesmo!

Não fiquei convencida com a resposta "politicamente correcta" dos meus formadores. Nunca me atrevi a falar de Robin dos Bosques nas aulas. Mas duvido agora que os meus heróis não espreitem por cima do meu ombro durante as aulas e façam sinais aos meus alunos. A alguns, claro.

O que eles me ensinam

Pensei em criar outro blogue dada a importância do tema. Mas, sejamos sinceros, eu já nem vou tendo muito tempo para este...de que me serviria criar outro? Seria um passo mais para a desmotivação, o sentimento de culpa por não estar a cumprir os meus objectivos e poderia até dispersar os fãs :-)
Mas o tema é de facto muito importante, ou vai sendo cada vez mais importante para mim, como uma bóia de salvação nas águas agitadas de uma profissão docente que se afunda em estatísticas e burocracias, para tentar responder aos ditames de uma crise criada e alimentada pelo capitalismo...Tudo isto tão contrário ao espírito das Ciências Sociais e Humanas, o barco em que eu ingressei nesta viagem, há muitos anos atrás e que vais sendo desconsiderado nesta corrida pelo lugar nos rankings de critérios que não interessam «nem ao Menino Jesus».
(Usava-se muito esta expressão lá em casa e eu nunca percebi se era porque, sendo o Menino Jesus uma criança e como tal curiosa, se não lhe interessava a Ele não interessaria a ninguém ou se, dada a inteligência de Jesus, se não lhe interessava a Ele não seria de todo interessante para nós, seus seguidores).
Surgiu-me a expressão como adequada pois que também do que interessa aos meninos, ou de uma visão muito particular dos jovens e das crianças, trata este "subtema" que quero introduzir por aqui: o que os alunos me vêm ensinando!
Sabemos que circulam pela Internet - e até já em livros publicados - as asneiradas dos alunos, mas onde estão as palavras deles que nos admiram? ou nos fazem admirá-los?
Dia a dia encontro bálsamo para a vida nas horas lectivas. Vale a pena ensinar! Não tenho a menor dúvida. Mas o que me fascina, me encante, me enternece, me espanta e me cativa, é o que vou aprendendo e recordando com eles.
Por vezes penso que os professores encontraram a tão procurada fonte da juventude. Nós - se quisermos, e só se o soubermos fazer - estamos sempre a aprender (ou a não esquecer) o que é ser jovem.
A indignação, a ingenuidade, a genuinidade dos sentimentos, está ali, à nossa frente, a interagir connosco, a lembrar-nos que, apesar de nós estarmos a ficar velhos, a juventude continua a fluir incessantemente no mundo, com as suas inquietações, as suas urgências, os seus desesperos e a sua vontade intrépida (e crédula) de mudar o mundo.
A hipótese de mudança, de redenção, de salvação, de continuidade, está ali sentada, à nossa frente, e tem voz e ideias e interrogações que precisam ser respondidas.
É mais fácil fazer perguntas que dar respostas e esse, penso eu, é o maior desafio da Educação. Ensiná-los a fazer perguntas e ajudá-los a procurar as respostas.
Mas, algumas vezes (e não são muitas, não, mas por isso é que é preciso guardá-las por aqui) são eles que nos dão as respostas, que nos mostram os caminhos, que nos mantêm viva a esperança.
A ideia então - numa nova etiqueta deste blogue que guarda palavras - é assinalar aqui as palavras dos alunos que se vão constituindo bálsamos e ensinamentos para a minha vida e por vezes o leme que me recorda por que entrei neste barco e porque vale a pena mantê-lo a navegar.
"Palavra de Aluno" é então a nova etiqueta deste blogue. Espero que não resvale para o cinismo nem para a piada fácil de anunciar as suas asneiras e erros grosseiros, mas que mantenha o rumo de guardar as palavras excepcionais geradas nas novas gerações, que encaro como faróis de esperança na actual borrasca mundial.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Jogo

"Eu, sabendo que te amo,
e como as coisas do amor são difíceis,
preparo em silêncio a mesa
do jogo, estendo as peças
sobre o tabuleiro, disponho os lugares
necessários para que tudo
comece: as cadeiras
uma em frente da outra, embora saiba
que as mãos não se podem tocar,
e que para além das dificuldades,
hesitações, recuos
ou avanços possíveis, só os olhos
transportam, talvez, uma hipótese
de entendimento. É então que chegas,
e como se um vento do norte
entrasse por uma janela aberta,
o jogo inteiro voa pelos ares,
o frio enche-te os olhos de lágrimas,
e empurras-me para dentro, onde
o fogo consome o que resta
do nosso quebra-cabeças."


Nuno Júdice

domingo, 16 de outubro de 2011

Na RTP,

canal do Estado, apresentaram há pouco uma longa reportagem sobre todos os subsídios que o cidadão tem direito a receber em Portugal. Terminava com a frase "a ajuda do Estado, presente do primeiro ao último dia."
Tenho pena de ter estado distraída quando disseram tudo o que o cidadão descontava para o Estado. Mas nem quero crer que não tenham dito...devo ter estado um bocadinho distraída.

À saúde da Memória!

