quinta-feira, 30 de setembro de 2010

O Reino da Estupidez

Hoje, nas aulas, sobre o rotativismo, referi aquela deliciosa Farpa sobre os quatro partidos políticos. Antigamente lia-a nas aulas. Agora sei que ela é inacessível para a maior parte dos alunos, mas não desisto de falar dela, a propósito do rotativismo, da crítica e das pessoas que pensam Portugal (ou das pessoas que em Portugal pensam? Talvez seja a mesma coisa...)
Chegada a casa, dispus-me a ver um noticiário, para suprir a lacuna (grave, tenho consciência) de não ter ouvido ontem a comunicação ao país e de não conhecer, directamente da fonte, as medidas de austeridade que vou ter de sofrer.
Comecei, disciplinadamente, a ver o noticiário, com o respectivo destaque para o debate de hoje, transmitido, em directo pela ARtv.
Livre de decisões disciplinares, o meu espírito fugiu daqui, como quando era aluna, perante as aulas desinteressantes. De corpo sentado no sofá e olhos dirigidos para a televisão, rodei os dedos lestos pelo teclado em busca de uma referência que hoje me pareceu apelativa: O Reino da Estupidez de Jorge de Sena.
Apropriadamente num espaço chamado «o que faço eu aqui?» li um texto sobre o livro de Jorge de Sena e sobre a sua poesia, terminando nesta pérola:

"A Portugal

Esta é a ditosa pátria minha amada. Não.
Nem é ditosa, porque o não merece.
Nem minha amada, porque é só madrasta.
Nem pátria minha, porque eu não mereço
A pouca sorte de nascido nela.


Nada me prende ou liga a uma baixeza tanta
quanto esse arroto de passadas glórias.
Amigos meus mais caros tenho nela,
saudosamente nela, mas amigos são
por serem meus amigos, e mais nada.

Torpe dejecto de romano império;
babugem de invasões; salsugem porca
de esgoto atlântico; irrisória face
de lama, de cobiça, e de vileza,
de mesquinhez, de fatua ignorância;
terra de escravos, cu pró ar ouvindo
ranger no nevoeiro a nau do Encoberto;
terra de funcionários e de prostitutas,
devotos todos do milagre, castos
nas horas vagas de doença oculta;
terra de heróis a peso de ouro e sangue,
e santos com balcão de secos e molhados
no fundo da virtude; terra triste
à luz do sol calada, arrebicada, pulha,
cheia de afáveis para os estrangeiros
que deixam moedas e transportam pulgas,
oh pulgas lusitanas, pela Europa;
terra de monumentos em que o povo
assina a merda o seu anonimato;
terra-museu em que se vive ainda,
com porcos pela rua, em casas celtiberas;
terra de poetas tão sentimentais
que o cheiro de um sovaco os põe em transe;
terra de pedras esburgadas, secas
como esses sentimentos de oito séculos
de roubos e patrões, barões ou condes;
ó terra de ninguém, ninguém, ninguém:
eu te pertenço. ƒÉs cabra, és badalhoca,
és mais que cachorra pelo cio,
és peste e fome e guerra e dor de coração.
Eu te pertenço mas seres minha, não. "
 
O que custa é que só nos zangamos com as pessoas ou entidades para as quais temos planos, ou fé ou expectativas. Por isso tantos nos temos zangado com a Pátria!...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

«A nossa fruta é tão boa que a desfizemos em elogios»

São as palavras inscritas nas tacinhas de fruta esmagada, da "Sonatural", que começaram a ser comercializadas no bar da minha escola e que proporcionam excelentes sabores para as pausas entre aulas ou reuniões (com colher de plástico desmontável, para comer em qualquer lugar). Uma espécie de Blédine para adultos...

Ironia

"Que ironia tem o tempo misterioso
Que diz que passa velozmente sempre andando,
Mas afinal esse tempo é mentiroso,
Porque ele fica e a gente é que vai passando!...


Dizem que é velho, mas o tempo é sempre novo.
Não tem idade, pois ninguém o viu nascer,
Tal como o enigma da galinha e do ovo,
Não sabe ao certo se existia antes de o ser!...


Comanda tudo sem ter dó nem piedade
E eu perplexo fico olhando sem o ver
Imutável e, sempre em celeridade.

