sexta-feira, 25 de novembro de 2011

As Pessoas Sensíveis

"As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas

O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra

"Ganharás o pão com o suor do teu rosto"
Assim nos foi imposto
E não:
"Com o suor dos outros ganharás o pão."

Ó vendilhões do templo
Ó constructores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito

Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem."

Sophia de Mello Breyner Andresen   (Livro sexto)

sábado, 19 de novembro de 2011

Pós-democracia?

"O que está hoje em jogo no apodrecimento imparável da crise do euro já não é a sobrevivência de uma moeda nem mesmo a sobrevivência da integração europeia. É a sobrevivência da democracia.
(...)

Refém da irresponsabilidade da ganância, a Europa não hesita em acolher governos ilegítimos e em adoptar como seu o discurso de que o voto do povo é um empecilho para "o que tem de ser feito". Esta Europa tem medo da democracia. E só a democracia pode resgatar a Europa."
José Manuel Pureza, no DN de ontem.
Um texto "aterradoramente" bom que deve ser lido na íntegra.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Os Professores

"O mundo não nasceu connosco. Essa ligeira ilusão é mais um sinal da imperfeição que nos cobre os sentidos. Chegámos num dia que não recordamos, mas que celebramos anualmente; depois, pouco a pouco, a neblina foi-se desfazendo nos objectos até que, por fim, conseguimos reconhecer-nos ao espelho. Nessa idade, não sabíamos o suficiente para percebermos que não sabíamos nada. Foi então que chegaram os professores. Traziam todo o conhecimento do mundo que nos antecedeu. Lançaram-se na tarefa de nos actualizar com o presente da nossa espécie e da nossa civilização. Essa tarefa, sabemo-lo hoje, é infinita."
Isto é só o princípio. O texto (magnífico, na justiça de que nos cobre, no bem que nos faz) de José Luis Peixoto está a salvo aqui ao lado, no Salvo Seja!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Inquietação

"A contas com o bem que tu me fazes
A contas com o mal por que passei
Com tantas guerras que travei
Já não sei fazer as pazes


São flores aos milhões entre ruínas
Meu peito feito campo de batalha
Cada alvorada que me ensinas
Oiro em pó que o vento espalha


Cá dentro inquietação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Ensinas-me fazer tantas perguntas
Na volta das respostas que eu trazia
Quantas promessas eu faria
Se as cumprisse todas juntas
Não largues esta mão no torvelinho
Pois falta sempre pouco para chegar
Eu não meti o barco ao mar
Pra ficar pelo caminho


Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que está pra acontecer
Qualquer coisa que eu devia perceber
Porquê, não sei
Porquê, não sei
Porquê, não sei ainda


Cá dentro inqueitação, inquietação
É só inquietação, inquietação
Porquê, não sei
Mas sei
É que não sei ainda

Há sempre qualquer coisa que eu tenho que fazer
Qualquer coisa que eu devia resolver
Porquê, não sei
Mas sei
Que essa coisa é que é linda"
 
José Mário Branco

domingo, 13 de novembro de 2011

Alerta Laranja

"Quando os ventos da mudança sopram, uns constroem muros, outros, moinhos de vento."

Érico Veríssimo

sábado, 12 de novembro de 2011

Mitologia

"Os deuses, noutros tempos, eram nossos
Porque entre nós amavam. Afrodite
Ao pastor se entregava sob os ramos
Que os ciúmes de Hefesto iludiam.


Da plumagem do cisne as mãos de Leda,
O seu peito mortal, o seu regaço,
A semente de Zeus, dóceis, colhiam.


Entre o céu e a terra, presidindo
Aos amores de humanos e divinos,
O sorriso de Apolo refulgia.

Quando castos os deuses se tornaram,
O grande Pã morreu, e órfãos dele,
Os homens não souberam e pecaram."