Tenho andado triste e preocupada com o que se está a passar em Portugal, na Europa, no Mundo.
Até aqui não parece uma grande declaração, pois o espanto ou a originalidade seria o contrário.
Mas por dever de ofício e por sentido de missão, e por um qualquer juramento de Heródoto que inconscientemente fiz há muito tempo, tenho andado particularmente preocupada com o ensino da História, com o futuro da memória das novas gerações.
Isto tem sido de tal forma grave que frequentemente ao fim do dia receio sucumbir aos maus pensamentos e ao desânimo, temo tornar-me fria e cínica neste ofício de educar consciências.
Hoje, à hora do noticiário, foi um desses momentos: sentada confortavelmente no sofá absorvia as notícias sobre as manifestações dos indignados, fustigando-me mentalmente por não ter participado, por estar quase a abandonar a esperança na força do povo, das massas, da democracia.
Hesitei, após o jantar, sobre ir ou não, ao Armazém das Artes assistir ao espectáculo intitulado “Rondó da Carpideira: Tributo aos registos etnográficos «Povo que canta» de Michel Giacometti.” Por fim lá fui, considerando que o meu apoio como telespectadora aos indignados não beneficiava ninguém.
A sala não estava muito cheia ao princípio, mas o ambiente foi-se compondo. Por fim instala-se aquela quietude que antecede «o momento». Mestre José Aurélio, o anfitrião, apresentou o espectáculo, situando-o na sua qualidade de tributo ao etnólogo italiano, que conhecera pessoalmente, que se dedicou à recolha empenhada do património etnográfico e antropológico português e cujo pretexto para o evento de hoje era a sua chegada a Portugal, há 52 anos atrás.
O Mestre abandona o palco, os músicos instalam-se, as imagens a preto e branco dos registos cinematográficos surgem projectadas nos écrans e no próprio piano. A partir daí tudo foi magia e emoção, num “espectáculo multi-disciplinar (…) servindo o vídeo como base estrutural para um concerto em que a interacção entre os músicos e os intervenientes do filme de Giacometti é primordial.”
O tempo voou a toque de emoção, pelo momento, pelo espaço, pelas evocações, pela presença do povo português todo, ali assim, convocado com firmeza pelo espantoso José Aurélio, que a dada altura do espectáculo se sentou na cadeira mesmo ao meu lado. A força que emanou daquela vizinhança restaurou-me a esperança, a capacidade de me emocionar, de acreditar…
O espectáculo terminou. Os jovens que rodearam os músicos no final (muitos deles também artistas) não conheceram Michel Giacometti, pois só o meu e mais um ou dois comentários salientaram, para além da excelência da música, a beleza da homenagem.
Dirigi-me ao bar, sozinha. Pedi uma ginja de Alcobaça e brindei, mentalmente, à saúde da memória, “que nos há-de guiar à vitória”.

Notas adicionais: As citações são do programa das actividades do Armazém das Artes para o último trimestre deste ano; parte da recolha de Michel Giacometti (sobretudo a que se refere a alfaias agrícolas) pode ser vista no Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal.

sábado, 15 de outubro de 2011

Até ao fim

"Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe."

Nuno Júdice

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O leite «achocolatado» é um bem essencial?

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A Verdade Histórica

"A minha filha partiu uma tigela
na cozinha.
E eu que me apetecia escrever
sobre o evento,
tive que pôr de lado inspiração e lápis,
pegar numa vassoura e varrer
a cozinha.


A cozinha varrida de tigela
ficou diferente da cozinha
de tigela intacta:
local propício a escavação e estudo,
curto mapa arqueológico
num futuro remoto.

Uma tigela de louça branca
com flores,
restos de cereais tratados
em embalagem estanque
espalhados pelo chão.

Não eram grãos de trigo de Pompeia,
mas eram respeitosos cereais
de qualquer forma.
E a tigela, mesmo não sendo da dinastia Ming,
mas das Caldas,
daqui a cinco ou dez mil anos
devia ter estatuto admirativo.

Mas a hecatombe
deu-se.
E escorregada de pequeninas mãos,
ficou esquecida de famas e proveitos,
varrida de vassouras e memórias.



Por mísero e cruel balde de lixo
azul
em plástico moderno

(indestrutível)"

Ana Luisa Amaral, Minha Senhora de Quê, Quetzal Editores, Lisboa, 1999: 46, 47

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Endless Jobs

Ficção: O Primeiro Queixinhas

"Segunda-feira

Este novo ser de cabelo longo é um valente impecilho. Anda sempre à minha volta e segue-me para todo o lado.Não gosto disto; não estou habituado a ter companhia. Preferia que ficasse com os outros animais. (...) Está enevoado hoje, vento de Este; acho que nós ainda vamos ter chuva. (...) NÓS? Onde apanhei esta palavra? - o novo ser usa-a amiúde." (p. 9)

Twain, Mark, Excertos dos Diários de Adão e Eva, Lisboa, Cavalo de Ferro Editores, 2007 (2ª edição)

domingo, 9 de outubro de 2011

Homo familiaris queixinhas

"Há milénios que o homem anda a inventar maneiras de salvar o Homem. Cristianismo, islamismo, hinduísmo, judaísmo, espiritismo, comunismo e mais uma longa fila de qualquercoisismos têm infindáveis propostas para elevar ao céu, ao nirvana, ao estado operário, ou ao que quer que seja, o Homem, com H grande. Já com a salvação do homem, com h minúsculo, ninguém parece estar preocupado. 
(...)
O homem moderno, caro leitor - e, sobretudo, cara leitora -, precisa de ajuda e salvação. o homem moderno precisa de mimo como nunca precisou desde que o primeiro australopiteco mostrou o nariz ao planeta, vai para quatro milhões de anos. O homem moderno precisa de um livro como este: orgulhosamente queixinhas, que a gente não é de ferro."

