domingo, 29 de dezembro de 2013

A CASA ONDE ÀS VEZES REGRESSO

A casa onde às vezes regresso é tão distante
da que deixei pela manhã
no mundo
a água tomou o lugar de tudo
reúno baldes, estes vasos guardados
mas chove sem parar há muitos anos

Durmo no mar, durmo ao lado de meu pai
uma viagem se deu
entre as mãos e o furor
uma viagem se deu: a noite abate-se fechada
sobre o corpo

Tivesse ainda tempo e entregava-te
o coração


José Tolentino de Mendonça

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Comunicação

Natal 2012
Encheu-se de coragem, digitou o nome dele no espaço de pesquisa do Facebook e escreveu-lhe uma mensagem: “Então? Ontem era Natal…”
Na antevéspera de Ano Novo ele respondeu: “O que queres dizer com isso?”
“Que esperava uma mensagem tua…”
“No Natal toda a gente manda mensagens.” – ela adivinhou-lhe o ar de desprezo ao escrever aquilo.
“Toda a gente, não. Tu não mandaste…”
“Para quê? Para ser igual a toda a gente?”
“Talvez. Não mandaste para quê? Para ser diferente de toda a gente?”
Ele nunca mais disse nada e ela espera que ele não tenha morrido…

Hesita agora: mandar-lhe outra mensagem?...

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O Natal

já se foi.
Agora...que venha o Ano Novo!

domingo, 15 de dezembro de 2013

Esperamos

todos que já estejas junto de Deus e que possas agora compreender o que para nós é impossível.

Descansa em paz!
Este é mais um daqueles momentos em que tudo está errado.
Daqui a duas horas estarei no funeral de um aluno.
Isto não está certo!
Era um menino de ouro, lutou com uma coragem incrível contra um cancro que foi avançando, minando, crescendo, corroendo, matando todas as possibilidades.
Tentou tudo. Tentou ignorar e acreditar que tudo era possível.
Tinha planos. Voltava para a escola, porque não queria perder nada.
Perdemo-lo  ontem, no fim de um sofrimento longo, arrastado, sem sentido, sem futuro.
Acredito que já estará junto de Deus, num céu que ele merece sem dúvida e onde poderá realizar o seu sonho de ser médico, para ajudar os outros.
Talvez volte noutro corpo, com mais sorte, com mais saúde, com menos sofrimento, mas com a mesma coragem, porque mais creio não ser possível.
Vai ficar um vazio muito grande na sala de aula, nas nossas vidas, na compreensão dos fenómenos do mundo.
Só sei que não está certo!

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Desassossego

- Mas é óbvio. Somos duas pessoas independentes - disse no tom autónomo e altivo que ensaiara desde muito jovem - Nem tu precisas de mim nem eu preciso de ti.
Ele fez uma pausa do outro lado do telefone. Ela começou a sentir-se insegura...Porque é que ele não reagia? Certamente agora as coisas iam ficar definidas. Ele ia deixar de tentar insinuar-se...
- Nós precisamos sempre de quem gosta de nós. - disse ele num tom calmo, que lhe soou a morno.
Ela ficou abalada. Como lidar com aquilo, era ternura pura. Como lidar com aquilo?
E começou o desassossego dela!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

A Oeste nada de novo

Em extratos, para lhes mostrar o que passaram os soldados da primeira guerra mundial.
Não houve uma única turma onde não houvesse uma criança que achasse que era um jogo. "Parece paintball!"; "Agora deviam carregar na tecla para o derrotar enquanto ele está de costas"; "Como se joga isto?"
Que gerações estamos a criar?
Que noção de realidade têm eles?
Como se lida com isto?

domingo, 8 de dezembro de 2013

Bem! A forma como o fim de semana fugiu de mim...deixou-me a pensar: será que só foi bom para mim?

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Uma casa nova, projetos novos...um corropio de novidade.
Mas eu - que estou cada vez menos nova - estou cansada e não tenho tido tempo de vir atualizar as novidades.

Mas é muito bom começar coisas. É muito bom mesmo!

E o Natal como corre por aqui adentro. E agora? "Let it snow, let it snow, let it snow!"

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Presente

Queria neste poema a cor dos teus olhos
e queria em cada verso o som da tua voz:
depois, queria que o poema tivesse a forma
do teu corpo, e que ao contar cada sílaba
os meus dedos encontrassem os teus,
fazendo a soma que acaba no amor.

Queria juntar as palavras como os corpos
se juntam, e obedecer à única sintaxe
que dá um sentido à vida; depois,
repetiria todas as palavras que juntei
até perderem o sentido, nesse confuso
murmúrio em que termina o amor.

E queria que a cor dos teus olhos e o som
da tua voz saíssem dos meus versos,
dando-me a forma do teu corpo; depois,
dir-te-ia que já não é preciso contar
as sílabas, nem repetir as palavras do poema,
para saber o que significa o amor.

Então, dar-te-ia o poema de onde saíste,
como a caixa vazia da memória, e levar-te-ia
pela mão, contando os passos do amor.


Nuno Júdice

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O Egito...Ui! Que falta do 'p'...

- Mas o que é ser privilegiado? O que é um privilégio?
- Uma coisa especial. Por exemplo, não pagar impostos.
- Muito bem. É um belo privilégio. Muita gente, hoje, adoraria.
- Mas, afinal...quem pagava os impostos eram os pobres?
- Então? O que são os impostos? Taxas sobre os rendimentos. Tal como hoje: O IRS, o IRC, quer dizer?...
Várias hipóteses no ar? "Atiram-se" palavras começadas pelas letras 'I', 'R'...
- Professora! Naquela altura já recebiam o ordenado em líquidos?
- Em líquidos? - pequena pausa. Tento - Em géneros, será?
- Não, em líquidos. Como agora. Os líquidos...
- Ah! - quase não conseguia conter o riso - Os rendimentos líquidos. Não são em líquidos.
E pensava como, ao falarmos depressa, achamos que todos dominamos os mesmos códigos.
E lá expliquei os rendimentos ilíquidos (que não sólidos) e os rendimentos líquidos (depois dos impostos) que cada vez mais parecem gasosos.
Fico tão feliz quando eles perguntam. E a fé que eles têm em que eu saberei explicar! Adoro!

sábado, 16 de novembro de 2013

Paredes

"Naquele dia instalaram um estendal e um candeeiro. A casa estava quase pronta.
Ela tinha um certo medo de se mudar. Sentia que a mudança de casa era mais do que isso: era o início de uma nova etapa, era o princípio de algo e ela não sabia bem o quê. Temia...mas ao mesmo tempo ansiava pela tal mudança que pressentia. Era um sentimento incómodo, mas ao mesmo tempo era uma desinquietação que a estimulava, a fazia sentir viva...quase diria mais jovem.
O novo colega de trabalho tinha-se disponibilizado desde o início para a ajudar. Deslocado de casa e da família tinha uma disponibilidade encantadora. Envolvia-a em atenções e tinha um sentido prático que ia conseguindo tornar a casa nova dela cada vez mais num lar. E ela fazia de conta que era só gratidão, queria que fosse só gratidão. Sabia que ele tinha uma família, que o esperava aos fins de semana, dos quais gostava, mas os sentimentos cresciam dentro dela como ervas daninhas. Por fim deixara de os combater. Aceitava-os como algo inevitável. Aproveitava sôfrega as ajudas na casa nova. Sabia que assim que se mudasse terminaria o sentido para aqueles encontros, convívios, conversas...
- Não tens um escadote? - perguntou ele
- Ainda não. - respondeu ela com aquele ar desolado e indefeso que adotava perto dele.- Sobraram parafusos das obras. se calhar vou comprar uma daquelas caixinhas com divisórias para os guardar. Podem vir a dar jeito.
- Já demonstras mais preocupação com esta casa do que com a outra!
- Espero ser melhor dona de casa agora. Espero gostar mais de estar em casa. Espero que esta casa me inspire projetos de escrita. Quero ser escritora aqui!
- Sê-lo-ás, vais ver.
Olharam-se longamente. 
Ela fitou as paredes e soube que não tinha de lhes confessar nada."

