sábado, 31 de julho de 2010

Nunca tinha visto ninguém tocar piano assim!

Era uma fraca figura, pequeno e sorridente, correspondente aos nossos estereotipos de orientais. O traje a rigor condizia com o cenário, de tirar a respiração: o Claustro do Silêncio, do Mosteiro de Alcobaça, numa noite de Verão - quase o sonho do Shakespear...

Aproximou-se do piano e desfilou nas teclas: Ravel, Schumann, Chopin, Tchaikovski, Liszt...

Tocava com uma força e uma serenidade incríveis. E o que me impressionava era exactamente essa combinação de força e serenidade. Parava naturalmente, deixando as notas suspensas nos castiçais das árvores...Quase não respirávamos...Poucas coisas me maravilharam assim...

Jue Wang, toca em público desde os 10 anos. Actualmente, deixou Xangai para estudar na Manhanttan School of Arts.

Foi nosso privilégio ouvi-lo ontem, numa mágica noite de Verão, envolvidos em Património Mundial, encimados pelo céu quadrado das orações dos frades de antanho.

Para quem quiser saber mais: www.cistemusica.com

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Porque é que se velam mortos ilustres no Palácio Galveias (antigo Palácio dos Távoras e Biblioteca Pública em que Saramago descobriu a Literatura)?

Quinze anos depois

da polémica que encerrou a barragem, abre hoje o Museu de Foz Côa!!!!!

Comoção

Hoje fui cedo tomar o pequeno almoço no café. Este café já é nosso. Somos uma espécie de comunidade que frequenta o café, unidos pela simpatia da família que o explora.
Como sempre, procurei o Diário de Notícias que está à disposição dos clientes. Vi a cara de António Feio na capa. Não consegui sequer abrir o jornal. Perguntei para trás do balcão - Morreu o António Feio? - como se tivesse esperança que do lado de lá do balcão ele ainda continuasse vivo. A senhora acenou-me que sim, com os olhos a brilhar de água. A cliente que estava noutra mesa disse: Deve ter sido tarde, porque só ouvi a notícia no telejornal da uma da manhã.
Afastei o jornal para a outra mesa e engoli o pequeno almoço empurrando as lágrimas.
Engraçado como há pessoas que nos marcam! António Feio foi um marco, como actor, como homem e como cidadão empenhado, como já aqui se conversou noutras alturas.
Que comoções terá desencadeado, por aí, em sítios simples como o nosso café, em pessoas comuns como nós, o inventor de tantas personagens e piadas do nosso contentamento?...
Uma salva de palmas pela tua vida, António!

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Quando queremos ser escritores, a leitura de um bom livro assemelha-se a um acto de espionagem!

A Dedicatória de Um Livro

Tenho uma amiga que diz que a primeira coisa que vê num livro - sobretudo resultado de uma produção científica académica - é a dedicatória e os agradecimentos. Diz ela que, se o autor souber resolver estas coisas complicadas com elegância e sabedoria, tem ganha metade da sua admiração; o resto fica para o trabalho propriamente dito.

É bem verdade que a dedicatória de um livro nos dá uma «imagem emocional» da obra. Que pode ser ou não positiva. Eu fiquei muito chocada quando soube que o Saramago (que nem sequer sabemos se podemos dizer «Que Deus tem») mandou eliminar as dedicatórias dos seus primeiros livros em edições posteriores, pois entretanto tinha mudado de companheira e de amores...Eu, que idolatrava uma dedicatória dele: «A Pilar que tanto tardou a chegar» (ou qualquer coisa assim parecida).

Bem, isto tudo porque, estando eu encalorada e entediada, dedicada a tarefas formais relacionadas com o meu trabalho, gostei muito da dedicatória do livro de metodologia que aqui está aberto sobre a mesa.

«Ao Joãozinho, que chegou depois, mas se tornou o princípio de tudo»

Creio que transborda ternura de um pai para um filho. É o que eu imagino. E como, minutos antes, tinha estado a falar com uma recente mamã sobre o fascínio de acompanhar o crescimento de uma criança, cá arranjei ensejo para escrever isto, adiando mais um pouco a construção de tabelas e índices.

terça-feira, 27 de julho de 2010

Palavras Proscritas

O tempo vai prescrevendo e proscrevendo certas palavras, começando então a reescrevê-las, num sentido mais apropriado aos novos tempos e grafias.

Não sei se actualmente a palavra proscrito se utiliza em algum contexto. Para mim ela era mesmo o sobrenome do Robin dos Bosques.

Mas aqui fica a tradução que encontrei no dicionário, sem saber se actualmente em terras de expressão inglesa, ainda terá algum significado que não esteja associado a evocações históricas: «exile», «outlaw». Proscrição tem a tradução de «prospription», «exile», «banishment».

Papel Principal

Dei-me agora conta - continuando as perguntas à net - que o filme Robin Hood, do qual estou no rescaldo imediato, é protagonizado por dois australianos.

Cate Blanchett é, mais uma vez, um fascínio. A força que imprime às personagens femininas é um hino ao feminismo, às mulheres de fibra que, apesar de o seu papel estar tradicionalmente subalternizado, sobressaem com uma «garra» marcante.