Tavares, João Miguel, Os homens precisam de mimo: como sobreviver a uma família e ser feliz, Lisboa, A Esfera dos Livros, Agosto de 2011 (3ª edição), pp. 9-11

Uma abordagem dos mais recentes desenvolvimentos do processo de hominização. :-)

sábado, 8 de outubro de 2011

Blow up

Tenho fotografias que provam

que nunca exististe

Pedro Mexia, colhido em http://poediapoedia.blogspot.com/

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Morreu Steve Jobs

“Ninguém quer morrer. Mesmo as pessoas que querem chegar ao Paraíso não querem morrer pra estar lá. Mas, apesar disso, a morte é um destino de todos nós. Ninguém nunca escapou. E deve ser assim, porque a morte é provavelmente a maior invenção da vida. É o agente de transformação da vida. Ela elimina os antigos e abre caminho para os novos”. Jobs, Steve (2005)

Homenageado de forma universal - até do espaço chegaram mensagens - Jobs foi comparado a Leonardo Da Vinci pelo seu carácter genial. Receia-se que seja insubstituível. Leonardo também é.

De vez em quando surgem personalidades deste calibre, por causa de quem, como disse um dia António Gedeão, "o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança".

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Alice

Acordei com o leve tossicar do coelho de peluche. Estava de pé, junto à cabeceira da minha cama, apontava com a patita para o despertador e tinha uma pequena ruga de preocupação no focinho.
- Não precisas de te levantar?
- Não, não preciso. Hoje não preciso de nada. Hoje nada é preciso! - e dei uma gargalhada ruidosa que encheu o quarto de feriado.

Um Bálsamo para a Alma

Estou a chegar do cinema. Fui ver o último filme de Woody Allen  - Midnight Paris - e venho encantada. Procurei algumas palavras para caracterizar o filme e encontrei estas:
"Thierry Frémaux, director do festival [de Cannes], considera o filme de Allen “uma maravilhosa carta de amor a Paris” e acrescenta que este “é um filme em que Woody Allen aprofunda as questões tratadas nos seus filmes anteriores: a nossa relação com a história, a arte, o prazer e a vida.”
retirado do Jornal de Notícias de 2 de Fevereiro de 2011.
Para uma geração ou duas específicas este filme é imperdível!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

A nossa Língua

"A língua singular é outra desvantagem para um conhecimento mais íntimo de Portugal. Se viajarem pela Europa, as pessoas não conseguem identificar a língua que estão a falar e muito menos o que estão a dizer. (...)
Por outro lado, esta ignorância irrita. Cerca de 220 milhões de pessoas por todo o mundo falam o português como língua nativa. Se mais pessoas falam português como primeira língua do que francês, alemão, italiano ou japonês, como é que pode ser considerada «menor»? A grande quantidade de falantes do português reside no império desaparecido: o Brasil e as cinco antigas colónias portuguesas em África, mais Timor-Leste, na Ásia. Por outro lado, os portugueses acham esta incompreensão linguística lisongeira. Fá-los sentirem-se especiais. Têm grande respeito por uma famosa frase de Fernando Pessoa: «A língua portuguesa é a minha pátria.» Adoram a forma como os estrangeiros a acham tão difícil de falar bem. Descrevem com ternura a sua língua como «traiçoeira». Tal com outros povos com línguas menos conhecidas, os portugueses desenvolveram um jeito especial para falar outras línguas. Um visitante estrangeiro safa-se bem, em geral, com o inglês, o francês ou o espanhol."
Hatton, Barry, Os Portugueses, p. 28

Novo acordo ortopédico

Hoje foi dia de preparar a caracterização da turma de que sou directora.
Processos individuais e os inquéritos que os alunos preencheram no primeiro dia são as fontes principais.
Um dos itens a analisar é o das doenças que as crianças têm.
Entre muitas dores de cabeça e faltas de vista lá estavam elas, as inesperadas, as que utilizam uma grafia nova de um qualquer acordo do foro médico. Tenho assim uma crianças com hasma e outra com imperactividade. E se a primeira se  enquadra perfeitamente num problema respiratório, quanto à segunda é imperativo que saibamos como proceder.
Assim vai este país...

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Da próxima vez

que me sentir frustrada no meu trabalho, considerando que não foi para muitas das coisas que tenho de fazer que tirei o curso e escolhi a profissão, vou pensar na Bárbara Guimarães, que depois de ter feito «Duetos Imprevistos» com o Maestro Victorino de Almeida está ali a apresentar o programa dos gordos.
Para além de uma despromoção para ela é uma suprema maldade para com os concorrentes obesos!

domingo, 2 de outubro de 2011

Será que alguma história acaba verdadeiramente?

" (...)
Alguns anos passaram sobre
a nossa história que não acabou.
A tarde envelhece e escrevo isto
sem saber porquê."

Isabel de Sá (colhido em http://poediapoedia.blogspot.com/)

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Alvaiade

Ontem estreei uns ténis brancos. Branquinhos, branquinhos, como eu gosto. Mas logo olhei para eles com tristeza pensando “Não vão manter-se assim por muito tempo. Depois vão ficar «branco-sujo», o que já não tem graça nenhuma e depois terei de comprar outros branquinhos, branquinhos.”


Depois lembrei-me do tempo em que se usava «na minha ginástica» uns sapatinhos brancos – entre os ténis e as sapatilhas das bailarinas – que contrastavam com o maillô preto da Associação Académica da Amadora, com que eu abria orgulhosamente o desfile da «minha classe». Foi há muito tempo. Tinha eu aí uns cinco aninhos e era uma criança engraçadinha e que gostava de dar nas vistas; ficava, pois, bem na abertura.

Tinha então de ter os meus ténis muito branquinhos e a minha avó cuidava bem disso. Quando achava que os ténis estavam a ficar «encardidos» (como ela dizia) punha-os num banho «de leite e alvaiade». E lá recuperavam eles, dignos da menina da abertura do desfile!