Rendo-me enfim, pois não sei compreender,
Apenas sinto com toda a fragilidade,
Que o tempo é rei ... e de rei tem o poder!..."

Euclides Cavaco , colhido no blogue belos poetas

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Tão bom

acompanharmos os sucessos daqueles que amamos e podermos orgulhar-nos, ainda mais, deles!

domingo, 26 de setembro de 2010

«Tell me why, I don't like mondays»

O tempo vai ficando escasso para escrever.
Encerrada em horários rígidos, foge-me a inspiração...
O trabalho acumulado em casa, sem esperança de ser realizado de semana, corta-me os passeios no mar. E eu escrevo bem é no mar, em frente ao mar, no cheiro do mar, num passeio à beira-mar.
Sinto o sol a escoar-se numa nostalgia outonal que me esfria por antecipação a vontade de caminhar, de cheirar, de escrever...
Todos os dias passo por palavras que me apetece guardar, desdobrar, conversar, recordar: o guarda-vestidos, a demasia, a iogurteira, a sombrinha...
Hoje gastei a tarde a sorver o sol de outono no meu terraço, enquanto procurava as memórias locais da república.
É estranho falar em memórias da República. Nós vivemos numa República. Desde 1910 nunca mais o país deixou de ser uma República. Mas quão esquecidos estão os ideais fundadores!...
Mergulho no dourado escuro do fim da tarde a pensar que amanhã é segunda-feira. Que tenho uma rotina pela frente. Que o despertador vai tocar amanhã e nos outros dias às sete horas, que vai estar frio, que um dia destes tenho de calçar meias e luvas, meter os pés em botas e proteger as orelhas com gorros.
Este ano não me apetecia Inverno, nem rotinas, nem horários...Queria dourar mais um bocadinho ao sol e sorver o som das gaivotas na beira-mar...
Eu não queria que amanhã fosse segunda-feira e com este não-querer perco o domingo, antecipando as contrariedades. Que desperdício!

Sons do Café

Alguém me enviou um daqueles lindos e longos powerpoints com ensinamentos para a vida. Qualquer coisa entre o bonito, o piroso e o inútil, a dizer que somos nós que fazemos o nosso destino e que perante as adversidades devemos fazer como o café que, quando enfrenta a água fervente, a transforma numa mistura saborosa e calorosa...

Enquanto via o powerpoint e avaliava a boa intenção de quem mo enviou, estando um bocadinho enfastiada, viajei até ao tempo em que o café, para mim, não era um líquido, mas um som.

Uma das minhas formas preferidas de ouvir as saudades que a minha mãe tinha do meu pai, contadas e recontadas, vezes sem conta, era quando ela tirava cuidadosamente os discos da discoteca e se deliciava com o som de cenas passadas entre eles.

Eles gostavam muito de dançar e eu quase considerava a minha mãe feliz quando ouvia «Moliendo café».

Fui então à procura desse som de domingo em família, agitando com as maracas a tristeza e a saudade reinante naquela casa, recordando cenas alegres e ruidosas, de bailes e namoros requebrados.



E, embora tenha encontrado muitas versões, esta, com o som roufenho dos discos antigos e o «grão» da gravação, foi a que melhor ilustrou os grãos de memória que foram remoídos hoje, por causa de um powerpoint que visava ensinar-me a viver de forma sempre construtiva.

sábado, 25 de setembro de 2010

Sábado republicano

Ando para aqui a estudar a 1ª República no distrito de Leiria. Jornais antigos para cá, jornais antigos para lá...vou-me perdendo a ler coisas que não são necessárias para o meu trabalho, mas que acho interessantes.

Uma das coisas que se foi perdendo no tempo é o hábito de versejar sobre os temas da actualidade (talvez agora tenha sido substituído pelos artigos de opinião, ou pelos cartoons, não sei...).

Sobre a reforma ortográfica de 1911 (qualquer semelhança com a realidade actual não é pura coincidência) houve discussão acesa na imprensa e, como não podia deixar de ser, alusões humorísticas à questão.

No jornal Novidades, em 1911, saiu uma dessas observações, em verso e com humor. Cá vai:

"Com a tal ortographia
que vae ser modificada
anda tudo em gritaria
e ninguém percebe nada.

Deixa o x de figurar
nos alphabetos de cá
e eu terei de me assignar
Xavier com ch.