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

AS FLORES

Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
Duma manhã futura.


Sophia de Mello Breyner Andresen

domingo, 3 de novembro de 2013

AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta. 
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus
[braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.


Carlos Drummond de Andrade

TERNURA 

Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada

Olho a roupa no chão que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio…

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!


David Mourão Ferreira

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A Morte

É hora de pensar nos que partiram.
Cada vez mais penso neles. Burilando o que já pensei das suas vidas, vou descobrindo novos sentidos para as coisas, vou perdoando o que me tem magoado, vou relativizando os choques havidos, vou tentando compreender... É bem verdade que a História precisa de distância para se despir da emoção do momento e ser então História, não isenta (nunca o será) mas explicativa, exemplificativa, educativa.
Essa questão das «lições da História» também me merecerá um dia um texto, mas hoje o tema era a morte. A nossa relação com a morte, enquanto indivíduos e enquanto sociedade.
Sempre achei que quando chegamos à discussão da nossa relação com a morte é que pomos a nossa fé à prova. Tudo corre bem (para os otimistas, claro) desde que a vida vá fluindo à nossa volta, mas quando nos deparamos com a inevitabilidade da morte colocam-se as questões fundamentais da Fé. Há quem diga que é aí que ela é verdadeiramente posta à prova.
É hora de lembrar os nossos mortos. Parece que partiram todos cedo demais. E quanto mais nos vamos aproximando «da idade» (que lindo! parece até que houve um tempo sem idade...) até os que partem velhos nos fazem falta.
Frequentemente os meus alunos perguntam-me (face a todo o meu entusiasmo pelo progresso humano) se chegaremos à imortalidade. Não sei.
E queremos? Eu acho que queria.
Dizem-me que um dia estaremos cansados de viver. Se assim for...Mas não me parece possível...
O que é certo é que a morte de uma criança ou de um jovem chega sempre - e disso ninguém duvida - cedo demais. E o que dizer aos pais que geraram um filho com expectativas de o ver crescer? Como aceitar uma amputação dessas? Um casal que perde um filho deve sentir-se amputado, incompleto...
É a vontade de Deus...Será?
Chorar os mortos no dia de finados poderá aliviar algumas dores, mas a morte de um filho, um irmão, um colega, um amigo na infância ou na adolescência, por mais que sinta que vou crescendo em relação a estas questões\ da morte, creio ainda que é inaceitável!
O pior é que é cada vez mais inaceitável: mas então agora não curam quase tudo? Porque ficaram aqueles na réstia do «quase»? Porque não se consegue eliminar o sofrimento? Por vezes - tenho tanto medo de estar a ser injusta - parece até que aumentamos o sofrimento, esticando, prolongando, adiando o inevitável. Porque afinal a esperança é sempre a última a morrer.
Tempos houve em que a morte era tão frequente que não se questionava. Rezava-se apenas para ir escapando daquele jogo entre a vida e a morte que parecia não ter regras. Defendiam-se com as superstições: não dormir esticado porque a morte podia achar que estávamos prontos, evitar certas práticas ou praticar rituais para afastar o que é mau - e que o Diabo fosse cego, surdo, mudo, coxo e todos os outros problemas que o afastassem de chegar depressa junto de nós.
A mortalidade infantil era muito elevada. A morte das crianças era comum.
Seria certamente uma fatalidade, mas não era invulgar, não era esperada, mas era temida, era uma possibilidade sempre presente.
A morte estava muito mais presente na vida.
Depois a morte foi-se afastando da vida. Os idosos foram para lares, os doentes para hospitais. Longe da vista...longe do quotidiano, pelo menos.
Começou a proteger-se as crianças do contacto com a morte, do sofrimento que ela causa, do seu ser definitivo. Inventam-se desculpas, evasivas...«reencontrar-nos-emos mais tarde», «foi fazer uma viagem e depois havemos de nos reunir»...«adormeceu para sempre», «o sono eterno» e outros eufemismos com que vamos mascarando a brutalidade da realidade, a ineviatabilidade, a impotência de não conseguir explicar e aceitar.
- Cada vez mais há mortes assim...
- Olha que eu acho que cada vez há menos e por isso nos chocam tanto...
Será uma conversa que nunca chegará a conclusão nenhuma. O que é certo é que cada vez estamos mais impreparados para aceitar a injustiça de uma morte num mundo onde tudo parece resolver-se...menos a morte.
Todos temos alguém para chorar nestes dias. E, em certos casos, parece que todas as lágrimas são insuficientes para expressar a nossa incompreensão, a nossa solidão, o nosso desamparo perante a Morte.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Finados

- Este ano temos mais um morto, hem?
- Quem?...
- O feriado! Finou-se...
Palhaços!

domingo, 27 de outubro de 2013

O Diabo tem uma capa com que tapa e outra com que destapa, diz-se, mas eu acho que é a mesma capa, em movimentos contraditórios...vá-se lá saber...mas que o gato escondido tem frequentemente o rabo de fora, tem.

sábado, 19 de outubro de 2013

Conforme

Tenho uma amiga nova no Facebook. Uma colega mais velha, que se reformou muito desiludida com tudo o que lhe/nos fizeram nos últimos tempos do seu trabalho. É uma pessoa que considero intelectualmente ativa e válida, uma professora que lê, que se mantém atualizada, que intervém, que se sente cada vez mais triste e ludibriada pela política, precisamente porque pensa e não aceita sem reservas as patranhas que os políticos e os jornalistas nos tentam "enfiar pelos olhos dentro". (E não vale a pena acrescentar o adjetivo de "maus" a políticos e jornalistas, porque neste momento considero ser essa a regra e assinalarei apenas a exceção se surgir).
Esta minha amiga por via dos seus interesses e dos dos filhos que educou é muito atenta a questões de literatura e cultura, das quais não podemos desligar as da política, porque determinam as outras, as que nos interessam.
E, de repente, entram-me pelo Facebook dentro notícias de que me tinha alheado. Por vezes precisamos de um abanão. Eu precisava de voltar a estar atenta a estas coisas. Evito os noticiários porque me agridem, me entristecem e me ofendem. Num país que tento ajudar a educar há tantos anos é muito triste constatar o nível tão baixo de cultura que nos vendem e que nós compramos. E eu decidi não comprar.
Por respeito aos meus alunos que me fazem perguntas, ouço diariamente as notícias no rádio e ao fim do dia, numa pequena volta que faço para exercitar as pernas, demoro-me um pouco em frente à banca dos jornais. Mas, verdade seja dita, há muito tempo que lá não entrava. Entrei ontem para comprar o JL e verificar na entrevista de José Mattoso que sou uma privilegiada por ter apanhado uma época de licenciatura em História em que tudo estava a acontecer. Parece que li a Identificação de um País assim que acabou de sair; e também os Ricos-Homens, Infanções e Cavaleiros; e o Portugal Medieval e - embora não esteja relacionado - lembrei-me de África, o Macaco e o Homem, que foi traduzido para português uma semana antes do teste de Pré-História e que teve de ser comprado e lido de imediato, pois tornou-se o tema do teste.
Foi uma sorte! Melhor só teria sido ter tido idade para participar conscientemente no 25 de Abril, mas teria depois uma desilusão. Eu tive um curso de História muito bom! Uma Faculdade de Letras ao rubro a afirmar que a História é uma construção do presente e que agora podíamos fazer à História as perguntas que quiséssemos, sem medo. Interrogar era a palavra de ordem. Procurar os outros para nos encontrarmos. E decidir. Poder decidir. Querer decidir. Decidir.
De alguma maneira havia um país anterior que convivia connosco: o dos nossos pais e avós. Apesar do entusiasmo que sentiam e da esperança que lhes saltava dos olhos eram mais comedidos, cautelosos, temerosos...ou, se calhar (sei-o agora) sábios, pois compreendiam que o entusiasmo ia esfriar e que as novidades iam ser enfiadas em formas anteriores, apenas pintadas com cores mais garridas.
Esse país era a minha avó e o seu verbo imperativo "Conformar".
A minha família foi atingida por desgraças enormes muito cedo. A minha avó perdeu o seu único filho. E teve de se conformar. Este era um verbo que ela usava frequentemente. "Temos de nos conformar com a vida".
Esta expressão de resignação sempre me irritou e entristeceu. Funcionava como um balde de água fria no meu entusiasmo juvenil.
Os olhos da minha avó ficavam baços quando ela dizia "Temos de nos conformar", até a sua postura mudava. Era todo um peso do destino que lhe assentava nos ombros quando ela se conformava, quando ela entrava na forma que o destino lhe atribuía.
Ao ler as notícias de tudo o que estamos a passar enquanto país, enquanto comunidade humilhada por um bando de bandalhos que se sente bem-falante e que pretende invadir a História do futuro (como tão peremptoriamente afirmou o rasteiro Relvas ao fingir que não estava a ser varrido do Governo) voltou com toda a força o verbo "Conformar". É o que estamos todos a fazer: estamos a conformar-nos. Ficamos com os olhos baços, curvamos as costas e desculpamo-los dizendo "Eles não poderiam fazer outra coisa: é a troika que manda" ou "Os anteriores ainda fizeram pior" ou, de uma forma definitiva: "Não podemos fazer nada".
O verbo "Conformar" invadiu-me toda outra vez, com a consequente irritação que me provoca. Será que as formas não somos nós? Será que mais uma vez tivemos um país em que a mentalidade das pessoas não acompanhou o progresso? É tão mais fácil ser mandado! A Democracia dá muito trabalho. Se nos conformarmos e vivermos as nossas vidinhas, de preferência com pouco, que para mais não fomos feitos, talvez consigamos levar o barco a bom porto e sofrer bem para ganhar o céu, que o inferno está aqui e não o conseguimos desfazer.
É disto que somos feitos? De conformismo?