Nunca soube o que era alvaiade, mas é sem dúvida uma palavra que faz parte da minha vida, de um pedacinho recôndito desportivo que se iluminou agora.

E lá fui eu à procura para guardar: Alvaiade é então uma palavra que vem do árabe (almentar, meu caro Watson!) e que designa um pigmento branco. Existe “alvaiade de chumbo”, que é um hidroxicarbonato de chumbo, tóxico, branco, usado em pintura a óleo e “alvaiade de zinco”, um óxido de zinco, branco, usado em farmácia e em pintura como substituto do alvaiade de chumbo. Deveria ser este último. Será que ainda existe?



O que é certo é que antigamente as avós, mães e outros seres extraordinários formados em economia doméstica, se aplicavam a reciclar, recuperar e dar nova vida às coisas para evitar comprar novo. Talvez seja desses ensinamentos que estamos a precisar para poupar o planeta e a economia, para sobreviver de forma mais ecológica (ou se calhar só lógica) a esta crise da sociedade de consumo. Mais uma vez é na História – nas soluções que o homem já outrora encontrou para os seus problemas – que devemos procurar os caminhos do futuro. Eles estão lá!

domingo, 25 de setembro de 2011

sábado, 24 de setembro de 2011

«- Eh pá! Na Idade Média havia muitas feiras medievais!»

exclamou o R. ao observar o mapa das feiras medievais portuguesas que consta do manual de História.

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A esquizofrenia

pela uniformização é a tentativa desesperada - e receio que bem sucedida - de apagar a originalidade, a individualidade, a qualidade acima da média.
Será inveja, medo ou só insegurança? Mas, com as novas tecnologias e os rebanhos virtuais, está a medrar a um ritmo assustador.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Inédito?

Manoel de Oliveira registou ontem 80 anos sobre a estreia do seu primeiro filme. Tinha ele 22 anos. Começou cedo, de facto, mas...80 anos depois ainda continua.
Deviam convidá-lo para substituir o coelhinho das pilhas Duracell!

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Ensinar História

"O passado é um lugar estranho; lá fazem as coisas de outra maneira."
L.P.Hartley

domingo, 18 de setembro de 2011

sábado, 17 de setembro de 2011

E a paixão não se quantifica...

Os miúdos já chegaram!
Depois daqueles tempos horríveis, desesperantes, assustadores, em que procuramos enquadrar tudo em quadradinhos e matamos a espontaneidade pelo tédio da previsibilidade infinita, os garotos entraram na escola.
Quarta-feira a vida voltou ao espaço lavado de água, mas bafiento de ideias que é uma escola em período não lectivo.
(O que francamente me custa é como quase toda aquela gente parece acreditar na doutrina da Santa Grelha! Como se antes de haver grelhas o ensino não fosse válido. Como se tivéssemos que provar à exaustão cada atitude que tomamos...como se em tribunal estivéssemos a justificar actos).
Os que já eram meus alunos saudaram-me com alegria e os novos mantiveram uma expressão acesa de expectativa durante toda a apresentação.
Devolveram-me a esperança. Mostraram-me que afinal há um caminho.
Hoje arrumei as grelhas todas numa pasta pronta a disparar em situação de emergência e dediquei-me a ler um livro, algo de novo para ensinar que a História é um caminho constante.
Portugal; o Pioneiro da Globalização - A Herança das Descobertas, um respeitável livro de muitas páginas, escrito or Jorge Nascimento Rodrigues e Tessaleno Devezas, editado pelo Centro Atlântico, que me foi oferecido por um estrangeiro a quem, de visita a Portugal, tentei explicar o carácter excepcional dos nossos descobrimentos, que sempre considerei «a abertura ao mundo percursora da globalização» e que agora assim era reconhecida pelos estudiosos.
Confesso que tenho um bocadinho de inveja do título: gostava de ter sido eu a escrever aquilo!
Afinal é uma perspectiva muito económica - que eu não escreveria - mas parece-me um bom estudo.
No entanto trago-o aqui para registar palavras de esperança, de gratidão, que me provam que a docência é uma coisa pessoal incapaz de ficar presa em grelhas estanques de resultados matemáticos: a docência é sobretudo um trabalho humanista, de relações e interacções entre seres humanos, de um valor incomensurável e, por isso, impossível de registar em grelha quadriculada, asséptica, acabada no curto espaço de um período lectivo. Os efeitos do ensino, os resultados da docência, são tão difusos e tão vastos que se tornam incomensuráveis, mas que se reflectem na sociedade frequentemente sem que disso se tenha consciência.
Um dos autores do livro regista um tributo a alguém que, sem talvez ter disso a «prova», é responsável pelo seu percurso, pela sua contribuição para a cultura portuguesa, num estudo que mereceu o apoio de diversas entidades de gabarito internacional. E escreve assim:
"O autor Jorge Nascimento Rodrigues expressa, também, a título pessoal, a sua enorme dívida para com José Gonçalves, já falecido, um Professor de História de excepção, que, no princípio dos anos 1960, no Liceu de Leiria, motivou centenas de alunos para a paixão por esta disciplina essencial (...)" (p.12) 