Tendo já desempenhado outros papeis que considero notáveis, nunca esteve visualmente tão bem enquadrada como aqui: a estrutura de rosto de Cate Blanchet adequa-se magnificamente a uma personagem medieval. A postura, a roupa, as atitudes, dão-lhe um destaque no filme que a tornam, quanto a mim, a personagem principal.

Proscrito

Estou a chegar do cinema.

Recuperando um dos meus hábitos da capital, hoje, segunda-feira, é dia de cinema.

Já tenho referido por aqui que gosto de heróis. Robin Hood estava em cartaz em Leiria: lá fomos nós, para encontrar um Robin dos Bosques muito diferente do meu imaginário.

Não que o Russell Crowe não fique lá muito bem a substituir qualquer imaginário anterior, mas houve várias coisas que me agradaram e/ou intrigaram no filme.

Como quando se tem perguntas, actualmente, pergunta-se à net, lá vim eu indagar.

O guião comprado por Ridley Scott era completamente diferente. A personagem central da história era o Seriff de Nothingham. Ridley Scott resolveu transformá-lo fazendo de Robin Hood a personagem central, mas afastando-se na «história tradicional» de uma maneira bem interessante; anunciada como «o homem por detrás da lenda».

Num épico muito digno do que a dupla Russell Crowe/Ridley Scott já nos deu no Gladiador, o herói emerge de uma personagem comum, que se distingue dos outros pela fidelidade a ideais, a lealdade e o desinteresse pela vulgar «ascensão socio-económica» da sua época. Não completamente isento de defeitos e portador de um romantismo envolvente, Robin toma a identidade de outro e requalifica a sua imagem, num «upgrade» que nos faz esquecer a pequena «trapaça» realizada com as identidades. Em alguns pontos o filme fez-me lembrar «Somersby: o regresso de um estranho», pela questão, sobretudo, da paixão que desperta na mulher que pertencera a outro. Com um final bem mais feliz - e muito cinematográfico - que Somersby (ver a cena em que a guerra pára, momentaneamente, para que os dois protagonistas se beijem, num arrobo de paixão pouco plausível no meio de uma cena de batalha sangrenta), Robin Hood dá-nos uma versão simultaneamente humana e heróica de uma lenda.

No fim, neste filme, Robin é considerado fora da lei, assim mesmo, dito pelas personagens originais como «out of law».

E, curiosamente foi a característica que me fez mais confusão ser alterada. Na versão que me encantou na juventude - lida, claro - do livro «15 jovens como nós», Robin era proscrito. Proscrito. Uma expressão que não ouvi associada a mais nada. Robin Hood era um proscrito.

De repente dei-me conta que a palavra se colara ao herói de tal forma que, mesmo não sabendo o seu verdadeiro significado, sabia que era algo mais apropriado que fora da lei. Sentia que era «banido», «expulso», recusado por uma lei, acima de quem ele estava, pelas suas convicções - justamente o que faz dele um herói. Talvez um pouco semelhante à excomunhão de Lutero, que rasgou a bula do Papa em praça pública, porque não lhe reconhecia autoridade. O único que o podia excomungar era Deus; a única lei que podia considerar proscrito Robin era a própria ideia de Justiça, uma moral, escrita com letra grande, diferente do uso que lhes dão, frequentemente os que a exercem, em nome de um legitimidade unicamente institucional, circunstancial, efémera, falível, mesquinha, assente em interesses pessoais.

Robin Hood, legal ou legendariamente Robert de Loxeley (Losqueley,na minha versão escrita) era um proscrito. Uma palavra que lhe serve como a nenhum outro.

Poderão mudar tudo o que quiserem, menos a palavra que define o carácter, a história, a essência de Robin dos Bosques: Proscrito. Uma palavra que eu tinha que guardar, no lugar certo: colada ao Robin dos Bosques, eterna e heroicamente Proscrito.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Perdas & Ganhos: A Contabilidade da Vida

"Quando você me deixou, meu bem
Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas depois, como era de costume, obedeci" (Maria Bethânia)

O dia vai começando tristonho, por aqui, esperando que a tristeza escorra como o suor que se vai escapando do corpo em resposta ao calor escaldante.


É Verão!


O Verão também é um separador de tempos, associado que está às férias, às pausas, a ritmos mais frenéticos e nocturnos. A tarefas diferentes do resto do ano.


Está também associado a uma certa nostalgia - que eu creio muito minha e muito portuguesa - que promete punições por momentos bem vividos. «Goza agora o Verão goza, que quando ele acabar logo amargas!...» Este fatalismo tão próximo do fado, da vida, que garante que «tristeza não tem fim, felicidade sim».


Por detrás da ameaça está também a segurança: Vai voltar tudo ao mesmo. Não tenho de me adaptar, não preciso inquietar-me, posso funcionar em piloto-automático...


Por isso quando algo se perde, brusca ou lentamente, fica sempre um vazio. O vazio de procurar algo a que nos habituámos e que não vai voltar a estar lá. Partiu...e nem sequer prometeu voltar como as andorinhas quando chega o frio.


Partiu. Foi bom, enquanto durou. E porque não durou mais? Será que temos medo que a magia se quebre «saying something stupid» e preferimos então não dizer e imaginar para sempre um final feliz que não tivemos a coragem de tentar?