Em tal ponto não concordo
nem a gente que me lê,
mas leitor, estou de acordo
o pôr cedilha no c.

N'outros tempos em folia
já o Banana, coitado
quando chouriço escrevia
punha-lhe um c cedilhado."

reproduzido no Notícias de Alcobaça, de 14 de Maio de 1911 e citado na publicação Ecos do Século XX, Distrito de Leiria, p. 22

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Ambientes

Sob o Museu...poderia ser o túnel do tempo...
Afinal é só a cisterna original do edifício do Museu de Portimão.

Comemorando Rememorando


"Se a acção de Ministro em Londres, entregue exclusivamente aos meus próprios recursos, se estimulara e intensificara com a oposição e as contrariedades, não sucedia outro tanto na Presidência, onde tudo dependia da colaboração e boa vontade alheia, isto é, dos políticos.

Um presidente constitucional, no nosso país, que se conserve fiel aos juramentos prestados, é um misto de «boneco de palha» e de «senhor da cana verde»: o primeiro para ser mandado, o segundo para ser insultado."

Palavras de Manuel Teixeira Gomes, (um dos presidente durante a 1ª República Portuguesa) in Miscelânea. Patentes no Museu de Portimão, numa Exposição integrada nas Comemorações do Centenário da Implantação da República.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Uma tarde inteira numa reunião


E a recordação da Menina do Mar que esteve no Algarve!
Procura-se a dona desta chinela...Qual Cinderela, pretende ser encontrada para um casamento feliz com a Escola.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Até para o ano...

Saí para o terraço ao entardecer (a minha hora preferida do dia).

Recolhi o bikini do estendal, pensando que talvez não o use mais este ano, mas ontem estava tão bom na praia!...

Olho para o relógio e penso que tenho de decidir o jantar. Talvez uma sopa... Corro ao lugar e compro cenouras, courgettes e feijão verde.

A casa cheira a sopa agora. E eu penso que isso significa que estou preparada para o Inverno.

O Verão, termina, cá em casa, com a primeira panela de sopa. E este ano começou hoje.

Livros

Hoje tive uma aula de substituição. Os alunos eram poucos e já fomos apresentados na aula de História. Organizámo-nos para ir avançando num trabalho e aproveitar a hora. Todos menos um, que tinha um livro muito grande e manifestava esperança de continuar a lê-lo. Não deixei, mas conversámos a hora toda sobre livros e géneros literários. Escolhera aquele livro por ser um misto de história e ficção, por ser de um autor português jovem e por lhe permitir relacionar com História e Língua Portuguesa, nas matérias que iria abordar este ano.

Foi uma hora muito feliz da minha vida, depois de me terem dito que os meus alunos iriam deixar de ler livros em suporte de papel e aderir ao Kindle em força, "porque sim, isso é que os cativava".

"O vírus do amor ao livro é incurável, e eu procuro inocular esse vírus no maior número possível de pessoas."
JOSÉ MINDLIN - Bibliófilo e escritor brasileiro (citação colhida em Releituras)

domingo, 19 de setembro de 2010

Em tempos

acreditei, para Portugal, em coisas semelhantes ao que Gilberto Freyre preconiza neste lindo poema sobre o Brasil...

Hoje, vi o discurso da Ministra da Educação. E não consigo acreditar!