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Chove tanto lá fora!

Está uma noite boa para estarmos aqui as três enroscadas...
Eu estou só a terminar um teste, para ter o fim de semana verdadeiramente dedicado à minha nova habitação. Vamos começar a embalar os livros. E são tantos, meu Deus!
Elas, que devem ter um sistema de trabalho mais rápido que eu, parecem despachadas de todo e qualquer compromisso e já estão ali, enroscadas uma na outra, a desafiar-me para me juntar a elas.
Boa noite!

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Preparativos

Pouco a pouco vai-se aproximando o tempo da mudança.

Hoje foi tempo de encomendar os aquecedores, que o Inverno chegará lesto.

Depois de amanhã será o dia de equipar as varandas com proteções para evitar voos picados das gatas para o pátio.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

...

- Boa tarde. Estou a telefonar por causa daquele trabalho em minha casa, que o senhor até já fez o orçamento...Lembra-se? Tinha-me pedido para esperar porque foi operado de surpresa e não pôde trabalhar durante este tempo...
- Lembro perfeitamente. E estava a pensar telefonar-lhe...Mas ontem recebi um telefonema...Da médica...parece que tenho de ir fazer quimioterapia...e eu não sei bem como é...parece que é duro!
- Ai, valha-me Deus! Pronto, deixe lá o trabalho. Depois pensa nisso...ou até me recomenda outra pessoa, como sabe o que é para fazer...Agora pense na sua saúde. Não há nada mais importante. Pense na sua saúde!
- Não tenho feito outra coisa. Quem me dera poder pensar menos nela...

domingo, 13 de outubro de 2013

Diz-se

que Clarice Lispector terá dito

"Estou cansada da rotina de me ser".

Às vezes...

domingo, 29 de setembro de 2013

A importância do ato eleitoral

Hoje, horário matinal de domingo, dirigi-me ao café do costume para tomar um pequeno-almoço quentinho antes dos afazeres para o dia. Um dos afazeres era, obviamente, votar. E era esse o assunto de conversa no café.
Por entre posições diversas - havia quem declarasse que não ia votar, nunca ia - recordavam-se outras eleições anteriores.
As primeiras!
Vários de nós referimos a extraordinária afluência às urnas nas primeiras eleições em Liberdade. Eu era garota, mas também fui, integrando a briosa comitiva familiar, já exclusivamente feminina por essa altura.
A minha mãe, como sempre, registou em fotografia o Momento: o Grande Momento.
Comentávamos o entusiasmo, a indumentária de festa, o cuidado e o civismo colocado em tudo. Estávamos até emocionados, enquanto evocávamos tais momentos.
- Onde nos perdemos tanto? - pensei.
Falhada a tentativa de demover a cidadã abstencionista, lá voltei a vestir a gabardina e entrei no carro, que a votação era apenas a primeira tarefa de outras mais longínquas.
Quando estacionei em frente à escola primária, demorei ainda um pouco no carro, enquanto procurava a carta que tinha recebido em relação ao ato eleitoral - o novo nº de eleitora - o cartão de cidadã e uma caneta, que a minha mãe também sempre dizia que devíamos levar a nossa caneta: a nossa melhor caneta. Afinal seria muito triste que a tinta fraquejasse em momento tão singular.
Encontrados os documentos, levanto os olhos para uma família que regressava da votação. Deveriam ser os avós e os netos, pela diferença de idade. As garotas levavam umas bonecas, a senhora guardava os documentos na carteira e o senhor, com a máxima solenidade, arrancou os dentes postiços da boca e guardou-os num lenço ou guardanapo de papel.
Quedei-me abismada. Depois sorri, verdadeiramente contente: afinal as eleições são ainda momentos solenes e especiais, dignos até de usar os dentes que se guardam novinhos em casa, que são caros e incomodam no dia a dia.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

António Ramos Rosa

Apreender com as palavras a substância mais nocturna
é o mesmo que povoar o deserto
com a própria substância do deserto
Há que voltar atrás e viver a sombra
enquanto a palavra não existe
ou enquanto ela é um poço ou um coágulo do tempo
ou um cântaro voltado para a sua própria sede
Talvez então no opaco encontremos a vértebra inicial
para que possamos coincidir com um gesto do universo
e ser a culminação da densidade
Só assim as palavras serão o fruto da sombra
e já não do espelho ou de torres de fumo
e como antenas de fogo nas gretas do olvido
serão inicialmente matéria fiel à matéria

O Livro da Ignorância, 1988

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Poema dum funcionário cansado

A noite trocou-me os sonhos e as mãos
dispersou-me os amigos
tenho o coração confundido e a rua é estreita
estreita em cada passo
as casas engolem-nos
sumimo-nos
estou num quarto só num quarto só
com os sonhos trocados
com toda a vida às avessas a arder num quarto só
Sou um funcionário apagado
um funcionário triste
a minha alma não acompanha a minha mão
Débito e Crédito Débito e Crédito
a minha alma não dança com os números
tento escondê-la envergonhado
o chefe apanhou-me com o olho lírico na gaiola do quintal em frente
e debitou-me na minha conta de empregado
Sou um funcionário cansado dum dia exemplar
Por que não me sinto orgulhoso de ter cumprido o meu dever?
Por que me sinto irremediavelmente perdido no meu cansaço
Soletro velhas palavras generosas
Flor rapariga amigo menino
irmão beijo namorada
mãe estrela música
São as palavras cruzadas do meu sonho
palavras soterradas na prisão da minha vida
isto todas as noites do mundo numa só noite comprida num quarto só

António Ramos Rosa

domingo, 22 de setembro de 2013

O dia hoje estava tão lindo que parecia ter sido inventado...

