Faz hoje 38 anos que o meu pai morreu.
No único Natal que fomos passar «à terra», evocado por anos e anos...Uma sombra no Natal! Alguém dizia sempre: «Faz hoje anos que fomos à terra passar o Natal...».
Dos que foram «à terra» naquele Natal, já vários estão enterrados e, agora, poucos são os que sobram desse tempo.
A família cresceu e temos hoje novos membros que não sabem dessas evocações ou que as arrumam na caixa dos «assuntos sensíveis para a mãe e as tias», mas que já não sentem nada de especial nessas alturas.
O que não deixa de ser curioso é que eu ficava sempre com o coração pequenino quando a minha mãe evocava estas recordações e achava que era uma sombra incómoda, sempre, sobre o nosso Natal, mas esta noite, quando voltávamos do cinema e o meu sobrinho disse: «Olha tia, já é segunda-feira. Diz ali: 27 de Dezembro.» foi dos meus lábios que se escapou - sem eu saber como - a frase: «Faz hoje anos que o meu pai morreu.»
O garoto guardou um silêncio respeitoso e eu repreendi-me mentalmente.
Depois concluí que há sempre alguém a perpetuar as tradições e que agora fui eu quem assumiu o papel de recordar a nuvem negra e incómoda sobre o nosso Natal...Afinal, talvez a nuvem negra do Natal que passámos «na terra» só se desvaneça quando já não houver na Terra ninguém dos que foram «à terra» nesse Natal...
(Assinalei a expressão «terra», porque sempre se disse isto lá em casa, mas o único que era daquela terra - de facto, o que podia dizer com propriedade «a terra» - faleceu no ano seguinte e estava duas gerações antes de mim. Mas «a terra» ficou sempre «a terra», talvez porque seja difícil considerar torrão natal um anel de uma cidade juncado de prédios ou talvez porque viva em nós uma nostalgia campesina das origens da alma lusa, muito cultivada no Estado Novo...tempo em que todos vivíamos no Natal em que fomos «à terra», há 38 anos atrás)
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