"O outro Brasil que vem aí

Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
de outro Brasil que vem aí
mais tropical
mais fraternal
mais brasileiro.
O mapa desse Brasil em vez das cores dos Estados
terá as cores das produções e dos trabalhos.
Os homens desse Brasil em vez das cores das três raças
terão as cores das profissões e regiões.
As mulheres do Brasil em vez das cores boreais
terão as cores variamente tropicais.
Todo brasileiro poderá dizer: é assim que eu quero o Brasil,
todo brasileiro e não apenas o bacharel ou o doutor
o preto, o pardo, o roxo e não apenas o branco e o semibranco.
Qualquer brasileiro poderá governar esse Brasil
lenhador
lavrador
pescador
vaqueiro
marinheiro
funileiro
carpinteiro
contanto que seja digno do governo do Brasil
que tenha olhos para ver pelo Brasil,
ouvidos para ouvir pelo Brasil
coragem de morrer pelo Brasil
ânimo de viver pelo Brasil
mãos para agir pelo Brasil
mãos de escultor que saibam lidar com o barro forte e novo dos Brasis
mãos de engenheiro que lidem com ingresias e tratores europeus e norte-americanos a serviço do Brasil
mãos sem anéis (que os anéis não deixam o homem criar nem trabalhar).
mãos livres
mãos criadoras
mãos fraternais de todas as cores
mãos desiguais que trabalham por um Brasil sem Azeredos,
sem Irineus
sem Maurícios de Lacerda.
Sem mãos de jogadores
nem de especuladores nem de mistificadores.
Mãos todas de trabalhadores,
pretas, brancas, pardas, roxas, morenas,
de artistas
de escritores
de operários
de lavradores
de pastores
de mães criando filhos
de pais ensinando meninos
de padres benzendo afilhados
de mestres guiando aprendizes
de irmãos ajudando irmãos mais moços
de lavadeiras lavando
de pedreiros edificando
de doutores curando
de cozinheiras cozinhando
de vaqueiros tirando leite de vacas chamadas comadres dos homens.
Mãos brasileiras
brancas, morenas, pretas, pardas, roxas
tropicais
sindicais
fraternais.
Eu ouço as vozes
eu vejo as cores
eu sinto os passos
desse Brasil que vem aí."

Gilberto Freyre (1900-1987)

sábado, 18 de setembro de 2010

Onde estão os Gato Fedorento?

A enriquecer com os anúncios da MEO? Vendidos!

Eu não tinha visto o discurso da Ministra

e era feliz!

Ontem, no jantar, as pessoas referiam-se ao discurso e riam-se e...quando eu as questionava diziam que não me conseguiam explicar: Tens de ver! - eram as palavras recorrentes. E eu caí: fui ver.

Recuso-me a colocar aqui o vídeo. Poderia ficar para a História associado ao meu blogue e é algo que eu não quero, não quero mesmo.

Só que, após o visionamento do episódio...perdão, do discurso, saíram-me duas expressões que não usava ou ouvia há muito tempo e foi então que resolvi guardá-las:

«É de bradar aos céus!» e «Isto está entregue à bicharada...»

Se forem ver o discurso avaliem se eu tenho razão ou não ao considerar que não está completo, cortaram certamente a parte em que a Ministra perguntava se já tínhamos lavado os dentinhos e rezado as nossas orações, antes de nos desejar «uma noitinha descansada!»

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Maravilhamento do Reencontro

Andava eu a procurar coisas sobre a Língua Portuguesa, por causa de um projecto de escola, quando me encontro no Wikisource, que só tinha consultado uma vez.
Ponho-me a ver os textos disponibilizados em português e vejo «Marião».
Como um vento inopinado recuperei mil memórias, dos meus tempos de adolescência, das tertúlias tontas até às tantas e de um colega muito disparatado que assumia um ar divinal, para mim, quando cantava cheio de sentimento «Marião».

Marião...Não sei a origem, nem o trajecto desta música, mas ela trouxe-me de volta muitas recordações gratas.

Depois a procura do vídeo e o reencontro - sempre tão grato - com a Brigada Victor Jara.
Desfrutem:




"Adeus oh Vale de Gouvinhas, Marião
Não és vila nem cidade, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

És um povo pequenino, Marião
Feito à minha vontade, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

Hei-de cercar Vale Gouvinhas, Marião
Com trinta metros de fita, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

À porta do meu amor, Marião
Hei-de pôr a mais bonita, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

Os meus olhos não são olhos, Marião
Sem estarem os teus de fronte, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

Parecem dois rios de água, Marião
Quando vão de monte em monte, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

Já corri os mares em volta, Marião
Com uma vela branca acesa, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião

Em todo o mar achei água, Marião
Só em ti perco a firmeza, Marião
Sim, sim Marião
Não,Não Marião"


(Letra e música popular)
colhido em Wikisource

Brigada...hoje pensarão que era uma forma mais rápida de agradecer ao Victor Jara ou uma variante do bolo brigadeiro, do Brasil...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Divisa

"(...)
A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente"

Ana Hartely

Museu de Portimão


Um Museu incomum: cheio de pessoas...comuns...