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Presente de Mestre

"Já escondi um AMOR com medo de perdê-lo, já perdi um AMOR por escondê-lo.
Já segurei nas mãos de alguém por medo, já tive tanto medo, ao ponto de nem sentir minhas mãos.
Já expulsei pessoas que amava de minha vida, já me arrependi por isso.
Já passei noites chorando até pegar no sono, já fui dormir tão feliz, ao ponto de nem conseguir fechar os olhos.
Já acreditei em amores perfeitos, já descobri que eles não existem.
Já amei pessoas que me decepcionaram, já decepcionei pessoas que me amaram.
Já passei horas na frente do espelho tentando descobrir quem sou, já tive tanta certeza de mim, ao ponto de querer sumir.
Já menti e me arrependi depois, já falei a verdade e também me arrependi.
Já fingi não dar importância às pessoas que amava, para mais tarde chorar quieta em meu canto.
Já sorri chorando lágrimas de tristeza, já chorei de tanto rir.
Já acreditei em pessoas que não valiam a pena, já deixei de acreditar nas que realmente valiam.
Já tive crises de riso quando não podia.
Já quebrei pratos, copos e vasos, de raiva.
Já senti muita falta de alguém, mas nunca lhe disse.
Já gritei quando deveria calar, já calei quando deveria gritar.
Muitas vezes deixei de falar o que penso para agradar uns, outras vezes falei o que não pensava para magoar outros.
Já fingi ser o que não sou para agradar uns, já fingi ser o que não sou para desagradar outros.
Já contei piadas e mais piadas sem graça, apenas para ver um amigo feliz.
Já inventei histórias com final feliz para dar esperança a quem precisava.
Já sonhei demais, ao ponto de confundir com a realidade... Já tive medo do escuro, hoje no escuro "me acho, me agacho, fico ali".
Já cai inúmeras vezes achando que não iria me reerguer, já me reergui inúmeras vezes achando que não cairia mais.
Já liguei para quem não queria apenas para não ligar para quem realmente queria.
Já corri atrás de um carro, por ele levar embora, quem eu amava.
Já chamei pela mamãe no meio da noite fugindo de um pesadelo. Mas ela não apareceu e foi um pesadelo maior ainda.
Já chamei pessoas próximas de "amigo" e descobri que não eram... Algumas pessoas nunca precisei chamar de nada e sempre foram e serão especiais para mim.
Não me dêem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre.
Não me mostre o que esperam de mim, porque vou seguir meu coração!
Não me façam ser o que não sou, não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente!
Não sei amar pela metade, não sei viver de mentiras, não sei voar com os pés no chão.
Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma pra SEMPRE!
Gosto dos venenos mais lentos, das bebidas mais amargas, das drogas mais poderosas, das idéias mais insanas, dos pensamentos mais complexos, dos sentimentos mais fortes.
Tenho um apetite voraz e os delírios mais loucos.
Você pode até me empurrar de um penhasco que vou dizer:
- E daí? EU ADORO VOAR!"


Clarice Lispector

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Eu quero viver uma vida «desgrelhada»!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Desabafo

Se era para ter tantas reuniões, tinha tirado o curso de troika, não de professora!

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Apreensão de chifres de rinoceronte

negam a expressão "Não vale a ponta de um corno".

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Rom-rom/rom-rom/rom-rom...


Difícil, nas férias, foi aguentar as saudades desta amiga!




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

The Story Tailler

Alcobaça, 19/8/2011





Avisem o sol e a praia que, nos próximos dias, os quero - só a eles - por companhia.

Deixo por aqui um "postal" que tem várias história para contar.

Talvez lá para Setembro...

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

"A Gordura Localizada não tem qualquer problema, desde que esteja localizada no corpo de outra pessoa."

Protecção Civil de Liliput




"A costureira de Gulliver está cada vez mais senil! É a segunda vez esta semana que temos um problema de trânsito por causa dela deixar cair para a rua um dos seus carrinhos de linhas" pensa o pequeno homem de colete amarelo, enquanto se senta na praça, aborrecido por ter sido destacado para resolver a situação.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"A lucidez é insuportável, não é?"

disse na novela das sete, a louca, internada num hospício, que morre de pena dos sãos que a visitam e que vão comentando as decisões difíceis que tomam e o custo de cada uma delas.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Revelação

Avistada na Calle de Alcalá

sábado, 13 de agosto de 2011

O Chato do Querubim

Madrid
Pormenor da Porta de Alcalá
"Quando nasci veio um anjo safado
O chato do querubim
E decretou que eu estava predestinado
A ser errado assim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim
"inda" garoto deixei de ir à escola
Cassaram meu boletim
Não sou ladrão , eu não sou bom de bola
Nem posso ouvir clarim
Um bom futuro é o que jamais me esperou
Mas vou até o fim
Eu bem que tenho ensaiado um progresso
Virei cantor de festim
Mamãe contou que eu faço um bruto sucesso
Em quixeramobim
Não sei como o maracatu começou
Mas vou até o fim
Por conta de umas questões paralelas
Quebraram meu bandolim
Não querem mais ouvir as minhas mazelas
E a minha voz chinfrim
Criei barriga, a minha mula empacou
Mas vou até o fim
Não tem cigarro acabou minha renda
Deu praga no meu capim
Minha mulher fugiu com o dono da venda
O que será de mim ?
Eu já nem lembro "pronde" mesmo que eu vou
Mas vou até o fim
Como já disse era um anjo safado
O chato dum querubim
Que decretou que eu estava predestinado
A ser todo ruim
Já de saída a minha estrada entortou
Mas vou até o fim"

Chico Buarque, Até ao Fim

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Relógio

Madrid
Passa, tempo, tic-tac
Tic-tac, passa, hora
Chega logo, tic-tac
Tic-tac, e vai-te embora
Passa, tempo
Bem depressa
Não atrasa
Não demora
Que já estou
Muito cansado
Já perdi
Toda a alegria
De fazer
Meu tic-tac
Dia e noite
Noite e dia
Tic-tac
Tic-tac
Tic-tac . . .

