segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poema de Natal

Recebido agora mesmo, por mail, de alguém que resolveu resistir ao "Natal Digital", que por aí circula e enviar aos amigos um poema, à moda antiga. À moda dos escritores que escreviam, no papel, uma palavra de cada vez, um acto singular e voluntário.

" Natal

Percorro o dia, que
esmorece
Nas ruas cheias de
rumor;
Minha alma vã
desaparece
Na muita pressa e
pouco amor.

Hoje é Natal. Comprei
um anjo,
dos que anunciam no
jornal;
Mas houve um etéreo
desarranjo
E o efeito em casa
saiu mal.

Valeu-me um príncipe
esfarrapado
A quem dão coroas
no meio disto,
Um moço doente,
desanimado...

Só esse pobre me
pareceu Cristo."

Vitorino Nemésio

Obrigada. Feliz Natal!

3 comentários:

Ninguém.pt disse...


História antiga


Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.

Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.


Miguel Torga

Há quanto tempo não tinha um Torga?

Ninguém.pt disse...


Natal à beira-rio


É o braço do abeto a bater na vidraça?
E o ponteiro pequeno a caminho da meta!
Cala-te, vento velho! É o Natal que passa,
A trazer-me da água a infância ressurrecta.
Da casa onde nasci via-se perto o rio.
Tão novos os meus pais, tão novos no passado!
E o Menino nascia a bordo de um navio
Que ficava, no cais, à noite iluminado...
Ó noite de Natal, que travo a maresia!
Depois fui não sei quem que se perdeu na terra.
E quanto mais na terra a terra me envolvia
E quanto mais na terra fazia o norte de quem erra.
Vem tu, Poesia, vem, agora conduzir-me
À beira desse cais onde Jesus nascia...
Serei dos que afinal, errando em terra firme,
Precisam de Jesus, de Mar, ou de Poesia?

  
David Mourão-Ferreira

Escrivaninha disse...

Até já os «meus meninos» aprenderam a ler Torga (muito mais cedo que eu...) pois alguns destes poemas «migram» para o blogue de poesia que eu e outra colega criámos na escola, para dar espaço à criatvidade dos nossos alunos. E Torga é, claro, uma das inspirações que por lá vamos pondo.