Todos somos um bocado assim, eu acho. Para quem acredita em finais felizes, eles nunca existem no concreto. Para quem busca a felicidade, ela, porque perfeita, só existe no plano da irrealidade, da utopia, de algo que nos atrai, mais pelo seu carácter impossível, talvez mesmo por sabermos que essa atracção nunca vai ser concretizada.


A Felicidade: se a encontrarmos como vamos viver de a buscar? Pararemos de viver se a encontrarmos? Deixamos de ter objectivos? Ou teremos de passar a outra coisa qualquer, que rejeitamos por não conhecer?...


Eu duvido que ela exista. É mesmo como um conto de fadas para nos fazer sonhar e viver nesses sonhos, pelos quais «o mundo pula e avança».


Perdas, todos temos. Gostamos até de as inventariar. Ganhos, poucos reconhecemos, com medo do castigo da moral judaico-cristã, ou daquela dor filha da puta que quase deu cabo de nós da outra vez.


Porque é tão difícil viver plenamente? Porque não dizemos mais vezes 'Sim' e 'Não' claramente, em vez de nos refugiarmos em 'mas' e 'tavez(ezes)' de mais?


Seja, então!...

sábado, 24 de julho de 2010

Para afastar as nuvens negras:

Sofrer...

Quando, há pouco, mudei o visual do blogue, tudo se iluminou, com um ar mais dourado.
Tudo, não. Curiosamente - e sem qualquer explicação que me ocorra - a etiqueta «Palavras Doridas» manteve-se a preto. Liguei e desliguei, entre e saí. No meu écran continuam a negro, as palavras doridas.
E isso fez-me pensar na resistência da dor; que não é exactamente a mesma coisa que a resistência à dor. Mas, estão associadas. Quando a dor se instala, por vezes, também as pessoas se instalam na dor. Penso que, por vezes, isto é mesmo uma questão de sobrevivência. Alimentar a dor é a condição de viver com ela, de não se deixar vencer por ela.
A memória da dor e a dor da memória, por vezes, confundem-se. Creio que, em certos casos, as pessoas acreditam que não sobrevivem à dor e por isso sobrevivem na dor.
Numa daquelas séries que eu vou vendo, dia após dia, uma vez havia uma viúva que dormiu com um colega de trabalho, que a adorava. No dia seguinte ela evitava-o. Ele insistia. No fim do episódio ela explicou-lhe porque não podia ficar mais com ele: «Todos os dias, olho para o lado, e, antes de me levantar, cumprimento o meu marido, como se ele estivesse lá. Apesar de saber que não está, que nunca mais lá vai estar. Hoje, estavas lá tu. E eu soube que não ia aguentar. Eu não estou preparada para viver sem a dor da perda do meu marido.»
O episódio terminou naquele momento, como convém e o assunto não teve seguimento. Ou eu não o acompanhei.
Mas, hoje, pensei de novo nisto: será que a resistência da dor é uma forma de resistir à dor? Porque é que as minhas Palavras Doridas foram as únicas que não adoptaram o novo tom do blogue?
O regresso a casa.
O café «no sítio do costume».
A última página de Tovey e sorver os sons do fim do dia, com os pés apoiados na tijoleira quente do terraço...
- E amanhã, como vai ser o meu dia?
- Vai ser como for, como lhe apetecer!
Há muito tempo que não terminava um dia sem determinar objectivos para o dia seguinte. Com tempo, até, para adoptar uma nova imagem para o blogue: bronzeada, como convém.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Área de Projectos