sábado, 21 de setembro de 2013

O (meu) Valter

Uma das vantagens de não ter companhia é que posso, de vez em quando, apaixonar-me por umas figuras mais ou menos míticas, que são os artistas da nossa praça, atuais ou falecidos.
É que isto vem por ondas. Quando de repente me apercebo da genialidade ou de um aspeto docemente humano de um artista, parece que o encontro de forma recorrente.
Estou na fase Valter Hugo Mãe.
Valter Hugo Mãe já há um tempo é um escritor conhecido. Tem um nome irritantemente invulgar e uma cara normalíssima. Fisicamente não é atraente. Parece uma pessoa normal. Até há um tempo sabia que ele existia, mas não lhe dava grande valor. Os títulos dos seus livros parecem estudados para ser inapelativos e não via por aí grande coisa que me fizesse reparar nele.
Mas agora encontramo-nos a todas as horas.
Ontem ele fez-me parar um zapping da televisão, hoje esticou-se todo na capa do JL quando eu estava a comprar o i e preencheu-me o dia com depoimentos, crónicas e entrevistas. Senti-me a visitar a casa dele, a jantar com a mãe e as irmãs, a sentir a estranha dor da morte de um irmão que precedeu o seu nascimento e o encantamento das suas viagens e reencontros com lugares outros. Está em S. Paulo, imaginem!
Durante uns dias só falo dele, só o leio, só o comento, só penso nele.
Seria coisa para irritar um companheiro que, a certa altura diria: "Parece que estás apaixonada pelo homem, acaba lá com isso, ou vai ter com ele! - calando o amuado "O que é que esse gajo tem a mais que eu? Cara de xoninhas..."
Vi-o ao vivo uma vez numa tertúlia literária. No Chiado. Quer queiramos quer não, o poder de conhecer alguém pessoalmente dá uma reviravolta à relação. Eu estive perto dele!
Ele não terá dado por mim. Estávamos sentados em sofás distantes. Ele tinha o microfone e era motivo de interesse das pessoas dos outros sofás, eu era apenas uma dessas pessoas, com um livro de outro autor entreaberto, que parei a leitura para ouvir o que aquele rapaz, escritor, dizia. (Pela consulta dos arquivos do blogue, constato que foi em Setembro de 2009 e que era um "cordão de leitura", mais precisamente).
Mas o escritor nem está lá referido. Não tenho ideia do que ele disse. Não se me insinuou na memória.Foi só em Outubro de 2010 que eu fui definitivamente marcada por um texto deste autor: "Um poema que pudesse morrer", devidamente registado no blogue, caderno de viagens lidas e escritas.
Depois ele foi à FLIP em Paraty e escreveu sobre isso na revista Ler, creio. Depois começou a escrever textos maravilhosos sobre os professores, a profissão que eu vivo e o valor da escola pública.
Depois...agora já não há nada a fazer: estou mesmo apaixonada!
O JL que comprei hoje tem um magnífico texto sobre a Escola Pública para além de uma longa entrevista a propósito do último livro dele, que sai - ou saiu - sexta-feira. Acho que foi ontem,sim.
E ele revela-se assim uma pessoa incrível porque normal mas conseguindo viver o sonho de escrever e ser reconhecido.
Assim, com um ar simples, de quem faz apenas o que lhe compete, sem arrobos de estrelinha ou laivos de genialidade exagerada. Assim...aprendendo a viver com a solidão, porque «nunca ninguém chega perto o suficiente», considerando-se uma ilha e formando com  os amigos um arquipélago, procurando novos seres no reino das palavras, e vivendo a idade adulta como a conquista do «direito aos nossos defeitos e às nossas virtudes».
Assim, um escritor solitáris, que vive as suas excitações em viagens de palavras, em viagens físicas a lugares que o chamam, em encontros de pormenor, que escreve porque é assim, porque tem de ser, porque os livros curam, quase como o cumprimento de um desígnio.
O que é que ele tem a mais que os outros? Talvez o facto de não existir concretamente; de só se revelar em fascículos, em pequenos tomos, em pedaços de realidade construída que nunca sofrerão de um ronco à noite, de um arroto depois da cerveja, de uma gripe estupidamente sofrida ou de um descaso das minhas coisas. Ele existe enquanto o leio, arruma-se na estante e está lá para mim, quando eu preciso. Escreve para mim, dedica-se a mim, tanto quanto me interessa existe para mim. É um escritor! E é como tal que o amo.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Mutilação

Talvez não seja justo - sobretudo não será correto - mutilar um poema.
Mas se dizem que quando os criadores tornam públicas as suas criações elas passam a ser de todos os que dela fruem ou usufruem, poderá ser tão legítimo ler/escrever só um pouco de um poema como ver só um pouco de um filme ou interromper uma música antes do seu términus?
Não sei.
Mas depois da nossa discussão e do teu pedido de socorro, logo seguido da rejeição, da fuga e do afastamento que nos une, encontrei-te neste pedaço de poema. Só neste pedaço. O poema depois seguia um caminho que não era o nosso. Sobretudo porque a seguir o poema discorre sobre o que "dizem sobre o nosso amor" e o nosso amor para eles não existe. Na verdade o nosso amor não existe: persiste na sua não existência, que já um dia nos encheu os dias, nos embalou, nos enganou. Aí os outros achavam que nos amávamos e depois concluíram que o amor acabou. Mas eles não sabem nada. Esta persistência de algo entre nós não é amor, não é...Nós também não sabemos o que é, mas a ele retornamos, periodicamente, só para sabermos que temos o facto de já não nos termos um ao outro. O facto de não estarmos juntos é um facto da vida, tão forte como outra coisa qualquer. Há ausências, não-existências e persistências de finais que ocupam imenso espaço na nossa vida. Às vezes penso que se estivesses aqui não ocupavas tanto espaço como a tua partida e a tua ausência...
Assim sendo, estamos aqui, neste pedaço de poema, que poderia ser a narrativa dos dois pedaços autónomos que, nas nossas vidas, são ocupados pela(s) nossa(s) ausência(s), pelo que em mim és tu e pelo em que ti serei eu, sempre:

"Entre nós há uma ferida que já não 
sangra, mas não sara - um amor
que perdura e está perdido. Se vamos
juntos, nunca vemos passar a lâmina
do tempo, mas voltamos sempre
mais velhos do que partimos. (...)"

Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida, p. 175

terça-feira, 17 de setembro de 2013

domingo, 15 de setembro de 2013

Em perpétuo movimento

"(...) 
Amamos...e podemos ficar junto a alguém para sempre...mas nunca de forma estática e definitiva.Seguimos os dois lançados, por entre espaços, tempos, alegrias e sofrimentos...numa expedição em que o fim é o hoje de cada um.
A maior parte das relações não suporta o tempo, como que sucumbe à necessidade de a cada dia se renovar a atenção e o cuidado, porque hoje eu sou já diferente - e o outro também.
(...)"

