segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Lido com a mágoa de quem também pensa em partir...

"A profissão de professor desaparece...

Segue-se um extracto duma entrevista de Mário Crespo a José Gil, que passou na Sic Notícias. São palavras absolutamente sinceras e verdadeiras as do filósofo e professor, tão sinceras e verdadeiras que deviam fazer parar o país para pensar no rumo que tomará, ou que está a tomar, pelo facto de os bons professores serem obrigados a desistir de ensinar: por abandono da profissão, por fadiga, por desnorte...

Mário Crespo: Uma estratégia seguida por este Ministério (…) é exigir ao professor uma ocupação total na sua tarefa, total, para lá das horas do humanamente aceitável (…) para lá das 35 horas obrigatórias, para dentro das pausas lectivas – expressão nova –, o trabalho do professor deve integrar e devorar o tempo de vida privada, de lazer (…), professor só pode ser professor (…) deixa de ser homem, deixa de ser mulher...

José Gil: Isso é quase um homicídio da profissão. A profissão de professor desaparece. Desaparece, porque é impossível fazer isso (…). Estou a lembrar-me de Paul Lenoir, um poeta, que dizia que para fazer boa poesia é preciso não fazer nada (…). É preciso que haja pausa, desafio, reflexão ruminação (….). Eu sou professor, sei que estou a defender a minha causa, mas há vocações extraordinárias, muito maiores que a minha, muito mais admiráveis que eu vejo em professores do secundário, por exemplo (...) pessoas que gostam de ensinar, que adoravam fazer o que estavam a fazer e essas pessoas vão-se embora, foram-se embora (…) sobretudo (…) porque ficam tão desgostosas por elas mesmas, por terem que fazer qualquer coisa que não gostam, que lhes destrói uma missão..."

colhido em:
http://dererummundi.blogspot.com/2010/11/profissao-de-professor-desaparece.html

3 comentários:

Ninguém.pt disse...

Miss, já sei que me vai bater, até já pus o capacete...

Acho que já lhe contei uma vez esta história:

«— Ai, vizinha, não é para me gabar, mas fui ao juramento de bandeira do meu Jaquim e, a vizinha já me conhece, não sou de me gabar, mas veja lá que em 1200 mancebos o meu Jaquim era o único que levava o passo certo!»

Acho que neste país há demasiados Jaquins como este pronto que levam sempre o passo certo — o que significa que os outros o levam sempre errado...

Ainda não vi, nem ouvi, nem li, nenhuma análise de um professor, ou de um conjunto de professores que não declare, que não tente demonstrar que a classe leva o passo certo.

Mas, como já lhe disse mais do que uma vez, contacto com professores (a maior parte deles autores de manuais escolares) desde 1989. São 21 anos! Já vi estudos de mercado do livro escolar que dizem coisas de fazer pensar, a análise dos livros mais adoptados feita por editoras várias (que acabam por circular entre editoras...) terminam com conclusões no mínimo esquisitas e até desabonatórias...

Contudo, parece que todos temos culpa do que está a acontecer aos professores, todos contribuímos para uma certa descredibilização dos profissionais do ensino — todos menos os professores...

Miss, sei bem que há uma boa fatia do total que há muitos anos é a base do sistema — sem eles já tudo teria parado há muito. Mas também sei que são uma minoria e que, embora venham há demasiado tempo a suprir o menor empenho de uma fatia bem maior dos seus colegas, mesmo assim são na maior parte das vezes vítimas das invejas e apontados como ovelhas negras porque fazem elevar demasiado a bitola por onde essa maioria teme ser medida...

Desculpe-me a ousadia, mas neste país há uma demanda, não de um Graal, mas apenas de um culpado. Quando o arranjamos ficamos a maior parte das vezes satisfeitos: temos alguém a quem apontar, o que faz com que a nossa consciência repouse em paz e não precisemos de mudar nada porque alegamos sempre que quem pode mudar é o outro, o culpado, o malandro que podia e não quer...

É tempo de assumirmos a nossa parte nas culpas mas principalmente nas mudanças. É tempo de começarmos por nos mudarmos a nós para depois exigirmos que os outros mudem e que tudo mude.

Mais uma vez as minhas desculpas, Miss. Só tomei a ousadia porque sei de ciência certa que a Miss é uma Escrivaninha como deviam ser todas as escrivaninhas do nosso ensino.