Prémio Conselho da Europa 2010.
Vale a pena visitar!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Novo Ano Lectivo

Aproveitemos as janelas de oportunidade






(Museu de Portimão)











e rezemos por ventos favoráveis












(Armazém das Artes - Alcobaça)



É bom lembrar:

«Cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém!»

domingo, 12 de setembro de 2010

979 Km depois...

eu e o corsário estacionámos nos sítios do costume...à espera de amanhã e dos dias que se seguem.

sábado, 11 de setembro de 2010

Interesse Turístico

Na visita à cidade de Lisboa, hoje à tarde, o Professor explicava a toponímia, a estatuária, a organização dos espaços, salientava alguns edifícios...e nós ouvíamos.

Mas, quando passámos no Governo Civil, mesmo sem ter consciência, eu disse em voz alta e com cadência de guia: "E aqui é o Governo Civil, onde eu tirei, pela primeira vez o passaporte."

Percebi que o tinha dito quando as pessoas comentaram algo sobre passaportes...Fiquei um pouco envergonhada: O meu espírito continua a viajar!

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Viajar

Esforcei-me por terminar o Gonçalo Cadilhe antes de abandonar o local de férias.
Plantei-me ontem na piscina e lia com uma disciplina apreciável, adiando para mais tarde, arrumar os sacos e desvanecer os sinais da minha presença na casa. O sol estava quente demais e eu ia-me encolhendo, na sombra do guarda-sol, com o bikini ainda molhado e a reconhecer que se estava a fazer tarde e que não era necessário terminar o livro ao mesmo tempo que as férias...

Provavelmente teria ignorado os meus argumentos e teria mesmo terminado o livro se, no sossego da piscina deserta, não tivessem irrompido a Guidinha, com a sua filha Nini e a prima Gégé. Todas a tratarem-se por você, como manda o figurino, de cenas que eu penso sempre que só existem nas novelas e nas revistas que crescem nos arbustos em vasos nos cabeleireiros.

A Guidinha era uma Guidona, pouco mais nova que eu, que filmava compulsivamente as duas crianças na piscina. A Nini chamava-se Maria Inês, como se compreendia quando a mãe repreendia qualquer comportamento; a Gégé era Angélica e não deveria ter um segundo nome porque, apesar de não se portar mal, os elogios da prima às suas piruetas na piscina (tipo foca amestrada) era ditos bem alto e com nome digno de figurar em diploma.

A gaguez mental das famílias que se tratam por duas sílabas consecutivamente repetidas sempre me enerva. Arrumei o Gonçalo dentro do saco e abandonei a borda da piscina, não adiando por mais tempo a viagem para a capital.

Li-o hoje, no comboio da linha de Sintra, ainda não muito atulhado, procurando prolongar por mais um pouco a sensação de viagem. E das reflexões que ele, com mestria, vai fazendo a propósito do 'Viajar':

"O Roy tinha estado dois anos a viajar pela Europa, adorara Portugal e tinha passado dois meses a fazer surf na Figueira da Foz, a minha cidade. «Foi a minha etapa preferida de toda a Europa», disse-me ele entusiasmado. Achei tudo isto uma coincidência espantosa, e dispus-me a trocar impressões sobre a Figueira.

Mas as imagens que o Roy conservava na memória da minha cidade não pareciam coincidir com a realidade da minha cidade. O Roy falava-me de uma marginal com as casinhas ordenadas sobre a baía, e de um quarteirão histórico à volta dum mercado de peixe muito animado. Eu tentava conciliar essas descrições com a marginal feia, bruta, cimentificada, e com o bairro desertificado que rodeia um mercado obsoleto, asfixiado pelos centros comerciais e pelas lojas de desconto na periferia.

«Há quantos anos foi isso, Roy?», perguntei, desconfiado. «Deixa-me pensar. Talvez uns trinta e seis ou trinta e oito anos», respondeu. Era a minha cidade, sim, mas antes de eu ter nascido, antes de ela se ter perdido. Viajar serve também para reencontrar um passado que entretanto nos foi negado."
(A Lua Pode Esperar, pp. 238-239).

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

«Oh, pá! Manda vir mais!»

Fim de Férias...



E instala-se a dúvida/tentação: Clash! Sould I stay or should I go now?