Martins, José Luis Nunes, Filosofias, Jornal i, 14/09/2013

sábado, 14 de setembro de 2013

Cá por casa

as gatas ainda brincam com as etiquetas que atestam a viagem, penduradas nas malas que ocupam um dos sofás da sala, com as "lembranças" ainda por dividir, decidir e entregar.
A vida vai voltando ao normal.
O ritmo de lhes dar comida de manhã e à noite, voltar a fazer compras, ir preenchendo a agenda com os procedimentos pedagoburocráticos, alguns testes e anotações várias que a catadupa de assuntos que marca o início do ano letivo perturba a memória, mesmo quando metódica e em forma.
É necessário hierarquizar os assuntos. E arrumar expectativas e esperanças para tempos mais oportunos.
Hoje foi um dia especial para isso.
Estreei o top pintado à mão que comprei em Paraty. Paraty onde aspirava o ar bem fundo para ver se absorvia a genialidade que por ali deve pairar desde que, há vários anos, ali se realiza uma festa literária de renome. Leio-a, vejo-a (e invejo-a, confesso) na Revista Ler. Não posso lá estar na altura certa, que um dos espartilhos da minha profissão é a obrigatoriedade de férias no Verão. Quando a oportunidade da viagem surgiu foi o nome de Paraty que se me impôs.
A vila histórica é linda!
À laia de consolação havia uma festa de música que enchia as ruas de ritmos, risos e artesanato a enfiar-se-nos pelo desejo dentro, tentando a generosa vontade de viajante de trazer consigo um pedaço da viagem.
Cores, tons, sons, cheiros. Viajar é toda essa vertigem de sentidos. E realizar sonhos. E ser feliz. E estar ali. E desfrutar.
O mar era uma edição de luxo das páginas de A Volta ao Mundo. O sol uma carícia irreal.
- Portuguesas? O meu avô também veio de lá. Foram muitos dias de viagem. Mas ele queria ter voltado.
E o sorriso tinha um ar de família.
- De onde são? Esse\sotaque de que zona é?
- Ah, Portugal! Eu quero muito visitar.
O carinho é muito, os sorrisos sinceros, os abraços são longos, as conversas fluem, com as diferenças que o oceano não lavou completamente.
E era uma felicidade só!
Mas eu queria falar de hoje.
Mas foi o top de Paraty e eu já a fugir de recuo para as férias, que poderiam ter sido mais longas...
Hoje, dizia eu, a tarde fez-se de literatura e pintura, tudo exposto pelas ruas de Leiria, com direito a visita guiada à Rota do Crime do Padre Amaro.
As telas - seriam telões no Brasil - ocupam em sequência vários lugares da cidade. Aqui e ali irrompem com apontamentos dramatizados os membros do grupo de teatro que nos assustam, nos agitam, nos fazem rir.
As conversas paralelas ou oblíquas vão-se ouvindo. A determinada altura estamos todos a evocar os quadros de Paula Rego e a notar a evolução posterior da pintora em causa - uma luso-francesa que trabalhou anos no projeto - cuja última tela se distingue das outras no estilo, na expressividade.
Penso numa certa cultura artística que afinal todos vamos tendo. Penso na imagem de um artista. Penso no cruzamento das artes: o livro interpretado em telas cujas legendas são as citações da obra literária.
A passagem de Eça pela administração do concelho foi o pretexto para a organização da rota a partir de uma obra explicitamente situada em diversos locais da cidade.
Ler uma cidade. Cruzar patrimónios. Escrever. Ficar na História. Estar lá para ser lido e questionado tantos anos depois.
"Em 1872 estabeleceu-se a Comuna de Paris. A primeira experiência de uma república popular, socialista", foi qualquer coisa assim que o Professor disse.
Antes falara o Presidente da Câmara, recandidato nas próximas autárquicas.
Pensei na carreira política e diplomática de Eça, navegando no seio de uma sociedade hipócrita que desvendava de forma crítica e da qual participava de forma consciente.
Mudámos alguma coisa?
Se calhar não.
Saudades de lá. Do outro mundo da Língua Portuguesa. De uma rota dos nossos avós bifurcada por uma viagem de fuga, não, retirada estratégica, não, ultimamente enfatiza-se a inteligência da derrota infligida a Napoleão, cujas tropas ficaram literalmente a ver navios.
E o povo, senhores?
Espoliado por franceses e ingleses mirava o mar com amor e raiva, sabendo que lhes sugara a liderança e a esperança de riqueza.
Sacrifícios necessários.
Ontem, como hoje. Lá, como cá.
A vida vai voltando ao normal depois do turbilhão da viagem, da emoção do reencontro com um passado português que nos foi subtraído por imperativos politico-económicos.
Como seria se fôssemos todos índios?
Como seria se tivéssemos nascido do outro lado do Atlântico? Se fôssemos negros? Se tivéssemos sido feito escravos, forçados a trabalhar num continente distante?
Como seria se não tivesse sido como foi?
Se tivesse sido ao contrário?
A viagem agita-nos por dentro, muito depois de estarmos a cumprir horários, a desenvolver rotinas. A viagem viaja-nos para sempre.
Na realidade, acho que nunca recuperamos de uma viagem, felizmente.
A viagem agita-nos para sempre. A viagem muda-nos, molda-nos, rapta-nos para sermos também o outro que conhecemos.
Diz o mundo "Nunca mais serás o mesmo" porque na realidade serás tu e os outros a partir dessa viagem que é sobretudo interior, para o passado, para a História, para fora de nós porque dentro de nós.
Cá por casa viaja-se na saudade, no sonho, na inquietação de querermos ser todos os que somos sobretudo a partir de agora. Da viagem que terminou, mas nunca mais terminará.
É agora uma tatuagem permanente, mesmo estando eu aqui por casa.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Peter Pan

Faz já tantos anos da primeira vez que fui para a Escola.
A minha entrada na Escola foi preparada com mestria, pompa e circunstância.
A pasta verde-esperança trazida de Espanha pela tia Jesus esperava há vários meses para ser estreada na situação mais especial de todas: a entrada na Escola!
Dentro, a lousa que a minha mãe pusera por graça - que me foi muito útil, por sinal - lápis, borracha, cadernos e canetas novas. Tudo comprado para mim.
A bata impecavelmente branca, virgem, com a identificação da escola bordada "Escola Feminina nº4".
O cabelo loiro, lindo, brilhante, apanhado num vistoso rabo-de-cavalo.
E antes da Escola...o registo fotográfico no Parque. Como numa revista atual do "Regresso à Escola" dos supermercados, posei para a câmara familiar que era um instrumento importante e associado a momentos-chave da família.
Registado, preparado, devidamente assinalado, o meu ingresso na Escola volta todos os anos, com a mesma excitação, a mesma sensação de estar a começar algo de muito importante.Tão importante que começa sempre com a mesma força, que exige sempre um empenho e uma energia que me renovam.
Amanhã vamos encher a Escola de esperança, de futuro, de graça e expectativa, por mais um ano.
Lousa, mochila, lápis, manuais, computador, pen e password, que os tempos mudaram, mas o coração bate igual. Igualzinho. Pan-pan-pan-pan, como o Peter, que não sabia crescer.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Regresso à Escola

É já amanhã!
Já vão uns bons anos disto, mas fico nervosa...não, como na primeira vez, mas seria de esperar que deixasse de estar nervosa.
E não é bem...nervosa, com medo. É uma excitação que eu sei que me ocupa os dias, que transparece nos olhos e espreita da alma.
É amanhã. E determina tantos dias, tanta coisa.
A t-shirt d'escrita já está pronta. Desta vez foi comprada no Brasil, tem uma frase de Einstein sobre a abertura de espírito e chama a atenção para o perigo da extinção das tartarugas. E é azul.
Todos os anos seleciono criteriosamente a roupa com que vou apresentar-me aos alunos. Amanhã será apenas uma reapresentação, mas queria que eles absorvessem o exemplo de querer estudar, aprender, evoluir, viajar. São a minha direção de turma por mais este ano. São já 3 anos a tentar que estudem e que gostem de o fazer ao ponto de deixarem de lhe chamar estudar.
Segunda-feira serão de facto os novos, aqueles a quem gostaria de impressionar pela positiva e criar a expectativa de um ano divertido e interessante. A mesma expectativa que eu tenho, a encher-me as veias com um frenesim que me atordoa, mas sempre me entusiasma.
Amanhã regresso à escola. Amanhã volto a participar dessa aventura magnífica que é preparar o amanhã.
E é já amanhã!
Sabem que mais?
Arroz de pardais!

Ou como o non-sense por vezes ganha sentido.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Brincando aos correspondentes de guerra

Exposição Rubem Braga, no Museu da Língua Portuguesa

Museu da Língua Portuguesa

Estação da Luz - São Paulo

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Eu nunca vira uma Cachoeira!

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

"-De que é o bolo, moça?
- Aipim e Côco
(depois da primeira dentada)
- Que bom!...Moça...posso perguntar?
- ...
- O côco de que bebemos a água de côco é o mesmo côco de que fez este bolo?
- Sim...não. Quer dizer: o côco da água é côco verde, o côco do bolo é castanho."
Em viagem sempre se aprende!

sábado, 24 de agosto de 2013

Ontem

De novo acima das nuvens!

domingo, 18 de agosto de 2013

Peculiar

Estava na fila da caixa do supermercado e resolvi consultar as horas no telemóvel: eram exactamente 16 h e 16 m. Quando a moça terminou de fazer a conta a despesa foi 11.11 €...