A primeira vez que 'dei Área de Projecto' (se é que aquilo se dá...) foi numa turma de 9ºano, com quem me dava muito bem há três anos e foi uma experiência muito interessante, porque eles faziam tudo sozinhos. Mas faziam mesmo!
Querem agora, cada vez mais, implementar coisas destas, mas esquecem-se que, para isso, é necessário que os alunos tenham preparação para a investigação e não que considerem pesquisa a impressão de uma folha da 'net', de onde nem apagaram o endereço.
Bem, afastemos as lamúrias, que hoje está de sol e as férias à porta!
Recordava-os agora eu, porque, como nessa experiência tinha o tempo da aula quase livre, dedicava-me a observar certos aspectos que me interessam na postura dos jovens, sobretudo aquilo em que são diferentes «do meu tempo» de juventude.
Como os garotos eram muito autónomos e muito competentes e delinearam interessantíssimos projectos de investigação, o mínimo que eu podia fazer, era assegurar-lhes um bom ambiente de trabalho. Como sei como para mim é importante a informalidade do ambiente - não consigo escrever num ambiente muito rígido - requisitava uma das poucas salas que tinha o formato que considero adequado à leccionação - em U - e deixava-os trabalhar por grupos, organizando-se da maneira que lhes desse mais jeito, com um ou dois portáteis por grupo.
Num desses dias, em que eles estavam muito, muito entusiasmados com as suas tarefas, lembro-me de ter olhado satisfeita para a sala e ter pensado: isto parece o anúncio da Kanguru!
É que sempre me tinha intrigado a relação livre e informal que as pessoas estabeleciam com o computador na publicidade da «Banda larga em qualquer lugar»: eles estavam sentados em escadas, no topo de armários, em posições que, para mim, seriam impensáveis no trato com uma coisa cara e frágil com um computador.
Nesse dia percebi que a publicidade estava certa: os meus meninos estavam sentados sobre as mesas, alguns de perna traçada, com o computador equilibrado sobre um joelho, por detrás desses estavam outros semi-deitados nas mesas a acompanhar o trabalho de digitação, e num dos cantos, estavam os meninos da música, com uma viola e um jambé, a comporem uma banda sonora já não me recordo bem para quê. (Talvez esteja aqui a ler isto um dos protagonistas dessa turma, embora com um trabalho de powerpoint mais sério e menos sonoro)*.
Vem tudo isto a propósito de eu ontem ter dado comigo a escrever no computador semi-recostada na cama e a emendar uns textos, só com a mão direita, sobretudo a colocar maiúsculas em certas palavras. Foi um momento muito saboroso da minha vida: recordei-me dos miúdos, percebi que a minha relação com os computadores está a mudar e recordei - de uma forma muito deliciosa - os meus tempos de aprendizagem de música: fazendo exercícios de carregar no 'Shift' e nas letras em simultâneo, recordei as dificuldades que tinha, no início da aprendizagem da música para poder tocar, de forma harmoniosa, nas teclas brancas e pretas. As correcções do texto tornaram-se assim momentos saborosos de retorno à infância e ao treino de trabalho de um outro teclado com a mão direita.
Um dia vou mesmo aprender piano, exercitando ambas as mãos num teclado que me traga também, felicidade.
Temos sempre tantos desejos para «um dia»! Foi isso que tornou a campanha dos pacotes de açúcar muito popular; uma espécie de «bolinhos da sorte» chineses. Eu leio sempre com muita atenção o que me calha no pacote de açúcar - Hoje de manhã dizia:"Um dia vais ser meu"...

*claro que rezava para que ninguém tivesse de ir à minha sala fazer qualquer coisa, pois sabia que nada disto seria bem visto na escola. E só o escrevo assim, descaradamente, porque estou protegida de Escrivaninha e o único ex-aluno que penso lerá isto, já passou, há muito tempo para a qualidade de amigo.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Figuras...por estimação

"- Boa tarde! Faz favor?...
- Queria dois bifinhos de perú e uns hamburguers, por favor.
- Ora cá está. Mais alguma coisa?
- Não, muito obrigada.
- E o Minhú, está bonzinho?
Estaquei, verdadeiramente espantada.
- Conhece o meu gato? - perguntei deliciada pela gentileza
- Qualquer pessoa que more nas redondezas sabe que a senhora tem um gato chamado Minhú! - o sorriso que exibia acentuava ainda mais a raiva do seu olhar.
Saí envergonhada do talho. Ainda não me tinha apercebido que, ao cair da noite, mais de meia cidade devia descobrir que eu tinha um gato e queria que ele voltasse para casa, são e salvo..."

terça-feira, 20 de julho de 2010

Por detrás dos livros

Abriu uma livraria na Amadora!
Não deveria ser um acontecimento assim tão raro, numa terra para lá de populosa, mas...há tempos que não havia uma.
A minha irmã disse-me que era uma livraria que abrira há tempos num sítio mais escondido, mas eu vi-a ontem, já noite escura, montra brilhante de livros.
«First thing in the morning» (o meu conceito de «morning» nem sempre é coincidente com outros conceitos mais comuns) lá entro eu, farejando o ambiente da livraria. E nome bonito que tem: Palavras de Culto!
Certamente eu podia entrar e não comprar nada...se calhar não podia, porque se me insinuou no espírito uma referência que me pareceu apetecível, referida em contextos fisica e temporalmente diferentes: a Universidade e uma aula de Yoga. A referência era «O Sentimento de Si» de António Damásio, neurocirurgião português, actuante nos «States».
Talvez tenha sido exagerado - reconheço. Sempre fui de extremos: entre Doreen Tovey e António Damásio há muito mais que um oceano de diferenças e não sei se terá sido boa ideia lançar-me em tal aventura com tão poucas horas de navegação livre...mas enfim...Dei comigo deliciada a ler as primeiras páginas da Introdução. Que bem que ele escreve! E, sobretudo, a apreciar a seriedade e o entusiasmo - se calhar o sentimento de si, ainda não sei - com que escreve!...
No comboio regressei a Tovey, que o outro exige uma mesa de apoio e um espírito aberto e não uma breve passagem entre estações e apeadeiros.
Agora que cheguei a casa, adiando por mais um bocadinho os textos sérios, dei comigo a pensar que o que eu procuro no livro é a pessoa que o escreveu e o propósito com que o fez. E, nesse aspecto, Damásio e Tovey, não são assim tão diferentes. Ambos se dão, se entregam a um público que os procura.
Eu sei, eu sei, eu própria estaria com vontade de esbofetear a criatura que escreveu este texto, aproximando, displicentemente, Tovey e Damásio. Teria vontade de esbofetear se não fosse eu a própria autora desta reflexão. Gosto de procurar a pessoa por detrás do livro. E estes dois livros têm pessoas lá dentro.
Ao correr da viagem de comboio, dei comigo a pensar que sempre foi assim. Quando eu era muito pequena abria os livros antigos que povoavam estantes lá de casa - livros mais antigos que a casa, mais antigos que nós, comprados, herdados, recolhidos, eu sei lá e muitos deles tinham assinaturas. Assinaturas cuidadas, em cor azul clara, naquilo que eu aprendi a chamar misticamente «caligrafia».
Várias vezes me apercebi que ninguém sabia de quem eram as assinaturas: os livros tinham sido comprados em segunda mão, vindos de um leilão, um alfarrabista, ou perdiam as suas origens em histórias muito recuadas, anteriores à invenção da «família nuclear».
Lá em casa cabiam todos os livros e as memórias. E quando um livro não tinha uma memória precisa, eu abria-o, cheirava-o, sentia-o, folheava-o e inventava-lhe uma memória. Se a primeira letra da «caligrafia» era um A, criava uma Amélia sozinha numa sala de leitura, com uma mesa de camilha; se fosse um C, visualizava uma Catarina doente, buscando nos livros a companhia que lhe faltava durante o dia atarefado da família, se fosse um R, era certo ser Rebbeca, assim mesmo, com dois bs, que escondia atrás do livro o lenço que bordava clandestinamente com o monograma do seu amado...
Acho que eram todas personagens das Mulherzinha, feministas letradas, que encontravam nos livros forças para a emancipação que tardava a chegar.
E pronto, hoje mais não digo, só talvez...citando Carlos Pinto Coelho no Acontece, dizer que «é meu privilégio» poder usufruir da escrita de quem o faz tão dedicadamente.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Pata ante pata