Vinicius de Moraes

Uma Torre de Vigia

Madrid

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

A Dupla


Rui Veloso e Carlos Tê


Bairro do Oriente



"Tenho uma lamparina
Que trouxe das arábias
Para te amar à luz do azeite
Num kama-sutra de noites sábias..."

Compromisso

     "Após a fase do «a toda a hora e mais que houvesse», foram dois anos, inteirinhos, naquela luta, naquele desacerto, de desejo frustrado para ambos.
     Ela, à noite, deslizando qual pantera sobre os lençóis e o corpo dele, libertando tanto calor que quase provocaria uma explosão de gás, para esbarrar com o sono dele, que a atendia, por vezes com uma certa condescendência, e que, por mais de uma vez, adormeceu quando, de facto, não devia…não podia.
     Ele, acordando, rijo e energético, manhã cedo a amaciar-lhe a pele, a apalpar-lhe as carnes, a explodir desejo antes mesmo de ela acordar e a queixar-se mais tarde da falta de entusiasmo dela, que acordava, realmente, tarde demais.
     Decidindo terminar com o suplício, por manifesta incompatibilidade, escolheram a hora do meio-dia para assinar o divórcio."

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A propósito do nada

"sou
para o outro
este corpo esta
voz
sou o que digo
e faço
enquanto posso


mas
para mim
só sou
se penso que sou
enfim
se sou
a consciência
de mim

e quando
vinda a morte
ela se apague
serei o que alguém acaso
salve
do olvido

já que
para mim
(lume apagado)
nunca terei existido"

Ferreira Gullar

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

A Verdade

Eça de Queirós e a Verdade
Lisboa
(Réplica da estátua original de Teixeira Lopes)
"A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia."

Carlos Drummond de Andrade

domingo, 31 de julho de 2011

"Acredito naqueles que procuram a verdade e desconfio daqueles que a encontram”
André Gide (1869-1951).

sexta-feira, 29 de julho de 2011

A Dívida

"A dívida aumenta,
A do país e a nossa.


Cada manhã sabemos
que se acumula a dívida.
A grama que pisamos
é dívida.
A casa é uma hipoteca
que a noite vai adiando.
E os juros na hora certa.


Ao fim do mês o emprego
é dívida que aumenta
com o sono. Os pesadelos.
E nós sempre mais pobres
vendemos por varejo ou menos,
o Sol, a Lua, os planetas,
até os dias vincendos.


A dívida aumenta
por cálculo ou sem ele.
O acaso engendra
sua imagem no espelho
que ao refletir é dívida.


A eternidade à venda
por dívida.
A roça da morte
em hasta pública
por dívida.
A hierarquia dos anjos
deixou o céu por dívida.
No despejo final:
só ratos e formigas."
Carlos Nejar (1939)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Amizade: um valor seguro e mensurável

"Era uma pessoa de poucos amigos até ter criado uma página no Facebook.
 Mesmo depois da sua morte - solitária, num hospital público - a sua popularidade era inegável."

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Maus negócios...é a crise!

"Que é pra acabar com esse negócio de viver longe de mim
Não quero mais esse negócio de você viver assim
Vamos deixar desse negócio de você viver sem mim"
 
Vinicius de Moraes in Chega de Saudade

Amor como em Casa

"Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa."

Manuel António Pina

segunda-feira, 25 de julho de 2011

À porta das férias

Igreja de S. Francisco

domingo, 24 de julho de 2011

Porto Alto

Ainda a viagem de helicóptero...

sábado, 23 de julho de 2011

Esplanada

"Naquele tempo falavas muito de perfeição,
da prosa dos verbos irregulares
onde cantam os sentimentos irregulares.
Envelhecemos todos, tu, eu e a discussão,


agora lês saramagos & coisas assim
e eu já não fico a ouvir-te como antigamente
olhando as tuas pernas que subiam lentamente
até um sítio escuro dentro de mim.


O café agora é um banco, tu professora do liceu;
Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu.
Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes,
e não caminhos por andar como dantes."

Manuel António Pina
colhido em poedia

sexta-feira, 22 de julho de 2011

quinta-feira, 21 de julho de 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Hoje é Dia de Ervilhas