José Saramago  (1922-2010)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Busca

"Era uma vez uma pessoa que procurava a sabedoria. Tinham-lhe dito que para a atingir tinha sempre de aceitar e recusar ao mesmo tempo tudo o que lhe fosse oferecido, dito ou mostrado. Quando perguntava por onde era o melhor caminho e lhe diziam “é por ali” ela devia seguir imediatamente nesse sentido e depois no sentido contrário. Tendo assim percorrido todas as direcções indicadas e as não indicadas, sem mais caminhos a percorrer, sentou-se no chão e começou a chorar. Sem saber, tinha chegado."
ana hatherly : tisana 374

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Amostra sem valor

"Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível;
com ele se entretém
e se julga intangível.


Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.


Eu sei que as dimensões impiedosas da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo."

António Gedeão

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

"Não procure alguém que te complete...Complete a si mesmo e procure alguém que te transborde."

Clarice Lispector

Uma Anedota (das primeiras que se aprendem)

Duas formigas japonesas encontram-se no meio da rua.
- Olá. Como te chamas?
- Fu
- Fu, quê?
- Fu Miga. E tu?
- Ota
- Ota, quê?
- Ota Fu Miga

domingo, 6 de novembro de 2011

Insubmissa

É uma palavra que eu quero guardar.
Talvez um dia necessite de a recordar.
Hoje de manhã, ouvi de novo o conselho (da uma décima pessoa, creio) que me incita a ir ao médico e a tomar uns antidepressivozitos, para acalmar, facilitar a integração...
E quando eu digo que não sou eu que estou errada e não tenho por isso de ser eu a relevar as coisas, as pessoas reforçam o conselho.
Talvez um dia tenha de ceder.
Talvez possa depois vir aqui recordar a minha vida anterior. Ou a minha vida, não dominada por drogas que me criem um espírito submisso ou me façam ver borboletas e passarinhos nas margens dos memorandos castradores.

sábado, 5 de novembro de 2011

Não há melhor mordaça que um cheque

O riso inteligente, que resulta de uma análise clara e independente de uma situação e que nos faz ver o ridículo de quem tenta meter-nos "Lisboa pelos olhos dentro" nunca é bem visto por quem manda.
Quem manda quer ser obedecido. Ponto.
Quando se pensa, se questiona, se reflecte, obedecer nem sempre é fácil, por vezes é mesmo impossível.
Numa Democracia a atitude deveria ser essa: obedecer - ou melhor, respeitar e cumprir (e as palavras são sempre significativas) - mas fazendo uso da capacidade de racicínio e usando o direito de intervenção nos locais apropriados para mudar o que está mal.
A Democracia dá muito trabalho. Dá trabalho a quem dirige, porque tem de explicar o que faz e saber aceitar as críticas; dá trabalho a quem cumpre, porque tem de pensar e decidir, envolvendo-se e fazendo por vezes parte da solução.
A crítica sempre está presente na sociedade. Mas há diferentes tipos de crítica: pode ser a crítica queixosa, estéril, puramente de chamada de atenção; pode ser uma crítica positiva, no sentido de apresentar as razões reflectidas da crítica e propôr, em simultâneo, perspectivas de solução, de mudança, de intervenção/partticipação de quem critica. Esta é uma crítica informada.
Este último tipo de crítica sempre beneficiou do trabalho dos humoristas. Um bom humorista é um crítico. Alguém que, pegando no lado caricatural das coisas, nos leva a ver os aspectos ridículos de certas situações. Uma boa crítica humorística consegue por vezes desmontar toda uma estratégia que visaria levar a opinião pública a aceitar certas coisas.
Esta é, a meu ver, uma boa forma de informação e intervenção na vida democrática.
Claro que não é admissível numa ditadura.
Em ditadura os humoristas eram controlados, perseguidos, por vezes eliminados.
Nesta democracia, que é muito diferente do meu conceito de Democracia, porque visa levar as pessoas a aceitar a omnipresença das decisões baseadas no capital e nas necessidades do capitalismo e dos capitalistas, o humor estava a incomodar muito. Mas não se pode eliminar. Não seria democrático e poderia até ser denunciado e dar mau nome a esta espécie de democracia.
O que se faz então? Aquilo que o capitalismo sabe fazer de melhor: compra-se!
São óbvias as "incorporações" por empresas públicas das poucas vozes inteligentes do humor português: Os Gato Fedorento estão ao serviço da PT, os outros constituiram recentemente "a Troika" ao serviço da CGD.
Os dinheiros públicos asseguraram o conforto dos humoristas, acalmaram a sua sede de crítica, eliminaram as suas vozes informativas. Principescamente pagos, estes humoristas desistiram do seu papel, vendidos à sociedade capitalista e ao poder do capital.
Devido ao empobrecimento da educação (que voltará a médio prazo à ditadura dos conteúdos, absorvidos para serem vomitados em exames dos conhecimentos estruturantes que levarão o país a um lugar decente nas estatísticas internacionais) e ao esgotamento dos trabalhadores (assoberbados por burocracias e assediados pelo medo do despedimento) em breve não se notará, em Portugal, a falta da crítica humorística.
Claro que o humor não desaparecerá: isso poderia soar a ditadura! Mantem-se uns quadros boçais e os programas de gargalhada fácil, nada que estimule o pensamento e possa despertar consciências.
Sai caro, mas evita críticas, acalma os ânimos, satisfaz a população e é um bom uso dos dinheiros públicos. Silenciando toda e qualquer oposição - que se cala voluntariamente - o capitalismo sai, mais uma vez vencedor, provando "que todo o homem tem um preço" e que, em liberdade, não há melhor mordaça que um cheque. Assim, o que foi passado ao humor português foi um cheque-mate!

