Sentou-se pesadamente na cadeira da esplanada em frente à colega de trabalho.
- Hoje acordei com uma vontade de fim de semana... - quase gemeu
- Que engraçado...uma vontade de fim de semana? O que é isso?
- Uma vontade de poder acordar tarde, arrastar os pés pela casa, decidir que não tenho de decidir nada. Resolver num momento fazer qualquer coisa que não seja urgente. Jantar fora, passear na praia.
- Pois. Mas porquê uma vontade de fim de semana. As minhas vontades não têm dias...
- As minhas sim. Por vezes acordo com vontade de 4ª feira, em que tenho aulas mais tarde e vou ao café tomar o pequeno almoço; outras vezes acordo com vontade de 5ª feira, em que a sequência das aulas de 90 minutos me permite terminar com uma turma com quem é muito bom trabalhar.
- Mas nunca pensei nisso em termos de dias.
Quando chegou a sandes e o galão a conversa esmoreceu, mas a cabeça teimava em querer um fim de semana, daqueles de não fazer nada. Que saudades!
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
domingo, 30 de março de 2014
segunda-feira, 24 de março de 2014
E ainda há quem diga "quem me dera ser mosca"...
Uma mosca sem valor
pousa com a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria
António Aleixo
pousa com a mesma alegria
na careca de um doutor
como em qualquer porcaria
António Aleixo
sábado, 8 de março de 2014
Condição Feminina
Diria que durante anos fomos uma família só de mulheres, mas não é verdade. No entanto é assim que recordo a família durante a minha infância e adolescência, em que na realidade havia ainda um avô, mas não tem nas minhas memórias a estatura dos outros homens da família que se foram.
A morte ceifou cedo o meu pai e pouco tempo depois o meu avô, seu pai, seguiu-o lá para a eternidade, visto que era já quase só uma sombra desde que o filho - o seu único filho - partira.
As mulheres ficaram sós. Vestiram-se de luto e endureceram as feições. Era preciso continuar. Continuar sem eles. Continuar como eles. Aprender a fazer o que lhes estava reservado: passar um cheque, conduzir, gerir, decidir, assumir a responsabilidade por essas decisões.
Saíram-se bem.
A família singrou. As mais pequeninas da altura encaminharam-se na vida e hoje todas nos podemos orgulhar de sermos mulheres inteiras. Já nasceram mais duas que parecem também muito capazes e com todas as condições para assumirem o controlo das suas vidas.
Por detrás do desgosto que toldava as suas vidas recordo o esforço e a incompreensão das mulheres viúvas da minha família para/por aprenderem tão tarde a tomar as rédeas de vidas e famílias.
Para mim essa incompreensão e esse inconformismo são a imagem da condição feminina no Estado Novo.
A morte ceifou cedo o meu pai e pouco tempo depois o meu avô, seu pai, seguiu-o lá para a eternidade, visto que era já quase só uma sombra desde que o filho - o seu único filho - partira.
As mulheres ficaram sós. Vestiram-se de luto e endureceram as feições. Era preciso continuar. Continuar sem eles. Continuar como eles. Aprender a fazer o que lhes estava reservado: passar um cheque, conduzir, gerir, decidir, assumir a responsabilidade por essas decisões.
Saíram-se bem.
A família singrou. As mais pequeninas da altura encaminharam-se na vida e hoje todas nos podemos orgulhar de sermos mulheres inteiras. Já nasceram mais duas que parecem também muito capazes e com todas as condições para assumirem o controlo das suas vidas.
Por detrás do desgosto que toldava as suas vidas recordo o esforço e a incompreensão das mulheres viúvas da minha família para/por aprenderem tão tarde a tomar as rédeas de vidas e famílias.
Para mim essa incompreensão e esse inconformismo são a imagem da condição feminina no Estado Novo.
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sábado, 1 de março de 2014
Memória toponímica
Na minha rua havia um sobreiro e fazia muito calor no Verão. O meu avô sentava-se à sombra do sobreiro enquanto me via a andar de bicicleta. A minha rua tinha muito pó e casas só de um lado. Os anos passaram. O meu avô morreu e o sobreiro também. A rua agora está asfaltada, tem casas de ambos os lados, não tem pó e chamam-lhe Rua do Sobreiro. Eu gostava mais da minha rua quando ela não tinha nome.
Microcontos
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