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Leituas

"Não é estranho como um livro fica mais grosso depois de ser lido várias vezes? Como se a cada vez, ficasse algo grudado nas páginas. Sensações, ruídos, cheiros… E então, quando folheia novamente o livro, depois de muitos anos, você encontra a si mesmo ali, um pouco mais novo, um pouco diferente, como se o livro tivesse guardado você, como uma flor prensada. Estranha e familiar ao mesmo tempo.” 
Cornélia Funke citada no Facebook

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Mais Ricos do que Sabemos

"(...) É-se pobre na medida em que não se é capaz de vender o tempo por um preço suficiente que permita comprar os serviços necessários, e é-se rico na medida em que se é capaz de comprar não só os serviços de que necessita como também os que se deseja. Prosperidade, ou crescimento, tem sido sinónimo de caminhar da autosuficiência para a interdependência, transformando a família de uma unidade de produção laboriosa, lenta e diversificada numa unidade de consumo fácil, rápido e diversificado pago por um aumento da produção especializada."

Ridley, Matt, O Otimista Racional, p. 59

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Entre Palavras

Livre das palavras que pouco me interessam - formulários, relatórios, relambórios burocráticos de final de ano letivo - mergulho agora no mundo das palavras que me apaixonam: A Investigação!

O abuso burocrático da escola só me deixa Agosto para me dedicar a tempo inteiro a investigações a gosto.

Não canso de me fascinar com as possibilidades que a informática nos trouxe!

Guardo, no coração e num armário, o grande ficheiro com fichas de cartão de vários tamanhos compradas criteriosamente na Papelaria Fernandes. Serviu de base ao meu trabalho de mestrado. Depois foram vertidas em palavras escritas que já surgiam num écran.

O Mestrado foi a época da transição. A pesquisa foi ainda feita à moda antiga. A redação e orientação foi feita à moda moderna, arrumando palavras num écran que as levava para o outro lado do Atlântico e as devolvia com observações escritas numa secretária da Universidade de São Paulo.

Hoje já envio naturalmente um mail para o outro lado do Atlântico e saboreio a rápida resposta. Entro na Biblioteca Nacional pelo écran e vejo que tenho ainda de organizar um ou dois dias para ver alguns títulos que parecem ter interesse. Já fiz até downloads de livros! Não gosto de ler "na telinha", confesso, mas se não houver outra forma de ter acesso ao livro ou artigo... E levar um monte de folhas arrumadas num écran! Atravessar o Atlântico muito menos carregada do que nas primeiras viagens, mas levando a mesma quantidade de informação!

Vejo as fotos e os documentos antigos digitalizados. Ponho os dedos no écran e afasto-os até ter o documento num tamanho razoável para ler a caligrafia cuidada de alguém que não assinou o seu nome numa escrita de rotina que não pensou nunca que viria a ser alvo de estudo...Depois penso que um dia os relatórios e relambórios que fiz a contra-gosto serão a matéria de investigação de outro alguém. Eu faço-os sempre cuidados como se tal fosse acontecer. Correspondem a rotinas importantes para avaliar o estado do ensino na atualidade...que um dia será o passado, objeto de estudos históricos e sociológicos.

Talvez não descanse no sentido tradicional das férias. Mas, por agora, tento transmitir pelas minhas palavras o que vou descobrindo nas palavras de outros. Guardadas por outros ainda.

No outro canto da mesa está um romance de Sidney Sheldon sobre um rapaz pesquisador de diamantes. E eu sinto-me assim, também: a pesquisar diamantes, que são as palavras de outros que hoje motivam as minhas. Banho-me nelas, que a época é balnear. Conseguirei transmitir bem o que outros sentiram e passaram? Conseguirei interpretar as ausências de referências nos documentos que têm um ritmo quase tão esclarecedor como o das revelações?

Dizia um conferencista que ouvi a semana passada: «a História é feita de sombras». E eu acrescento de silêncios.

O que calamos da(s) nossa(s) história(s)? Conseguirá o investigador captar a razão de ser desses silêncios?

Talvez não, mas esse é uma das grandes interrogações que me move, e me fascina. Neste Agosto de palavras tantas!


domingo, 4 de agosto de 2013

Justificações

"- Marcello.
- Sim?
- Aquele cipreste...
- Sim, o cipreste...o que é que tem?
- Está ali e...
- E?...
- Não percebo.
- O que é que não percebes, Gonçalo?
- Como é que está ali?
- Foi plantado.
- Sim, está bem, Marcello, eu sei que foi plantado, todos os ciprestes que vimos hoje foram plantados, mas porquê ali, naquele ponto da colina? Porquê só um? Aqui na encosta puseram um; lá atrás estavam cinco, em círculo, no cume; e, antes da curva, os ciprestes acompanhavam a estrada de terra batida como se fossem uma guarda de honra, um desfile. Porque é que foram plantados assim?
- Porque é mais bonito. A paisagem fica mais bonita.
- Marcello, estes ciprestes têm séculos, ainda não havia turismo, ninguém vinha passear para aqui e tirar fotografias e comprar produtos regionais, ninguém vivia da beleza da paisagem. As pessoas tinham era fome...
- Plantaram-nos depois de comer..."

Cadilhe, Gonçalo, Mistério Etrusco in Um Lugar Dentro de Nós, Lisboa, Clube do Autor S.A., 2012, pp. 67-68

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Desespero

"Encontraram-se na entrada. De novo.
Cumprimentaram-se formalmente.
Tinha ficado um clima muito estranho entre eles desde que tinham tido um breve romance.
Terminara de forma tão abrupta como começara.
Ela sentia-se ameaçada. Quase sempre depois dos momentos de ternura invocava que estava a perder o controlo de si mesma, que a relação lhe tirava a tranquilidade, que ele a criticava ainda que mentalmente...
Ele insistia em pedir-lhe pequenos favores que enfatizavam as questões de género: se podia arranjar qualquer coisa para jantar, se podia passar uma camisa a ferro, porque não vestia um vestido quando iam jantar fora...
Tudo era motivo para discussões. Não eram grandes discussões...eram rabugices que foram minando o prazer de estarem juntos, que faziam antecipar uma crítica ao toque de campainha anunciava o encontro.
Mas havia uma atração...era inegável. Qualquer coisa de físico, instintivo, incontrolável, definitivamente irracional.
Esse era sempre o argumento dele. E a razão das recaídas, várias.
Entraram juntos no elevador.
Ela aspirou discretamente o perfume dele. «Era sempre tão bem apresentado». Tentou considerá-lo vaidoso e fútil, mas a verdade é que a figura dele lhe agradava. Muito. Muito mais do que ela considerava razoável.
Os olhos de ambos encontravam-se furtivamente a tentar olhar para o outro lado.
Quase se ouvia a força que faziam para não caírem nos braços um do outro, ali mesmo.
A situação estava a tornar-se insuportável. E o pior, achava ela, é que ele estava a gostar do sacrifício dela. Mesmo sem falarem, estava a sentir-se irritada com ele.
Ela não queria olhar para ele. Sabia que se trairia. E não queria!
Ele, começou a assobiar baixinho "A Lágrima" da Amália.
O elevador chegara ao fim da sua jornada.
Despediram-se com um vago aceno.
Quando ela entrou no carro as lágrimas já lhe tinham destruído a maquilhagem.

Tenho por meu desespero
Dentro de mim o castigo
Eu digo que não te quero
E de noite sonho contigo"

terça-feira, 30 de julho de 2013

Arte-final

Não basta um grande amor
para fazer poemas.
E o amor dos artistas, não se enganem,
não é mais belo
que o amor da gente.
O grande amante é aquele que silente
se aplica a escrever com o corpo
o que seu corpo deseja e sente.
Uma coisa é a letra,
e outra o ato,
quem toma uma por outra
confunde e mente.



Affonso Romano de Sant'Anna (1937)

domingo, 28 de julho de 2013

Tiveste Saudades Minhas?

Quanto de mim se dissolve na areia
 esperando ser lavado pelas marés dos teus braços
 Na vaga de cada aurora em que não vens
 põe-se um ocaso em cada um dos meus membros
 e assim me deixo de bruços
ser engolido pelo mar tão imenso

como a saudade de ti

José Bernardes

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Podia

Podia dizer-te que não me importo
Podia fingir que fugi
Ou que estou morto.
Podia adiar para outro dia
Invocar uma qualquer lei
Dizer-te que não sei
Ou fiquei sem bateria.