Quem já abriu o Google hoje já se apercebeu que hoje é Dia de Ervilhas.
Assinala-se a data de nascimento de Mendel, o pai da genética, há 189 anos atrás.
Já por aqui falei de Mendel, em Dezembro de 2009 (fui verificar agora) aquando de um trabalho de um aluno meu sobre o assunto.
E já nessa altura recordei o meu primeiro contacto com Mendel, num Museu de Ciência nos EUA.
Abrir aqui um parágrafo para dizer que tenho consciência de que posso estar a ser injusta e que, muito provavelmente, já algum professor da área de ciências me teria falado de Mendel, mas seria, na altura da escola, daquelas matérias que «me escorregavam pela testa». A sensação que eu tenho hoje ao recordar a minha relação com as matérias curriculares, na escola, é que havia as que entravam facilmente, as que despertavam muita curiosidade e necessidade de aprofundamento e depois, todo um conjunto de matérias, que esbarravam com um qualquer campo de forças que existia à volta da minha cabeça e que não conseguiam entrar: escorregavam pela testa abaixo e espalhavam-se pelo chão, sem qualquer resultado prático.
Penso frequentemente nestas questões para procurar as razões e tentar evitar que, em relação aos meus alunos e à História, aconteça o mesmo.
Estou inclinada para acreditar que tudo resultou de um certo preconceito familiar contra as ciências, contrabalançado por uma apetência particular para as letras, mas também de uma certa incapacidade da escola de ter desfeito este preconceito, sobretudo, uma incapacidade de me provar a utilidade prática das coisas. Curiosamente, pareciam-me as ciências mais áridas que as letras, sobretudo achava tudo muito teórico e pouco aplicável. Deve ser essa a razão porque me recordo de poucas coisas das aulas de Ciências e que, aquelas que recordo, têm em comum o facto de me terem parecido muito úteis:
  • as questões dos corpos condutores de corrente eléctrica e ter percebido finalmente porque é que a minha mãe se preocupava tanto que eu secasse bem as mãos antes de accionar o interruptor da luz;
  • a explicação das regras de segurança num laboratório, especialmente a necessidade de segurar sempre os recipientes dos líquidos com o rótulo para o lado de dentro, para que qualquer derramamento de líquido não apague o rótulo, o que pode ser muito perigoso, por ficar desconhecido o conteúdo do recipiente; isto foi tão forte que ainda hoje é assim que pego nas garrafas de azeite e vinagre (embora reconhecendo que é um cuidado inútil, pois eu sei distinguir o azeito do vinagre);
  • a campanha para salvar o lince da Malcata, um animal magnífico que estava em vias de extinção e cuja nossa acção poderia salvar;
  • a regra de «três simples» da matemática, porque semnpre a usei na prática. 
Assim, tudo isto me leva de volta a um dos meus assuntos preferidos: a Museologia como forma específica de comunicação e ensino e o facto de ter sido num museu, com uma explicação "ilustrada", que eu aprendi a importância de Mendel, a sua história e a repetência ancestral da estupidez generalizada que relega para guetos aqueles que ameaçam o «saber estabelecido», as verdades da época.
E tudo parece circular, pois o Lamento pelo Dia de Hoje, postado ontem, poderia entrar aqui, de pleno direito...

Para além de tudo isto, de uma forma completamente marginal, mas por associação de palavras, o dia de hoje trouxe-me à memória uma das minhas histórias infantis preferidas: A Princesa e a Ervilha, que vou procurar e, se encontrar, guardar no Salvo Seja.

terça-feira, 19 de julho de 2011

Pranto pelo dia de hoje

"Nunca choraremos bastante quando vemos
O gesto criador ser impedido
Nunca choraremos bastante quando vemos
Que quem ousa lutar é destruído
Por troças por insídias por venenos
E por outras maneiras que sabemos
Tão sábias tão subtis e tão peritas
Que nem podem sequer ser bem descritas"

Sophia de Mello Breyner (1919-2004)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

O conceito de férias, por vezes, é muito desconcertante...

domingo, 17 de julho de 2011

Dor

Queria ter sido o ombro onde tivesses escolhido soltar as tuas lágrimas.
Talvez aí tivesse começado um rio
navegável,
numa jangada
feita dos nossos sofrimentos.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Torre de Marfim

Dizem que há quem se isole do mundo, quem viva numa torre de marfim. Acho que também quero isso para mim.
Se conheceram alguma para alugar (de preferência com uma grande biblioteca, banheira de hidromassagem e sistema de aspiração central) agradeço o envio do contacto. Pode ser usada e mesmo ter sido abandonada por óbito do anterior locatário, desde que a causa de morte não tenha sido tédio ou qualquer outra doença contagiosa.

