domingo, 24 de junho de 2012

Conselho de Ministros Informal assinala um ano de Governação

A VALSA DA BURGUESIA


É a valsa da burguesia
Tocada bem a compasso
Pela social-democracia
Para nos travar o passo
Umas vistas muito plurais
Sobre a questão sindical
Nós somos todos iguais
Mas quem manda é o capital
Um ar santinho e beato
De vitima inocente
É o bem triste retrato
Dos que querem dar cabo da gente
Socialismo, sim mas pouco
Para não levantar suspeitas
Barafustar como um louco
E alinhar sempre com as direitas

José Barata Moura

E isto já foi escrito há tanto tempo!
"Há muito, muito tempo/Era eu uma criança..."


segunda-feira, 18 de junho de 2012

Sem eles

A partir de amanhã - que é já hoje (já passa da meia-noite) - somos só nós e os papeis.
E há os de nós que são cheios de papeis e os papeis que são cheios de nós...alguns difíceis de desfazer...de uns e de outros.
Formulários, papelórios, convocatórias, atas, grelhas, pautas, laudas, carimbos, assinaturas, selos brancos e pretos, matrículas, e-mail, inventários, inquéritos...Epitáfios do ano letivo com um velório longo, doloroso e saudoso.

A Lucidez da História

E a quem pensa que a História é coisa do passado e ao futuro pouco interessa, respondo que é nas vozes da História - nos que a estudam e procuram compreendê-la, nos que estudam as sociedades de uma forma extensiva e numa perspetiva de longa duração - que encontro esperança, segurança, firmeza e lucidez.
Desta vez foi na entrevista de José Manuel Tengarrinha, publicada na Visão da semana passada.
Diz ele:
"A sociedade que imaginávamos ou desejávamos, no «tempo das cerejas», é uma utopia. Mas não fez mal a ninguém ter essa utopia. Deu-nos pelo menos uma direção, um objetivo que nos encaminhou e amparou. Um dos problemas de hoje é a falta de ideias e de ideologias."
Mas logo contrapõe, afastando cenários catastróficos: "Eu não estou a aspirar aos «amanhãs que cantam», mas a verdade é que as sociedades não morrem. O aprofundamento da crise, que não é desejável, pode trazer alguma abertura para novas soluções, que não as até agora tentadas, infrutíferas e desastrosas. Se não for com um sistema, será com outro."
E isto é uma certeza. Isto é de uma lucidez extraordinária que nos faz falta. Sei que não alimenta quem tem fome, sei que não veste quem tem frio, nem cura as doenças a quem não tem dinheiro para comprar medicamentos, mas afasta decididamente a ideia de que o pesadelo em que vivemos é eterno e a situação insolúvel. E é dele, que já participou ativamente na política partidária, que recolho mais estas palavras, que para mim também são de esperança lúcida:
"Acho que da política dos partidos virá pouca coisa. Existem, porém, organizações cívicas e sociais, sindicais, movimentos de cidadãos que têm mostrado grande veemência, capacidade de protesto e intervenção que não se pode perder. Não quer dizer que conduzam a uma revolução (...) mas são portadores de uma esperança de futuro."
E os senhores ministros a minimizarem as ciências sociais e humanas! Só elas nos podem primeiro acalmar e depois salvar por nos deixarem ver caminhos. 

sábado, 16 de junho de 2012

Como um Rio

"Às vezes a minha alma é uma nuvem perdida no céu azul que me abraça
e meu corpo ramos frágeis nas raízes do meu caminhar.
Se soubesses como são gelados os ventos do norte que me beijam devagar
São brisas agrestes ferindo meus sonhos expostos ao tempo.
Às vezes sou a fragilidade perdida na imensidão do espaço
outras ,a coragem, a força
vinda do passado olhando o horizonte
corpo banhado nas profundezas
de um céu por inventar.
Às vezes sou como um rio descendo as encostas
num lento desbravar.
Águas furiosas de desventura...
E outras sou como um leito de águas doces
deslizando nas planícies já muito perto do mar."