Toda a mudança causa um certo desconforto, mesmo quando é causa de excitação, de entusiasmo. Somos seres rotineiros, por mais que o não queiramos e, frequentemente, quando operamos mudanças, estas conduzem-nos a novas rotinas que nos absorvem.
Não é necessariamente mau...

Vem tudo isto a propósito de eu estar a preparar com algum cuidado - com consciência disso, pelo menos - a mudança que se vai aproximando.
Afastada das leituras «light» (ou porque sim, gosto mais de uma expressão portuguesa e anti-anoréctica) durante os últimos anos, desaficionada (isto existe?) de novelas desde a última que acabou para aí há um mês, desinteressada de concursos e um pouco desiludida de séries, resolvi «começar a abrandar».

Todos os livros que enchem as estantes lá de casa me parecem sérios de mais ou, pelo menos, inapropriados para este interregno. Comprar um livro nunca me parece despesa escusada e lá fui eu à procura.

Batendo mentalmente nas mãos que se enredavam na História, na Sociologia, na Metodologia das Ciências Sociais, ou, já a medo, nos romances históricos, fui excluindo as hipóteses. Considerei rapidamente a culinária ou os trabalhos manuais, arrepiei-me com os preços de belos livros de imagens (e com tão pouco que ler...) e estava quase a render-me a Nora Roberts (não falo por falar, já li dois romances dela; não eram maus, o único problema é que eram iguais) quando ele me apareceu pela frente. Assim, deitado na estante, com olhos azuis suplicantes, entre o desafio para a brincadeira e o pedido descarado de mimo. O livro chama-se «O Novo Inquilino» e o título está enquadrado entre dois novelos de lã. Já perceberam de que tipo é o inquilino, claro. Meti-o numa mala sem fecho - para poder respirar - e trouxe-o comigo para a capital. Redescobrir o prazer de ler nos transportes públicos.

A história é muito «british», com muita vida no campo, muitos animais e aquele cunho de isolamento e autosuficiência que me recorda o que vi no Quebéc: os vizinhos mais próximos ficavam a uma distância que não viam um aceno da porta de casa. Aquilo para mim não eram vizinhos: eram primos afastados. Imagine-se! Ter de ir de carro para todo o lado, ou de galochas, ou aprender a ser canalizador e carpinteiro para resolver os problemas durante o loooongo Inverno, quando as casas ficam isoladas pela neve ou pela chuva!

Portanto já estou farta de tanto «light» e tanto rom-rom. Quero voltar a ler um romance a sério, com uma intriga, que seja, no mínimo, intrigante.

Mas, para colocar aqui qualquer coisa, cá fica um pedacinho de texto, daqueles que só os amantes de gatos compreendem:

"«A esperança é a última a morrer» é, sem dúvida, o mote de qualquer dono de siameses. Os gatos desfazem os estofos das cadeiras, transformam tapetes em perfeitas imitações de astracã, destroem loiça como se tivessem acções em alguma olaria...é mesmo assim, quando o dono substitui a peça pensa que desta vez vai correr tudo bem. Tomando uma ou duas precauções talvez, como colocar mantas em cima da mobília mais sensível, tirar a loiça do traçado da corrida de obstáculos siamesa e, quando se apanha os culpados no acto, ordenar-lhes com firmeza, muita rispidez, a desisitir...
Claro que nunca funciona." Doreen Tovey, pp. 82-83

A sério! Procurem a capa: é lindíssima! Se eu estivesse perto do meu scanner oferecia-vos a imagem.

