quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

8 h 15 m

"- Bom dia!
- Bom dia, professora. O fotógrafo tem fotografias lindas.
- Quem? - respondo ensonada e de mau-humor, que levantar cedo, nunca, nunca há-de ser fácil para mim...
- O fotógrafo que a professora falou. Eu fui ver e até guardei algumas fotografias.
Quando começo a perceber que ela - que até teve negativa no teste de História, note-se! - estava a falar de Halsman e da conversa que tínhamos tido sobre assuntos da História que extravasam em muito a árida Pré-História que constitui o programa deste nosso primeiro período, o meu coração esboça um sorriso, que ainda está no princípio, quando é interrompido por outra voz fresca de manhã: "Já se lembra do nome do outro senhor?"
- Quem? - pergunto já quase de bom humor
- O herói; o homem da floresta de Israel.
O sorriso extravasa o coração para se plantar na minha face, iluminando a manhã: - Aristides de Sousa Mendes. - Escrevo no quadro.
- Como é que era?...Quem era o homem?...dos alemães...
- Hitler?
- Sim. O que é que ele era na Alemanha?
- Não sabes? - pergunta outro, incrédulo
Atalho com um curativo, face ao desânimo que iria invadir a face do perguntador: - E porque haveria de saber? A matéria ainda nem é deste ano...
- Mas faz parte da cultura geral!...
- Que ele está a adquirir na escola, quando faz perguntas, porque quer saber.
- Está bem, pronto. - desistiu, com aquele ar de quem respeita a justiça, que eles fazem às vezes e que me deixa muito contente.
Mais um pouco de conversa sobre os judeus, ligando com a comunidade judaica brasileira que é retratada na novela da tarde "Caras e Bocas" e por fim o travão necessário - agora que já estão todos ganhos para a História - e o regresso à matéria deste ano: Os Fenícios e a escrita alfabética, os hebreus e a religião monoteísta...
Estávamos a falar do Príncipe do Egipto, da Walt Disney, quando nos apercebemos que a aula tinha terminado e era tempo do teste de espanhol.
Abandonei a aula, com o coração quente, pensando que, às vezes, contra tudo e contra todos, vale a pena acreditar!"

4 comentários:

josé luís disse...

"às vezes, contra tudo e contra todos, vale a pena acreditar!", foi mais ou menos o que pensei quando lhe enviei um mail ontem. mera coincidência? :)

Ninguém.pt disse...

Que falta de chá, o dos autores do programa de história obrigarem as criancinhas a aprender sílexes cromagnóticos antes de saberem o que se passou ontem...

Fenícios, para que vos quero?

Claro que num grupo há sempre pelo menos um curioso, uma esponja sedenta de absorver a um simples toque.

Escrivaninha disse...

Há quem diga - e eu estou tentada a acreditar - que as coincidências não existem...

Escrivaninha disse...

Fenícios, também vos quero, se vos conseguir unir tão facilmente com um cordel de tempo, como as primeiras contas de vidro, que pelas vossas mãos (Fenícios) chegaram à Península Ibérica.

O passado distante exerce sobre os miúdos uma atracção de fábula, de história das mil e uma noites, de riquezas faraónicas, misturadas com a ficção do Regresso da Múmia. Mas, sem dúvida, que o carácter pragmático que legitima a História como um dos utensílios a ser adquirido na escolaridade básica, só se encontra no passado recente, ou, pelo menos, a partir deste e das interrogações que nos levanta.