terça-feira, 31 de março de 2015

De Palavra em Palavra

"Era uma menina que gostava de inventar uma explicação para cada coisa...
Solidão é uma ilha com saudade de barco.
Saudade é quando o momento tenta fugir da lembrança pra acontecer de novo e não consegue.
Lembrança é quando, mesmo sem autorização, seu pensamento reapresenta um capítulo.
Autorização é quando a coisa é tão importante que só dizer “eu deixo” é pouco.
Pouco é menos da metade.
Muito é quando os dedos da mão não são suficientes.
Desespero são dez milhões de fogareiros acesos dentro de sua cabeça.
Angústia é um nó muito apertado bem no meio do sossego.
Agonia é quando o maestro de você se perde completamente.
Preocupação é uma cola que não deixa o que não aconteceu ainda sair de seu pensamento.
Indecisão é quando você sabe muito bem o que quer mas acha que devia querer outra coisa.
Certeza é quando a idéia cansa de procurar e pára.
Intuição é quando seu coração dá um pulinho no futuro e volta rápido.
Pressentimento é quando passa em você o trailer de um filme que pode ser que nem exista.
Renúncia é um não que não queria ser ele.
Sucesso é quando você faz o que sempre fez só que todo mundo percebe.
Vaidade é um espelho onisciente, onipotente e onipresente. Vergonha é um pano preto que você quer pra se cobrir naquela hora.
Orgulho é uma guarita entre você e o da frente.
Ansiedade é quando faltam cinco minutos sempre para o que quer que seja.
Indiferença é quando os minutos não se interessam por nada especialmente.
Interesse é um ponto de exclamação ou de interrogação no final do sentimento.
Sentimento é a língua que o coração usa quando precisa mandar algum recado.
Raiva é quando o cachorro que mora em você mostra os dentes.
Tristeza é uma mão gigante que aperta seu coração.
Alegria é um bloco de Carnaval que não liga se não é fevereiro.
Felicidade é um agora que não tem pressa nenhuma.
Amizade é quando você não faz questão de você e se empresta pros outros.
Decepção é quando você risca em algo ou em alguém um xis preto ou vermelho.
Desilusão é quando anoitece em você contra a vontade do dia.
Culpa é quando você cisma que podia ter feito diferente, mas, geralmente, não podia.
Perdão é quando o Natal acontece em maio, por exemplo.
Desculpa é uma frase que pretende ser um beijo.
Excitação é quando os beijos estão desatinados pra sair de sua boca depressa.
Desatino é um desataque de prudência.
Prudência é um buraco de fechadura na porta do tempo.
Lucidez é um acesso de loucura ao contrário.
Razão é quando o cuidado aproveita que a emoção está dormindo e assume o mandato.
Emoção é um tango que ainda não foi feito.
Ainda é quando a vontade está no meio do caminho.
Vontade é um desejo que cisma que você é a casa dele.
Desejo é uma boca com sede.
Paixão é quando apesar da placa “perigo” o desejo vai e entra.
Amor é quando a paixão não tem outro compromisso marcado.
Não. Amor é um exagero… Também não.
É um desadoro… Uma batelada?
Um enxame, um dilúvio, um mundaréu, uma insanidade, um destempero, um despropósito, um descontrole, uma necessidade, um desapego?
Talvez porque não tivesse sentido, talvez porque não houvesse explicação, esse negócio de amor ela não sabia explicar, a menina."

Texto, colhido no Facebook e extraído do livro Mania de Explicação da Adriana Falcão

sexta-feira, 27 de março de 2015

Eu queria habitar no final de uma telenovela: os maus são castigados, os mauzinhos arrependem-se e são imediatamente recuperados por um eficiente sistema de reinserção social com a ajuda de uma sociedade altamente preparada para a inclusão e os bons...bom, os bons são responsáveis por uma acentuada redução da taxa de desemprego, uma vez que propiciam um apreciável número vagas para trabalhadores temporários que ajudam Cupido a dar despacho a um elevadíssimo volume de trabalho. O melhor lugar para habitar é, sem dúvida, o final de uma telenovela!

domingo, 22 de março de 2015

Palavras Minhas

Palavras que disseste e já não dizes,
palavras como um sol que me queimava,
olhos loucos de um vento que soprava
em olhos que eram meus, e mais felizes.
Palavras que disseste e que diziam
segredos que eram lentas madrugadas,
promessas imperfeitas, murmuradas
enquanto os nossos beijos permitiam.
Palavras que dizias, sem sentido,
sem as quereres, mas só porque eram elas
que traziam a calma das estrelas
à noite que assomava ao meu ouvido...