No Amor, até os Ateus (Quase) são Crentes

"O meu coração ateu quase acreditou
Na sua mão que não passou de um leve adeus

Breve pássaro pousado em minha mão
Bateu asas e voou
Meu coração por certo tempo passeou
Na madrugada procurando um jardim
Flor amarela, flor de uma longa espera
Logo meu coração ateu

Se falo em mim e não em ti
É que nesse momento
Já me despedi
Meu coração ateu
Não chora e não lembra
Parte e vai-se embora"


Coração Ateu, Sueli Costa/ Maria Bethânea

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Destino Traçado

(Portimão, 7/9/2010)

Maravilhada

Em dia de encerramento da votação para as Sete Maravilhas Naturais de Portugal, uma imagem que recorda as Sete Maravilhas eleitas em 7/7/2007



E um exemplo da perfeita convivência entre antigo e moderno, natural e cultural.

Desmontando o Verão

Estou exactamente no mesmo sítio onde estava na semana passada, mas parece outro. Tudo mudou: tempos, ritmos, maneiras de vestir, o que comprar...

Na Praia da Rocha, hoje, pela tarde, a maré estava muito baixa, o que fazia parecer a praia maior e mais vazia. Havia muito menos guarda-sóis e o vento parecia empurrar o fim do Verão. Junto ao forte várias camionetas recolhiam os contentores e grades que delimitaram um espaço de som e movimento que ali esteve a funcionar. Estavam a desmontar o Verão. Mesmo. Eles tinham já cara de Inverno e o céu, com pena deles, começou a cobrir-se de nuvens.Parecia um quadro de cavalos feitos de algodão!

No hipermercado havia já pouca gente a passear displicentemente, com o bikini por baixo de roupas leves (como eu), a comprar um ou outro produto para frigoríficos provisórios. Havia muita gente com carros cheios de compras, a falar ao telemóvel sobre horas de ir buscar os miúdos e com o ar preocupado e zangado de quem está preso a uma rotina.

A secção do «regresso à escola» estava muito visitada. À minha frente, na fila, estava uma mocinha que comprou 9 cadernos A4 de capa dura e argolas - às bolinhas cor-de-rosa, igual à pasta de tiracolo - que, todos juntos, representavam bem mais do que o peso que ela deveria levar na mochila; ainda lhe vai acrescentar os livros! A mãe não parecia muito preocupada com a questão... Pediu a factura do material escolar numa conta separada, provavelmente para incluir nos impostos.

A noite caiu entretanto e cá fora há uma verdadeira fila de trânsito. Assusto-me com a hora de ponta de Portimão, mas afinal era o resultado de um acidente que envolveu um autocarro de turismo e 4 carros, que faziam com que o trânsito tivesse de circular devagar e fazendo uma gincana entre as duas faixas. Não me pareceu mais que chapa batida e vidros partidos...

De regresso «a casa», também eu sinto qualquer coisa de diferente. Não me apetece ver televisão hoje. Folheio o livro que comprei - estupidamente - no supermercado, cheio de conselhos do senso comum para viver uma vida saudável. Vida saudável estou eu a viver agora e vou ter de a arrumar na estante, juntamente com o livro (há um canto da minha estante que se pode comparar ao Inferno, por estar cheio de tão boas intenções: alberga os conselhos para vida saudável e os livros de culinária) dentro de poucos dias.

Vingo-me ainda hoje em deitar-me tarde, em sorver os sons do silêncio de um espaço de Verão quase deserto, saudavelmente refrescado pelo som da rega automática, que vai salpicando as tijoleiras junto à relva.

domingo, 5 de setembro de 2010

Viagens Sedentárias

"Cada cidade é um enigma imóvel, um cromossoma vivo, uma memória inquieta."

Gonçalo Cadilhe, A Lua Pode Esperar, p. 71

sábado, 4 de setembro de 2010

Com um bikini novo

uma mulher sente-se poderosa!

Viajante

“Ao refrescar, quando montávamos a cavalo, uma tribo de beduínos, descendo das colinas de Galgalá, trouxe os seus rebanhos de camelos a beber no Jordão; as crias brancas e felpudas corriam, balando; os pastores, de lança alta, soltando gritos de batalha, galopavam num amplo esvoaçar de albornozes; e era como se ressurgisse em todo o vale, no esplendor da tarde, uma pastoral da idade bíblica, quando Agar era moça!
Teso na cela, com as rédeas bem colhidas, eu senti um curto arrepio de heroísmo; ambicionava uma espada, uma lei, um deus por quem combater…”
Eça de Queiroz, A Relíquia

De repente dou-me conta que todos os livros que trouxe para me acompanharem nestas férias são livros de viagem: A Lua Pode Esperar, de Gonçalo Cadilhe, A Relíquia, de Eça de Queiroz e O Sentimento de Si, de António Damásio.