São Gonçalves (colhido na página de Facebook de Quem lê Sophia de Mello Breyner Andresen)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Anatomia Profissional (adaptável a diversas profissões)

ANATOMIA

"Como todos sabemos demasiado bem,
... às vezes o que importa não é a literatura
e em qualquer encontro de escritores
podemos aprender alguma coisa
de anatomia humana
pelo menos da parte em que se estuda
a forma e o tamanho dos umbigos:


Maiores ou mais pequenos, feios ou mais belos,
situam-se no centro do universo
- pequenos planetas que de súbito
se transformam em estrelas
e mostram uma tendência irresistível
para absorver o espaço à sua volta.


De formato redondo, podem ser
ligeiramente elípticos
e ostentam em casos muito raros
quase uma curvatura parabólica
que em certas ocasiões os abre ao mundo.

Uma investigação mais aturada
a essas crateras tão humanas
descobre que se ocultam no seu côncavo
cidades invisíveis, rostos de outro tempo,
segredos de futuros que não houve,
invejas e desejos e remorsos
que ninguém saberia confessar
e sobretudo o medo,
a solidão mais fria e esse orgulho
que serve de disfarce ao desespero.


Sempre que se lhe toca, é necessário
fazer as coisas com sentido clínico
e alguma subtileza: alguns retraem-se
até desaparecerem, refugiados
num pudor infantil, fora de moda,
mas com o tempo quase todos
aprendem a viciar-se nesse gesto
e crescem devagar, sob a pressão dos dedos,
com um prazer quase erótico,
numa erecção intensa, até chegarem
a ocupar então o corpo todo
e a devorar-lhes a alma.


Muitos desses umbigos, finalmente,
reflectem a luz em certas circunstâncias:
os mais clássicos preferem
a superfície líquida de um lago;
outros só se contentam com o mar;
mas para a grande maioria basta
um luminoso par de olhos humanos
disposto a conceder-lhes a pequena graça
de alguns minutos de atenção."
 
Fernando Pinto do Amaral

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O Poeta

«Ter opiniões é estar vendido a si mesmo. Não ter opiniões é existir. Ter todas as opiniões é ser poeta.»


Bernardo Soares

terça-feira, 5 de junho de 2012

Simultaneidade

"- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo!
Eu creio em Deus! Deus é um absurdo!
Eu vou me matar! Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta."

Mario Quintana (1906-1994)