Com a verdade mais pura
A única verdade
A única que dura
Faria a minha despedida
A promessa de mil abraços
E uma palavra sofrida

Podia dizer-te que volto
E seria breve
Como um poeta escreve
Livre e solto.

(E tu, minha vida, acreditas
Nas palavras que não digo?
Será o silêncio castigo?
Será em silêncio que gritas?)

Podia dizer-te que são pequenas
As saudades do teu sorrir
Mas seriam palavras apenas
E seria mentir.


Carlos Campos

Soneto

Também eu tenho um "hobby": é viver
minuto após minuto a minha vida,
se possível do lado em que souber
que vale mais a pena ser vivida.

Já deixei de sonhar com andorinhas
e com o deus à venda nos prospectos.
Recuso-me a entrar em capelinhas
pois faço à transparência os meus projectos.

Sei bem que os incapazes me detestam
e nem os preguiçosos aguentam
comigo a funcionar a todo o gás.

Contudo, cada um vale o que vale.
Porquê ambicionar ser imortal
se nunca saberei se fui capaz?


Joaquim Pessoa
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes

Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens...
Há mulheres que são maré em noites de tardes...
e calma

Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 23 de julho de 2013

Amor é

combinar irmos ler juntos para a esplanada.

segunda-feira, 22 de julho de 2013

E se nos deixamos morrer?

A Biblioteca é um lugar muito bom para estar no Verão, na verdade, em qualquer altura do ano.
Adoro a Biblioteca da minha cidade. É um espaço industrial recuperado, abre para um jardim que caminha para uma central eléctrica e um pombal, tudo bordejado pelos rios que se unem "até ao fim do mundo" ali mesmo. É assim um espaço muito bom em características ambientais e intelectuais, o que eu acho que também contribui para um bom ambiente, sempre.
Hoje o dia foi passado lá. A pesquisar jornais antigos. Entre desgraças e festas, pois assim o exige as características da instituição que investigo, sempre brilhante em festas, sempre em entrega abnegada nas desgraças de cada um e de todos.
A pesquisa é um vício. É preciso uma disciplina férrea para não dispersar por pelo menos mais dez linhas de pesquisa igualmente aliciantes.
O caderno de pesquisa  - do qual não prescindo apesar do prático computador em formato muito razoável - vai criando umas páginas marginais que talvez um dia sejam úteis noutros contextos.
A semelhança e atualidade de certos momentos por vezes irrita: «Mas afinal não aprendemos nada?»
A\ calma e a ordem certificada com o selo «Este jornal foi visado pela censura»  assusta. Leio o jornal mais baixinho a partir dos anos 30 para ver se a realidade não o ouve, não me ouve, não ouve o meu medo de leitura transversal de tudo isto...
De repente numa notícia de primeira página: «Preso o líder dos comunistas e apreendida documentação». Qualquer coisa assim, a negro, em destaque. Primeiro a estupefacção: «Falavam em comunistas?», depois a compreensão: «Claro, para anunciar o seu fim. Uma vitória do regime. Uma limpeza bem sucedida.»
Comecei a ler. Era uma notícia de 1949, creio (não tirei apontamentos), anunciava a prisão de Álvaro Barreirinhas Cunhal e outro chefe de uma organização a que chamavam - nas palavras do articulista - Partido Comunista Português.
Apossou-se de mim uma comoção ainda não muito explicável, mesmo agora passadas horas sobre o sucedido. Sei agora que sustive a respiração e fiquei assustada com o ritmo do meu coração. Li devagar a notícia. Senti-me tão devedora daqueles homens que combateram o regime! Vem-me agora à lembrança a imagem - tão forte! - do meu professor de museologia sentado em silêncio no Memorial da Resistência, em São Paulo, numa cela vazia adornada com um cravo vermelho sobre o qual incidia uma luz. Apeteceu-me fotografá-lo mas fui incapaz de profanar aquele momento, de lhe roubar a alma daquele instante. Também ele tinha sido preso político. Aquele cravo não estava ali pela nossa história, pode  ouvir-se pela voz de um dos protagonistas a história que ele evoca, mas todos nós, portugueses, ficámos profundamente impressionados pela luz daquele cravo «grito vermelho numa escuridão qualquer».
O meu professor já morreu. Álvaro Cunhal já morreu. E se os deixamos morrer todos? E se nos deixamos morrer todos?
Chegada a casa, abro o Facebook e vejo na página da Alice Vieira - graciosamente viva - este video invulgar:

Haja esperança: já nos salvámos uma vez!

sábado, 20 de julho de 2013

Sei de uma camponesa

Sei de uma camponesa
Sem campo sem quintal
Que canta debruçada
Ao sol da seara
O trigo na cara
De suor tão debulhada
Sei de uma camponesa
Que dança à noite na eira
Perfumada de avenca e feno
Enfeitada de tomilho
E canta com a expressão
De quem vai ter um filho
Mesmo pelo coração
Sei de uma camponesa
Que nunca enche esta cidade
Nunca se senta à minha mesa
Nunca me leva à sua herdade
Para ouvir um trocadilho
Para tornar realidade
Um sonho que perfilho

Rui Veloso/Carlos Tê

terça-feira, 16 de julho de 2013

Ainda temos trovadores!

por vezes crio um deserto só para mim
e sinto-te silêncio esquecido nos meus lábios
por não querer recordar a linguagem do teu corpo
esquecido dentro do meu. deserto só para mim

e sinto-te silêncio esquecido nos meus lábios
por não querer recordar a linguagem do teu corpo
esquecido dentro do meu.


Paulo Eduardo Campos

domingo, 14 de julho de 2013

E se...

E se os tempos existissem todos em faixas contíguas da realidade?
E se fosse possível viajar no tempo "para o lado", em vez de "para trás e para a frente"?
E se pudéssemos circular entre tempos?
Hoje, domingo, eu ouviria algo assim: "Querida: hoje vou fazer jogging à Grécia Antiga e depois do almoço vou ver se percebo como é que os egípcios construíram mesmo as pirâmides. Queres vir?"

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Matinal

Atravessando cedo a principal praça da cidade ouço a conversa entre duas empregadas de um café que organizavam a esplanada:
- Olha para a fila do Correio!
- Deus seja louvado!
Olhei para a longa fila de gente à porta dos Correios, esperando pela abertura do serviço, mas não consegui perceber porque é que Deus deveria ser particularmente louvado por uma longa fila de pessoas que queria receber a pensão ou enviar cartas.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Epígrafe

"Um barco sem velas
E sem rumo
Singrando um mar de fumo,
Mas descobrindo estrelas...

Nisto me resumo"


Cristovam Pavia

Partículas de Felicidade

Roupa engomada, toda lavada, cozinha arrumada, casa a cheirar a limpo.
E pensar-se.ia: a moça é uma excelente dona de casa e está a aproveitar o Verão para se exceder...
Ah...não. É mesmo o único dia na semana em que o trabalho de outra pessoa me faz agradecer que a minha prece de adolescente tenha sido atendida.
«Meu Deus dai-me um emprego cujo ordenado me permita ter empregada doméstica».
A minha mãe dizia que era uma prece de calona, mas cada um pede para si próprio.

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Embaladinho

"Olha a triste viuvinha
que anda na roda a chorar
anda a ver se encontra noivo
para com ela casar"

quarta-feira, 3 de julho de 2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

'Tá tudo de olho na gente!

"Este já está liquidado,
o tiro foi bem na testa.
Não comerá mais crianças
no caminho da floresta."


domingo, 30 de junho de 2013

E as pessoas, pá? E eu, pessoa, pá?

"Cada vida é um dom. Há que aceitar esta verdade que se escuta até nas coisas mais simples. Cada homem tem algo de extraordinário, assim como cada coisa tem o seu lugar. Desprezar uma pessoa, ou um qualquer pedaço de mundo, é ignorar que até o mais pequeno dos fragmentos de um espelho partido consegue reflectir a luz do sol e iluminar uma escuridão."