E agora, continuar as obrigações, que o tempo absolutamente livre, ainda tarda.

sábado, 17 de julho de 2010

Spoil it all

Minha História, do tempo em que o Chico ainda era de Hollanda, como o pai, o grande historiador

"Ele vinha sem muita conversa, sem muito explicar
Eu só sei que falava e cheirava e gostava de mar
Sei que tinha tatuagem no braço e dourado no dente
E minha mãe se entregou a esse homem perdidamente, laiá, laiá, laiá, laiá
Ele assim como veio partiu não se sabe prá onde
E deixou minha mãe com o olhar cada dia mais longe
Esperando, parada, pregada na pedra do porto
Com seu único velho vestido, cada dia mais curto, laiá, laiá, laiá, laiá
Quando enfim eu nasci, minha mãe embrulhou-me num manto
Me vestiu como se eu fosse assim uma espécie de santo
Mas por não se lembrar de acalantos, a pobre mulher
Me ninava cantando cantigas de cabaré, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha mãe não tardou alertar toda a vizinhança
A mostrar que ali estava bem mais que uma simples criança
E não sei bem se por ironia ou se por amor
Resolveu me chamar com o nome do Nosso Senhor, laiá, laiá, laiá, laiá
Minha história e esse nome que ainda carrego comigo
Quando vou bar em bar, viro a mesa, berro, bebo e brigo
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá
Os ladrões e as amantes, meus colegas de copo e de cruz
Me conhecem só pelo meu nome de menino Jesus, laiá, laiá, laiá, laiá"


E a desilusão?

De que cor será?
E o desespero?...Amarelo-torrado...
Mas não consigo atribuir cor à desilusão...
A desilusão é um piscar de olhos pestanudos, encharcados...mas não tem cor.
Poderá a desilusão ser a ausência de cor?...

Mensagem

"Quando uma brisa leve tocar teu rosto não se assuste:
é apenas a minha saudade que te beija em silêncio."


Autor não identificado. Recolhido numa colectânea de frases sobre a saudade.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Dança

O que é que faz da valsa uma melodia tão mágica?
Não sei...o que é certo é que há melodias que nos enlaçam pela cintura e nos fazem rodopiar, onde quer que estejamos.
Foi assim hoje: eu e o corsário de regresso e entra-me o Chico Buarque pela alma dentro e leva-me numa das mais simples - e, por isso, talvez - mais belas melodias de amor.

"Um dia, ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não maldisse a vida tanto quanto era seu jeito de sempre falar
E nem deixou-a só num canto, pra seu grande espanto, convidou-a pra rodar
E então ela se fez bonita como há muito tempo não queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tanto esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça, foram para a praça e começaram a se abraçar
E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouvia mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz"

Vinicius de Morais/ Chico Buarque, Valsinha

quarta-feira, 14 de julho de 2010

(Com sotaque do Brasil)

"- Que lindo anel, minha senhora. É diamante?
- Pôxa, obrigada. Não, esse é de marido mesmo. "

Companheiro

Na minha família sempre houve a mania de dar nomes aos carros. Ou, talvez seja só eu mesma que o faça...Não, o meu pai chamava «Boguinhas» ao carro. Lembro-me que um dia instalou lá um boneco muito giro, daqueles com uma cabeça que balança...creio que era cor de laranja e tinha um tufo de pelos brancos no peito. Estava no «tablier». O meu pai disse-me que ele se chamava Mikim e eu acrescentei Tremeliques, Peludinhas, evidenciando já a falta de economia em palavras.

O meu padrasto tinha uma carrinha de trabalho, que baptizei de «Bota Botilde», que só tinha dois lugares. Eu viajava em cima do motor - sem cinto, completamente «fora-da-lei» - e detestava quando ele parava a falar com alguém, deixando o carro ligado, pois o motor aquecia e o meu assento tornava-se insuportável.

Resisti muito a ser condutora, preferindo sempre mais ser conduzida que conduzir. Em transportes públicos, aproveitando o tempo para ler ou em carros particulares, comentando a paisagem e observando pormenores...Momentos gloriosos foram aqueles em que eu trabalhei num local que tinha motoristas para os chefes e, como me dava muito bem com um dos motoristas, às vezes ele dava-me boleia para almoçar ou sair do emprego e insistia sempre para que eu me sentasse lá atrás. «Faça de chefe, vá treinando. Eu já estou habituado a ser motorista.»

Bem, seja como for, a veracidade da frase (creio que do Eça) «O país é Lisboa e o resto é paisagem», obrigou-me, se queria ter a paz da província e a autonomia do feitio, a comprar um veículo. Não foi fácil a minha adaptação ao papel de condutora. (E, se calhar, a adaptação dos outros motoristas, ao meu papel de condutora, também não terá sido fácil!)

Não me consigo recordar dos nomes que dei - certamente dei - aos meus dois primeiros veículos, que tão torturados foram! Recordo-me que o primeiro tinha as letras de matrícula «AV», o que, inexplicavelmente (!), lhe valeu a designação de «Azelha ao Volante», colocada por um colega de trabalho da altura. O segundo tinha as letras «VC», o que não me inspirava para o nomear, até ter partilhado esta preocupação com um amigo «informático», que o apelidou de video-conferência. Mas, nunca me identifiquei muito com tal nome: as minhas conferências preferidas são presenciais, à roda de uma mesa de café, com um bom grupo de amigos. (Isto deve ser um pleonasmo, porque um mau grupo de amigos não chega a ser um grupo de amigos. Haverá «maus amigos»? Bem...fica p'ra próxima).