terça-feira, 12 de julho de 2011

SPM

A sigla que para o Nuno Crato designa a Sociedade Portuguesa de Matemática é a mesma que nomeia o Síndrome Pré-Menstrual e que penso que se aplica ao meu dia de hoje.
Doem-me os ossos, sobretudo os das mãos. Pegar num copo de água tornou-se difícil.
A bola que marca o início das costas logo abaixo do final do pescoço - agora sei que tenho de a tratar por "cervical" - voltou a inchar.
O céu está cinzento e ameaça não me secar a roupa, no único dia desta semana em que não vou à escola e estendi a roupa de manhã. (Não se aflijam, porém, os puristas da proletarização docente, pois trouxe vários relatórios para realizar em casa).
Há mais de um mês que deveria ter ido ao médico para poder fazer análises e verificar sobretudo os meus níveis de ferro, que, com uma vontade férrea, tinham voltado a descer há uns meses atrás.
Dizem-me que sou a 4ª pessoa e instalo-me na sala de espera em frente ao consultório, onde o doutor já atende o primeiro doente.
Na sala de espera maior, contígua, Fátima Lopes berra popularmente num qualquer programa da manhã. Eu tinha-a visto, num écran bem grande, com uma boa definição de imagem, quando cruzei o espaço em busca de sossego para ler o meu livro sobre lugares mágicos e míticos nas paisagens serranas portuguesas.
As pessoas comentam depreciativamente o tempo que o médico demora com o paciente. A conversa começa a irritar-me. Estamos ali todos porque ele é um bom médico, porque nos dá atenção. Mas, claro, que isso é irrelevante ou mesmo prejudicial quando se aplica aos outros...O egoísmo que grassa no espaço que deveria ser sossegado começa a irritar-me e a ofender-me. A mulher que está ao meu lado não participa na conversa, mas masca furiosamente pastilha elástica com a tenacidade da marcha de uma legião romana e isso começa a incomodar-me mesmo muito.
Levanta-se de um pulo quando o médico abre a porta para dar passagem a duas senhoras vestidas de preto, uma delas aparentando muita idade e o andar penoso ajudado por uma bengala. Abençoei mentalmente o médico por ainda ser daqueles que dá atenção a quem precisa. Claro que não estamos a falar de um centro de saúde, mas de um centro hospitalar particular e o doutor, já retirado da saúde pública, faz aquilo que acha justo e penso que é para isso que continua a dar consultas. Deus o abençoe, reitero.
Discretamente, um homem que se tinha mantido em pé, avança até ao doutor e explica que na farmácia não conseguem perceber como deve tomar o medicamento. O médico ri-se com gosto: "E se eu também não perceber a minha própria letra?" Fica com os olhos muito pequeninos quando se ri, acentuam-se as rugas e ganha um ar de avôzinho brincalhão. Indica a cadeira do consultório ao senhor. A mulher da pastilha elástica deixa-se cair pesadamente na cadeira da sala de espera mais próxima da porta do consultório.
"Deixe lá ver, então..." o médico dispõe-se a resolver o problema que ele próprio criou ao doente.
"Assim é fácil", resmunga a mulher perto de mim, com uns papéis do seguro impacientemente abertos no colo. Acompanha as palavras de um movimento de ombros na minha direcção que pretenderá, certamente, granjear a minha solidariedade para o egoísmo dela.
"É só para resolver um problema, não é uma consulta", respondo-lhe, tentando chamá-la à razão.
"Pois, mas nós estamos aqui."
"Estamos aqui porque precisamos de estar. Eu trouxe um livro, porque sei que tenho de esperar. Mas a melhor recompensa é ele atender-me com tempo quando chegar a minha vez."
A mulher abriu a boca para começar a defender-se e eu dei-me conta que estava a ser professora de sala de espera.
"Se fosse consigo não gostava que ele lhe resolvesse o problema da receita sem ter que esperar muito?"
"Se fosse comigo...sim. Se pensarmos assim..." reconhecia contrariada.
"Mas é assim que temos de pensar. Então não queremos para os outros o que queremos para nós próprios?" insistia eu, armada em catequista.
"Pois, acho que sim. Vistas assim as coisas..." franziu as sobrancelhas e olhou-me directamente nos olhos. Toda a sua expressão podia ser traduzida em "Altiva de merda!"
Agradeci-lhe mentalmente. Decidi, há tempos, assumir-me como definitivamente altiva. Não tenho, não quero, não posso ser obrigada a confundir-me com toda a gente. Toda a gente é muita gente e parte dela não me interessa nada.
Voltei ao meu livro, no momento em que o senhor saía e a mascadora de pastilha aterrava na cadeira do consultório. A porta fechou-se de novo. Depois de matar qualquer tentativa de diálogo com afinidade tinha caminho aberto para recomeçar a leitura.
Chegou uma senhora. Olhou para os rapazes que esperavam nas cadeiras e perguntou "A última pessoa é esta senhora?"
Um dos rapazes respondeu: "Terá que lhe perguntar a ela."
Ela olhou desconfiada para mim, que já tinha levantado os olhos do livro. "É?..."
"Não sei" respondi "Quem controla isso é o médico e a secretaria. Eu só tenho de esperar que me chamem pelo nome."
"Mas...eu queria saber..."
"Precisa de se ausentar?"
"Não, mas quero saber qual é a ordem"
"Talvez na secretaria..."
A mulher virou-me as costas em direcção à saída e eu pensei "Isto hoje está a correr bem..."
Deveria querer saber a quem tinha de se colar para não deixar passar ninguém à frente, mas não somos nós que controlamos isso. Desconfio sempre das pessoas que têm muito medo de ser ultrapassadas. Será que é prática sua desrespeitarem os outros?
Recordo a cena de ontem no Intermarché. Quando a caixa abriu e fomos convidados a passar, pela mesma ordem, para a nova caixa, dois homens meteram-se à minha frente. Refilei. Alto e bom som. Não era justo. A empregada fez que não ouviu e foi atendendo os indivíduos. Um deles devia ter alguma consciência cívica e ficou incomodado com o meu olhar fixo e os cantos da boca dobrados em desagrado. Disse qualquer coisa ao outro, num tom sussurrado e com ar incomodado. Que se agravou, quando o outro atirou bem alto "Eu quero que ela se vá foder!"
Ninguém fez absolutamente nada. A funcionária continuou a registar as compras e eu fiquei a remoer a história.
Devia ter reclamado da funcionária.
Dizem-me que tenho mau feitio, que reclamo muito, mas estou de consciência tranquila, não passo à frente de ninguém, nem vivo em ânsias com medo dos outros.
Finalmente o médico chama-me. Começa sempre por me perguntar o que ando a ler. Por isso também levei aquele livro que sei que trata também o seu amado Alentejo. Dois dedos de prosa sobre as imagens do livro e depois então as análises, os exames. os medicamentos. Voltei a abençoa-lo mentalmente antes de sair. Aqui está uma pessoa que sabe que da conversa inteligente também depende a saúde!
Desço a rua e entro no café com ar condicionado e música ambiente. É caro, eu sei. Dizem que o dono do café é elitista porque faz sentir mal as pessoas que vão para lá conversar muito alto ou com crianças irrequietas. Agradeço sempre por ele o elogio, quando me vêm com esta conversa. Ainda bem que ele é elitista e selectivo, porque eu, que também sou, sinto-me muito bem naquele espaço depurado. Onde voltei a ter o gosto de escrever à mão, que o dono proibiu os computadores e eu, depois de ouvidas as suas razões (que gentilmente me forneceu quando o questionei) aceitei de bem grado.
Tranquila agora, sentindo-me no meu território, penso na forma como me tenho sentido nestes últimos dias. Espero que tudo isto se deva ao SPM, porque se se deve mesmo à qualidade das pessoas com que me vou cruzando é muito mais grave.