José Luis Nunes Martins, Filosofias, I, 29/06/2013

O que é certo é que tenho lido pouco. Ou feito pouco, de tudo. Ou feito muito do que não me interessa e pouco daquilo que acho que vale a pena.
É aquele cansaço de final de ano letivo, aquele espaço aberrante entre as aulas e as férias, cheio de burocracia e com uma enorme ausência de alunos: uma enorme ausência de razão de ser. Eu sei, eu sei que as tarefas têm de ser feitas e que poderá parecer mal, em tempo de crise, achar que não sou eu - professora qualificada - que tenho de fazer matrículas, inventários, relatários (eu sei que está mal, mas é para rimar). Eu deveria estar a ler, a aprender. Para depois poder ensinar (com propriedade!) o valor, o prazer e as vantagens de aprender.
Comprei a Granta e ainda nem a consegui ler. Pois, eu sei que ela dá para seis meses, mas tenho tanto medo de daqui a seis meses ainda a não ter lido.
Tudo é penoso, tudo é cansativo. A televisão invade-me a vida a contra-gosto, mas permite-me estar deitada, a deslizar os dedos pelo pelo das gatitas... Elas, vão crescendo, com focinhitos curiosos, e parece que também isso me está a lembrar que a curiosidade é o caminho do saber e da progressão e que eu devo estar a regredir...a definhar...a deixar enredar-me pela televisão...pelo fácil, pelo menos importante...
Tenho medo de desistir. Tenho medo de amolecer.
Este texto que escolhi hoje, por exemplo, pareceu-me tão bem quando o li, ontem, no comboio, na viagem matutina para comparecer pontual no Colóquio sobre Educação no qual, como de há vários anos para cá, desempenho uma tarefa (que me é muito querida) de ligação entre a Universidade e os Alunos das escolas. O texto. Já me estou a afastar do texto.
É que ontem me pareceu muito bem e retive a ideia dos pedacinhos de espelho para colocar aqui. Mas agora, ao transcrevê-lo, não sei porque gostei dele: fala de homem sem letra grande, o que me parece ser excludente da mulher num conceito que ontem me parecia alargado a toda a Humanidade; fala do homem, mas depois também de qualquer pedaço de mundo e então não é então assim tão acentuadamente humanista; fala de escuridão em tempo de sol, o que deve pressupor a permanência dentro de algum túnel e a referência a um espelho partido poderá até ser aziaga.
Resumindo: não ando a ler com a atenção devida ou estou inconstante nos meus gostos, ou o texto piorou de ontem para hoje, ou estou mesmo muito cansada, o que não me sossega face a todas as obrigações que me povoam o Verão: aquelas que tenho de desempenhar, porque fazem parte do meu trabalho e todas as outras que abracei porque tem de haver vida para além da escola e, ao longe, o Verão parecia maior e mais generoso.
Portanto, mesmo não me agradando particularmente agora o texto, não tive, não tenho, tempo para procurar outro e estou também a baixar a qualidade deste meu espaço.

Que prazer deve ser ter um livro para ler
e poder
e exercer
e embarcar nessa viagem
sem horas, sem paragens e sem estações obrigatórias.
Sem obrigações.
Só estar
Ler
Ser

Era mesmo o que eu queria!

terça-feira, 25 de junho de 2013

Hoje é um dia muito importante para a Democracia e a Escola Pública, que, a meu ver, não existem em pleno uma sem a outra.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Sem budismo

Poema que é bom
acaba zero a zero.
Acaba com.
Não como eu quero.
Começa sem.
Com, digamos, certo verso,
veneno de letra,
bolero. Ou menos.
Tira daqui, bota dali,
um lugar, não caminho.
Prossegue de si.
Seguro morreu de velho,
e sozinho.

Paulo Leminski (1944-1989)

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Carente de comentários

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Levanta-te e amaldiçoa o tempo - 
amanhã tão depressa e quase nada
para ficarmos juntos até à escuridão.
Tantas manhãs terrivelmente lentas
antes de ti, tantas tardes de retratos

exaustos sobre as mesas, noites que
nunca abriam fendas para o sonho; e de
repente os dias a fugirem como água
de dentro de uma mão, amanhã tão

depressa. Não te conformes: amaldiçoa
o tempo. Se for preciso, grita com Deus - 

a mim ouviu-me enquanto te esperava.


Maria do Rosário Pedreira

terça-feira, 18 de junho de 2013

Questões em Luta

Quem acredita no Povo?
Quem teme o Povo?
Quem despreza o Povo?
Quem considera o Povo?
Quem se considera Povo?

Discussão entre o exercício da Soberania Popular e o Dever de Obediência ou as distinções entre as posições de Esquerda e de Direita.

O que é legítimo num Estado de Direito?
O que legitima um Estado de Direito?

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Hino

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando
Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição:
De morrer pela pátria
E viver sem razão
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição
Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer
Geraldo Vandré, Pra não dizer que não falei das flores

Greve

A Democracia dá muito mais trabalho que a ditadura.
Tanta gente morreu por Ela que seria um desperdício deixá-la morrer.
Lutar pelos nossos direitos é, além de uma responsabilidade social, um dever de Memória.
A História não decorreu impunemente. Não lhe podemos ser indiferentes.
Em homenagem ao Passado não podemos deixar escapar-nos o Futuro.

E

"A Democracia é o pior de todos os sistemas com excepção de todos os outros" - Sérgio Godinho

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Tu

Tu procuras saber
 eu não procuro porque sei que nunca saberei
 Tu queres abrir as portas do conhecimento para fundares a tua integridade
 Eu entrego-me ao vago e indefinível vagar
 da luz sobre a página que nunca é um oásis
 e não conduz ao plácido porto que nela pressentimos
 Tu desejas ir além das sequências quotidianas
 eu procuro também um além
 mas no interior da sombra do meu corpo ao ritmo da respiração
 para fortalecer a minha incerta identidade
 Tu não desistes de conhecer a lucidez do centro
 para que a vida encontre o seu equilíbrio e o seu horizonte
 Eu não conheço outro horizonte além da vaga claridade
 que às vezes brilha no silêncio de um abandono
 ou no fluir das palavras que procuram a nudez
 Tu procuras algo que transcenda o mundo
 eu procuro o mundo no mundo ou para aquém dele
 Eu sei que a fragilidade pode cintilar
 como uma constelação ou como um delta
 quando o corpo se entrega sobre as dunas do silêncio
 Tu queres ser a coluna ou a balança viva
 do puro equilíbrio que sustenta o mundo


António Ramos Rosa in O Teu Rosto

terça-feira, 11 de junho de 2013

Em tempo de santos e quadras populares

MORRER DE AMOR É ASSIM

Quem morre de tempo certoao cabo de um certo tempo
é a rosa do deserto
que tem raízes no vento.

Qual a medida de um verso
que fale do meu amor?
Não me chega o universo
porque o meu verso é maior.

Morrer de amor é assim
como uma causa perdida.
Eu sei, e falo por mim,
vou morrer cheio de vida.

Digo-te adeus, vou-me embora,
que os versos que eu te escrever
nunca os lerás, sei agora
que nunca aprendeste a ler.

Neste dia que se enquadra
no tempo que vai passar,
termino mais esta quadra
feita ao gosto popular.


Joaquim Pessoa

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Dia de Camões

Perdigão perdeu a pena

Perdigão perdeu a pena
Não há mal que lhe não venha.

Perdigão que o pensamento
Subiu a um alto lugar,
Perde a pena do voar,
Ganha a pena do tormento.
Não tem no ar nem no vento
Asas com que se sustenha:
Não há mal que lhe não venha.

Quis voar a u~a alta torre,
Mas achou-se desasado;
E, vendo-se depenado,
De puro penado morre.
Se a queixumes se socorre,
Lança no fogo mais lenha:
Não há mal que lhe não venha.

                  Luís de Camões

quarta-feira, 5 de junho de 2013

De que serve a bondade?

I

De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?

De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?

De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necesitam?

2

Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
ou melhor: que a torne supérflua!

Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!

Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio!

Bertolt Brecht (1898-1956)