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

"Tu,

que massajas egos com os polegares..."

(frase de uma publicidade a um telemóvel)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Quando eu morrer...

"Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa


que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudades de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me


a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu,
estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor."

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sangue Frio

"Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca sangras quando sofres
Guardas a dor dentro do cofre
Se alguém decifra o segredo
E se pica no teu ferrão azedo
Tu lambes-lhe o sangue do dedo
Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca ficas transparente
És daquela raça tão rara
Que tem no olhar o gelo quente
Se alguém te atinge o coração
Aguentas o baque
De frente
E sentes uma oscilação
Defendes-te com uma paixão competente
E encarnas tão impunemente
A pele de um animal de sangue quente
Que ama a sangue frio
Tu nunca choras ao ver sangue
Tu nunca ficas transparente
És daquela raça tão rara
Que tem no olhar o gelo quente
Gelo quente
Quente e frio"

Clã, letra Carlos Tê

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Estou a ver-me grega com isto

Então...isto não era uma Democracia?
Então...numa Democracia, quem manda não é o Povo?
Então...o referendo não é um instrumento de consulta do Povo, usado numa Democracia, para, precisamente, poder auscultar (e depois executar, espera-se) a vontade e os sentimentos do Povo?
Então...afinal, quando a resposta do Povo pode não ser favorável aos interesses económicos, a vontade do Povo não se deve perguntar?
Então afinal quem manda aqui?
G20?!? Quem lhes deu o direito de falar por nós? Para nós? Sobre nós?...

Na Grécia...o berço da Democracia, que se dizia a essência do mundo ocidental contemporâneo!

Abano, mentalmente, a cabeça, escandalizada, horrorizada, indignada, inconformada...

E o Papandreos vai levar tau-tau! A portar-se mal? Assim? Sem autorização de quem manda? Sim, porque quem tem o dinheiro é que manda. Vão "obrigá-lo a aceitar a ajuda". Será que não se nota nada de errado nesta frase? Pobres e mal-agradecidos, os gregos! Mas será que os pobres têm de ser sempre agradecidos? Humildes? De cabeça baixa? Afinal onde é que está aquilo que se chamou, em tempos, soberania nacional?

Estamos todos a ver-nos gregos, de facto. Nunca a expressão me tinha parecido tão apropriada!