Tudo isto vinha a propósito da perfeita simbiose que tenho com o meu terceiro carro («Não há amor como o terceiro, nem luar como o de Janeiro!») que tem não uma, mas duas designações, que demonstram o meu amor incondicional por ele.

Sendo um Opel Corsa, baptizei-o logo de corsário, pirata arrebatador que me ofereceu o verdadeiro prazer de conduzir. Mas a ternura existente entre nós, em momentos bem complicados da minha vida, trouxeram-lhe a segunda designação: O meu corcel.

O meu corcel faz-me voar, em viagens necessárias, exteriores e interiores. O meu corcel que me garante uma viagem feliz, por montes e vales, planícies e costas, até onde eu encontro o momento perfeito. Às vezes no Sul, para «deslanchar» um texto difícil, outras vezes em S. Pedro de Moel, como no dia da escrita da Conclusão, em que tenho a certeza que ele aumentou as janelas para que eu pudesse escrever até ao fim, quase só com uma réstia de luz natural e sem olhar para o relógio, que está por cima do rádio - nesse dia emudecido - até ao ponto final, passava da hora do jantar.

Ele sabe os locais certos para despertar emoções, para despertar o choro catártico ou a reflexão profunda. Ele sabe as paisagens da minha alegria. Ele conhece os programas de rádio adequados ao meu estado de espírito. Ele não é muito aventureiro, para me garantir a segurança e só segue, sem qualquer temor, as setas castanhas que indicam sempre «um Portugal desconhecido, que espera por si».

Um dia vamos viajar mais longe, arriscar-nos no estrangeiro, pois tenho a certeza que ele também sabe línguas. Com ele, sinto-me o Trinitá e um dia arrisco riscar um fósforo na sola das botas para acender um cigarro ao canto da boca.

O meu corcel das viagens necessárias, sofridas, sorridas, sonhadas; o meu corsário das pilhagens de paisagens. O contador da kilometragem da minha vida, o confidente de todas as horas, o autor de tantas possibilidades...impossíveis, até.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Cenário

Subo a escada com a garrafa de água das pedras na mão. Olho para a sala, com os sacos da viagem ainda espalhados - retirei apenas a roupa para lavar e os papeis...Em cima da mesa uma lista de coisas para fazer, para ir riscando, cumprindo, aproximando do fim a tarefa.
Retiro uma almofada do sofá e coloco-a no chão, procuro a mola vermelha para prender o cabelo, demasiado longo para o Verão (um dia destes vou cortá-lo curto!) e atiro para longe as chinelas, apoiando a planta dos pés na tijoleira fria do chão. Afasto a mesa...olho em redor. As calças de ganga não são confortáveis para me sentar no chão. Procuro uma peça leve - vermelha, hoje tem de ser vermelha - os calções do pijama que os meus amigos me ofereceram num aniversário: aqueles que têm um gato rodeado por ossinhos.
(Ficaram tão desolados quando eu disse que algo não estava certo! «Os gatos não comem ossos...Será um cão?»
Um deles quebrou o silêncio por fim: «Tu não tens a mania que és diferente dos outros? Se fosses gato aposto que ias querer comer ossos!»
O som das gargalhadas repôs a normalidade do grupo e da celebração).
Cá estão: curtinhos, frescos e...invulgares.
Agora as bolachas. No meu cenário de escrita tem de haver bolachas e água das pedras.
Sempre me fascinei com as rotinas e manias dos escritores: Agata Christie escrevia na banheira a roer maçãs, Freitas do Amaral disse uma vez que escreveu cada capítulo da sua tese num hotel diferente...Para se ser um bom escritor deve-se ter manias? Se calhar todos temos manias para as coisas que fazemos, mas só as das pessoas célebres as acompanham para fora do anonimato.
Seja como for, o cenário está montado: pé no chão, almofada, bolachas, água das pedras, caneta e papeis. Vamos lá contornar o calor da tarde e refrescar a escrita!

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Momento(s)

Procurava eu qualquer coisa para escrever por aqui, para colocar a etiqueta «Partículas de Felicidade», pois, hoje, deveria ser esse o tema, mas a inspiração não estava de feição.
Resolvi então apenas procurar uma das frases mágicas do "Desaforismos" que já despejei quase todo aqui (com excepção das frases que só se aplicam ao Brasil e das piadas «à gajo», que são muito boas, mas sem um grandes hipóteses de cordialidade e convivialidade com as frases que demonstram o carácter feminino de uma escrivaninha) quando encontrei esta «definição» para Momento:

"A vida é feita de momentos que infelizmente não podem ser vendidos separadamente"

E, aí, fiquei meditabunda (o que é capaz de também ter interpretações dúbias do lado de lá do Atlântico...):
Será que, se pudéssemos comprar os momentos separadamente iríamos conseguir ter «Partículas de Felicidade»? Será que a Felicidade não depende também do dosear das partículas? Do balanço entre o bom e o mau, a felicidade e a infelicidade, o ying e o yang?
Será que, se nos fosse dada a possibilidade de compor o nosso puzzle de vida, teríamos a capacidade de o fazer equilibrado?
Será que não precisamos mesmo de uma certa dose de imprevisibilidade e expectativa, para nos mantermos «vivos», mais que biologicamente?