Palavras que não dizes, nem são tuas,
que morreram, que em ti já não existem
- que são minhas, só minhas, pois persistem
na memória que arrasto pelas ruas.

Pedro Tamen

sábado, 21 de março de 2015

Em viagem

"A viagem termina quando encerramos as nossas fronteiras interiores. Regressamos a nós, não a um lugar."

Mia Couto in O Outro Pé da Sereia (colhido no Facebook)

quinta-feira, 19 de março de 2015

Dia do Pai

Na realidade tive dois pais.
Partiram ambos cedo de mais.

quarta-feira, 18 de março de 2015

Natal? Porque não...

Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.

E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da nação.

Mas, por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.

(Miguel Torga)


domingo, 15 de março de 2015

Caminhando

"Chegará o dia em que o sol só iluminará homens livres que apenas obedecerão à Razão; em que os tiranos e os escravos...já não existirão."
Condorcet, Quadro dos Progressos do Espírito Humano (1793)

sábado, 14 de março de 2015

“Não basta saber ler que Eva viu a uva. É preciso compreender qual a posição que Eva ocupa no seu contexto social, quem trabalha para produzir a uva e quem lucra com esse trabalho.”

Paulo Freire

domingo, 8 de março de 2015

Dia 8

MULHER
A mulher não é só casa
mulher-loiça, mulher-cama
ela é também mulher-asa,
mulher-força, mulher-chama

E é preciso dizer
dessa antiga condição
a mulher soube trazer
a cabeça e o coração
Trouxe a fábrica ao seu lar
e ordenado à cozinha
e impôs a trabalhar
a razão que sempre tinha
Trabalho não só de parto
mas também de construção
para um filho crescer farto
para um filho crescer são
A posse vai-se acabar
no tempo da liberdade
o que importa é saber estar
juntos em pé de igualdade
Desde que as coisas se tornem
naquilo que a gente quer
é igual dizer meu homem
ou dizer minha mulher
ARY DOS SANTOS

quinta-feira, 5 de março de 2015

Submersa em testes

Vou arrumar o escafandro para amanhã...

terça-feira, 3 de março de 2015

O Poeta

 O poeta não gosta de palavras:
 escreve para se ver livre delas.

A palavra
 torna o poeta
 pequeno e sem invenção.

Quando,
 sobre o abismo da morte,
 o poeta escreve terra,
 na palavra ele se apaga
 e suja a página de areia.

Quando escreve sangue
 o poeta sangra
 e a única veia que lhe dói
 é aquela que ele não sente.

Com raiva,
 o poeta inicia a escrita
 como um rio desflorando o chão.
 Cada palavra é um vidro em que se corta.

O poeta não quer escrever.
 Apenas ser escrito.

Escrever, talvez,

 apenas enquanto dorme.


Mia Couto

segunda-feira, 2 de março de 2015

Envelhecer

Entra pela velhice com cuidado,
Pé ante pé, sem provocar rumores
Que despertem lembranças do passado,
Sonhos de glória, ilusões de amores.

Do que tiveres no pomar plantado,
Apanha os frutos e recolhe as flores
Mas lavra ainda e planta o teu eirado
Que outros virão colher quando te fores.

Não te seja a velhice enfermidade!
Alimenta no espírito a saúde!
Luta contra as tibiezas da vontade!

Que a neve caia! o teu ardor não mude!
Mantém-te jovem, pouco importa a idade!
Tem cada idade a sua juventude.

Bastos Tigre (1882-1957)

domingo, 1 de março de 2015

O Domingo é um bom dia para filosofar

Chamava-se Pedro.
Tinha acabado a Faculdade nesse mesmo ano e uma paixão pela Filosofia e pelo seu ensino.
Claro que "caímos" logo todas por ele: Jovem, tímido, sábio.
Às vezes dou comigo a pensar como deveria ser ridículo ( e muito inibitório) ter uma turma de adolescentes suspirantes a olhar para ele.
Por mim, que sabia que nunca o iria fascinar pelo meu aspeto físico naquela turma de futuras socialites da linha de Cascais, comprei uma História da Filosofia. Lia que nem uma louca e mostrava-lhe a minha sede de saber - que tinha também, sejamos honestos, sede e outra coisa.
Acreditei sempre que ele achava que eu era especial.
Mais tarde soube que ele estava a tirar o mestrado...e depois perdeu-se nas memórias e na sequência de outros encontros, outras vivências.
Hoje acordei com vontade de estudar Filosofia: Que será feito do meu professor de 12º ano?