Em casa leio A Relíquia, deleitando-me com os pormenores das descrições queirosianas e escandalizando-me com a hipocrisia de Teodorico, ao mesmo tempo que vou descobrindo semelhanças com um país rural, religiosamente servil e bafiento, que ainda conheci «na terra», onde passava os Verões. Nos passeios, pontuados por estadias refrescantes em cafés, leio o Cadilhe, procurando imaginar as paisagens que ele descreve e identificando-me com o seu espírito livre e solitário.

O Damásio está ali; a olhar para mim, perfilado na estante. «É grande demais para ler fora de casa», argumento, mas a verdade é que a viagem interior ao sentimento de mim, que espero descobrir naquele livro, me assusta um pouco. De todas as viagens, as mais assustadoras são as interiores. Mas há momentos em que «navegar é preciso». Talvez também eu descubra – ou encare, por fim - «uma espada, uma lei, um deus por quem combater…»

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Retornos e Contornos



Há quatro anos atrás estive neste mesmo local, lendo, pela primeira vez, Gonçalo Cadilhe. Apaixonei-me pelo título Planisfério Pessoal e, na borda da piscina, viajei com ele pelo mundo inteiro.
Volto agora ao mesmo lugar com o livro A Lua Pode Esperar, do mesmo autor, do mesmo homem solitário e errante, cuja vida e reflexões (e vida com tempo para reflectir) me fascinam.



“Para que existe San Julián? O que levou um punhado de seres humanos, há cerca de cem anos, a erguer casas e a traçar ruas nesta baía que não conduz a parte nenhuma? E, no entanto, San Julián agarra, seduz, conforta. Talvez exista para servir a todas essas herdades desmedidas que necessitam de gravitar à volta de uma ideia de cidade. Talvez exista para que homens e mulheres, gaúchos e capatazes, garimpeiros e pastores, percorram durante horas caminhos de pó o meio do nada com a firme intenção de levar os filhos à escola, de tomar um copo com os amigos, de atravessar uma rua asfaltada, de olhar distraídos para a montra de uma loja que vende em simultâneo ferragens, sapatos e apólices de seguros.
(…) Assim se vence a melancolia dos homens pendurados entre o deserto e a maré baixa, e se dá às cidades a sua razão de existir.”

Gonçalo Cadilhe, A Lua Pode Esperar

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Introspecção

"Cada um traz dentro de si um desejo de tocar o limite do mundo. Um desejo de ser, uma vez na vida, um ponto solitário num espaço infinito. Cada um tem dentro de si uma Patagónia por concretizar. (...)
A vertigem do vazio habita dentro de nós. Pode passar despercebida na vida de todos os dias, no jantar com os amigos, no trânsito engarrafado da hora de ponta, no centro comercial em época natalícia, na praia no Verão. Mas chega o momento em que compreendemos que há gente a mais, ruído a mais, consumo a mais. Faltam tempo e espaço."
Gonçalo Cadilhe, A Lua Pode Esperar

Miradouro

Vista daqui, a vida parece suspensa na carícia do sol.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Sailing

"I'm the captain of my soul
I'm the captain of my soul
I ain't got no mercy for my bones
I will sail my ocean all alone, it's true

I saw sirens, I saw ghosts
And all the children in my boat
I fight for glory, not for hope
And I need to let out these words from my throat

(So you shout it)

I'm the captain of my soul
I'm the captain of my soul
I ain't got no mercy for my bones
I will sail my ocean all alone, it's true

I saw wailers, I heard songs
Melodies of wisdom for us to sing along
I raised the anchor of my soul
Cause I need to break free
Before I get old

(So we shout out)

Oh captain, Oh my captain
I'm gonna wade in the water
I'll be washed by new tears
They'll save me from my fears

I'm the captain of my soul
I'm the captain of my soul
I ain't got no mercy for my bones
I will sail my ocean all alone, it's true

I'm the captain of my heart
I'm the captain of my life
I'm the captain of my whole
I'm the captain, the captain of my soul"


Rita Redshoes