Beijito.

(Apertei até o atilho para o capacete não me cair com a pancada...)

Escrivaninha disse...

Pois pode estar descansado que - infelizmente - reconheço que tem muita razão.

No mesmo post que aqui reproduzo fiz um comentário que esperei desse uma discussão acesa. Talvez por isso - ou por cobardia, não sei - não me identifiquei. Fui agora mesmo ver as reacções...que não foram nenhumas.

Às vezes penso que nós andamos separados em dois grupos e que só falamos com a nossa turma. O que será errado para cada um dos membros de cada turma.

Não costumo optar pela desistência, mas, hoje por exemplo, foi um dia cheio de coisas ridículas e inglórias: tentei ocupar 90 minutos livres a ver testes e, em toda a escola, não consegui encontrar uma sala onde pudesse ter a tranquilidade necessária para trabalhar: a biblioteca tinha uma aula a decorrer (e, não sei se sabe, mas as bibliotecas já não rimam com silêncio), na sala de professores havia muito barulho (as pessoas precisam também de conviver), num espaço mais reservado havia uma reunião de professores de matemática, na sala de directores de turma estavam a ser recebidos pais e no gabinete de mediação uma professora ajudava alunos com dificuldades a Inglês. Na minha escola não há uma única sala de trabalho e todas as salas de aula estão ocupadas ao máximo. Optei por ir para um café perto, sossegado, onde tive de fazer despesa para poder usufruir do lugar que, por sorte, estata mesmo sossegado. Ao fim do dia fui fazer uma substituição de um colega de Educação Física e, por sorte, as crianças - de 6º ano - eram cordatas e aceitaram jogar à forca com palavras que correspondiam a conceitos de História e Geografia de Portugal. Na última aula do dia, em que os alunos deveriam apresentar os seus trabalhos - em powerpoint, que parece ser a única forma que as crianças conhecem - a sala não dispunha de écran para a projecção e servimo-nos das costas de um velho mapa, cheio de manchas de bolor.

Terminei agora de ver os testes e os resultados são animadores. As crianças vão-me recompensando, mas...por quanto tempo? A mentalidade mais comum é a que foi expressa por um aluno que me mostrava hoje um trabalho afixado na biblioteca: "Está a ver, professora? É meu. Ganhei." Olhei para o trabalho e disse: "Olha, mas tens de colocar acento circunflexo em Ciências...". "Eu não" - respondeu, recusando a caneta que a funcionária da biblioteca lhe estendia - "Ganhei na mesma!" E o pior é que o puto tinha razão. O primeiro lugar do concurso tinha um erro ortográfico e só a chata da velha é que viu!

Talvez não merecesse um relatório tão pormenorizado, mas, infelizmente, o que me vai fazendo ficar, é poder mostrar às crianças aquilo que eu acho que deve ser um professor. Claro que a expressão destas ideias é politicamente incorrecta, presunçosa e talvez até de mau gosto. E também só digo estas coisas por estar mascarada de «Escrivaninha», pois costumo defender a classe, mesmo tendo a certeza que não somos uma classe.

Ninguém.pt disse...

Miss, já em tempos lhe deixei o endereço do blogue do falecido Ademar Santos, um professor que sem conhecer pessoalmente muito admirei pelas suas posições desassombradas — e eu nem sequer concordava com todas!

Quanto ao acento circunflexo, nem queira saber as guerras que já travei contra autores (normalmente de matemática, física ou química, as áreas em que me especializei graficamente) em defesa da língua portuguesa — que muitos deles não conhecem mas atacam do alto da sua ignorância...

Tive até um grupo em que no meio de uma dessas discussões, em que eu apontava dicionários e prontuários, me perguntou se eu era licenciado. Perante a minha resposta, fungou e disse mais ou menos isto: «Ouça, então acha que vou continuar a perder tempo a discutir com uma pessoa sem instrução? Eu tenho uma licenciatura e um mestrado!»

Miss, grave não é ela ter-me dito isto a mim — grave é que ela se recusará a aceitar de um aluno qualquer chamada de atenção para qualquer dos muitos erros com que decorava os seus textos...

No entanto, Miss, não esqueça que endireitar o mundo se faz com luta, não com desistência.

Beijito.