E isso leva-me a outro Desaforismo: Para a Palavra «Feliz» lê-se "Para ser feliz é preciso fazer amizade também com as tristezas."

Et voilá! Um post que deveria ser simples e fresco, transformou-se numa cascata de considerações/interrogações, algo perturbadoras.

Imprevisibilidades! É a vida...

terça-feira, 6 de julho de 2010

Graduação

«Ui! Está tanto calor! Até assa canas ao sol...» diria hoje a minha avó, ao reentrar em casa, depois de ir comprar o pão e, talvez, um molhinho de nabiças.
O ar matreiro que lhe ficava no fim da frase, sempre me deu a sensação que havia ali qualquer coisa que eu não percebia...até, depois, ter conhecido a palavra «sacana» e ter, então, entendido o trocadilho.
Hoje dei comigo a pensar que é uma palavra que está em desuso, sobretudo com a força que tinha.
Encontramo-la nas legendas das séries americanas, na tradução de «bastard» e, na doce expressão brasileira de «sacanagem». Mas nada com o ar dramático que poderia ter, antigamente, chamar «sacana» a alguém.
Talvez porque o próprio conceito de sacana - fortíssimo, no tempo «em que se lavava a honra com sangue» - tenha evoluido a par com o dos detergentes, cada vez mais eficientes, que lavam qualquer nódoa: de fruta, de terra ou de carácter.
Os sacanas instalaram-se - descaradamente - por todo o lado. Despertam-nos a raiva, mas acenam-nos dos seus lugares confortáveis.
Talvez hoje o sol asse só mesmo as canas, porque todos os sacanas têm ar condicionado. Condicionado, precisamente, pelo graduação de sacanice que o «doutô» tem numa escala própria, em escalada vertiginosa.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

José Machado Pais

"A pós-linearidade de José Machado Pais
A crise é um momento de indecisão que apela à decisão. A indecisão é um paradigma emergente da sociedade e da economia contemporâneas. E a explicação de tão complexo labirinto, através da observação dos movimentos oscilatórios de um iôiô, colocou o professor José Machado Pais entre a elite dos pensadores do mundo contemporâneo."

Para ler mais é só continuar a página 137 do Portugal Genial (Carlos Coelho) que assim se inicia.

Para ler a mais recente obra deste Português Genial é dirigir-se a uma livraria e procurar a capa que aqui reproduzimos. É mesmo genial! Muito, muito bom! Recomendo em particular as doces reflexões sobre as frases escritas em pacotes de açúcar que andam, por aí, pela cidade e que, frequentemente não vemos na «lufa-lufa quotidiana» em que se instalou a lógica do «encontrão». Encontram isto e muito mais neste livro que -aqui armada em «opinion maker» - vos recomendo.
Uma boa leitura, para reflectirmos sobre a vida nas cidades, sobretudo se a lermos no campo ou na praia.

domingo, 4 de julho de 2010

Ouço Pedro Abrunhosa de Janeiro a Janeiro

O fascínio do álbum Luz, que me aqueceu o Inverno, prolonga-se em ritmos mais inquietos para o Verão, nas palavras e sons de Longe.

Para mim é um enigma: não simpatizo com Pedro Abrunhosa, não gosto de o ver ao vivo, não sinto qualquer empatia com a figura dele, mas...embalo-me nas palavras dele, como se fossem carícias de alguém muito, muito perto. Não sei como é possível...creio que é o único artista em relação a quem isto me acontece. Mas, que fazer? Cá estou a saborear a minha nova aquisição musical!

E...olhem lá, se estas palavras não parecem ter sido escritas por alguém maravilhoso:

"Vesti a luz do teu nome
E chamei-te pela noite
Entraste no meu sono
Como o luar entra na fonte

(...)

E quando vens pela bruma
Acendem-se estrelas no quarto
E dizes:
«Trago a luz das sereias
Trago o canto da tempestade
E como o vento na areia
Deitas-te em mim feita metade»

(...)" Pode o Céu ser tão Longe

"Conta-me uma história
De tesouros e luar
És Capitão da areia
E Pirata de Alto Mar
Conta-me uma história
Onde eu entre devagar
És Capitão da Areia
Diz-me onde me vais levar" Capitão da Areia


E quando comecei a comprar música dele, tive esperança de encontrar um outro autor das letras, alguém que eu pudesse imaginar...perfeito. Não! É ele mesmo. Debati-me, cogitei...e depois cedi, porque o amor tem destas coisas, que, frequentemente, não têm explicação...e eu amo as letras do homem. E as músicas...Gosto, pronto! E agora tenho música dele, para ouvir de Janeiro a Janeiro.

Batidas Perdidas?...

"O coveiro que o diga, quantas vezes se apoiou
na enxada
O coração que o conte, quantas vezes já bateu
para nada"

Sérgio Godinho, Balada para Rita