sábado, 2 de junho de 2012

Todos os dias desisto, todos os dias persisto

Os dias não são de alegria, nem de entusiasmo. Nem as noites...Todo o contexto é um absurdo de estupidez, desmotivação, deslocação dos verdadeiros centros de interesse...
Parece que está tudo errado!
O Ministro afinal mentiu? O que está no site do Ministério não coincide com o que foi anunciado...vem ou não um reforço de tempo (e importância, claro) para as ciências humanas e sociais?
A partir de Julho a minha escola fará parte do maior mega-agrupamento de escolas do país. (Como se escreve mega-agrupamento? Nem sei se a palavra é anterior ao acordo...)
O acordo entra ou não entra? Não tiveram tempo de discutir e decidir isso nos últimos vinte anos?
O ar está pesado; o céu cor de chumbo; doi-me o pulso direito, devo ter uma tendinite; os testes e trabalhos amontoam-se na secretária e destas avaliações dependem a passagem ou o chumbo (perdão, retenção...) de alguns alunos.
O desespero de ver que alguns não aprenderam nada, que outros desaprenderam...
Fim de ano...antecipação da tristeza de vê-los partir sem saber se voltam. Para as salas do nosso contentamento.
As aulas decorrem em ritmos de fim. A burocracia sufoca-nos. As reuniões tombam sobre nós como uma tempestade elétrica, que nos faz procurar abrigo, num contexto estafado em que mesmo os que costumam oferecer o ombro amigo estão também cansados e desmotivados.
Os dias sucedem-se com um sabor amargo, que não é aliviado pelos fins de semana atulhados de papeis e formalidades.
Por isso as aulas me sabem tão bem! Bebo-as sofregamente agora que vão ser suspensas para deixar na escola o deserto dos dias semgritos, brincadeiras e risos.
Era quinta-feira ao fim do dia. A aula deveria ser dedicada à apresentação dos trabalhos dos alunos que têm notas indecisas (não necessariamente negativas, mas de difícil decisão).
O power point é rei das apresentações e as salas devem ter um projetor e um écran prontos a mostrar as palavras e imagens colhidas na Internet a alinhadas ao sabor dos conhecimentos, empenho e gosto de cada dos alunos em avaliação.
"O écran não se segura!  Professora, não tem pega...O prego não é esse...Professora!"
Embora com vontade de suspender tudo por falta de condições, sufoco a revolta dentro do meu lema educativo de que se os nossos antepassados conseguiram evoluir com pedras e paus, nós somos capazes de dar a volta a qualquer situação: "Escolhemos dois jovens altos, que seguram o écran e decoram a apresentação."
Eles alinharam.
Os papeis foram então invertidos: eu, sentada ao fundo da sala, com um caderno de apontamentos, eles, senhores da situação, explicando, respondendo, captando a atenção dos colegas. Os dois rapazes sustentaram com elegância a branca tela, conferindo uma moldura humana, jovem e sorridente aos conteúdos apresentados.
Acaba o primeiro trabalho, entra em cena o segundo, tradicional na forma pedagógica de apresentação: uma pessoa a falar, apoiada nos seus conhecimentos.
Tinha-lhes dito que a aula seria um debate em torno dos conceitos apresentados nos trabalhos.
Vários foram os dedos no ar que secundaram as apresentações mostrando que a noção de debate está interiorizada. Sucedem-se as perguntas e as respostas. Anima-se a discussão. Entro na conversa fascinada com a pertinência das perguntas. Não aguento estar sentada. Já ocupei o tampo de uma mesa. Só então vejo um braço no ar que não compreendia a quem pertencia. Afinal era um dos "seguradores de écran" que se tinha sentado no chão, à espera de poder voltar a ser necessário. O outro tinha-se sentado no meu lugar. As cabeças rodavam para a frente e para trás para acompanhar o ritmo das perguntas e respostas que surgiam dos vários pontos da sala.
A conversa foi fluída. Todos estavam envolvidos. Eu esqueci-me que estava zangada e desmotivada. Bebia energia nas perguntas da T (aluna que tirou negativas bem feias) e que agora queria saber como os reis bárbaros aceitaram a autoridade do Papa. Outro lhe explicava que ainda hoje a Santa Sé dá ordens aos padres de cada país. E falamos do necessário acordo por causa da supressão dos feriados.
Uma das boas alunas quis explicar o que era o Império Romano do Oriente. E surge à conversa a multiculturalidade da Turquia, herdeira dos diferentes percursos históricos e culturais vividos no território.
"Crsitãos e católicos são sinónimos?"
"Não, não são. Há mais cristãos que católicos. Vocês vão estudar no 8º ano, a reforma protestante, as divisões dentro do Cristianismo. E dentro das outras religiões também há, embora eu não as saiba tão bem..."
E é o L. - que cumpriu serviço por mau comportamento durante o ano - que espicaça o outro: "Não tens aí o livro de Moral? Isso está lá tudo".
E o outro tinha o livro de Moral, que abre com o ar metódico e pomposo que o caraceriza, faz uma pausa e olha-me por cima dos óculos: "Posso?"
Estamos agora todos a vê-lo e ouvi-lo enquanto ele fala dos judeus e dos muçulmanos.
Voltamos aos cavaleiros da Idade Média e exploramos os conceitos de Guerra Santa e de Cruzada, pouco antes de tocar para nos lembrar que afinal estamos numa aula.
É sem pressa que esclarecemos ainda alguns pontos, enquanto nos levantamos e vamos arrumando o material, para preparar tudo para a outra aula, já a seguir ao intervalo.
Estou tonta de entusiasmo e cansada de responder a tantas perguntas sem uma sequência pre-definida...
Devo ter os olhos brilhantes e nesse momento acho que tudo vale a pena.
Lembrei-me agora disto tudo porque os escuteirinhos passaram por mim e cumprimentaram: "S'tora: já viu os testes?" Franzo a testa antes deles explodirem em gargalhadas: "Apanhada! (Eu não te disse que ela ia ficar a pensar?) Já recebemos os testes s'tora. Bom fim de semana!" E lá vão, já de costas, três dos participantes no debate de anteontem, integrados noutro grupo, conversando e rindo entre si, desconhecedores da energia que me transmitiram.