Uma das coisas que me fascina na minha profissão é a (quase) impossibilidade de cristalizar, de perder a noção do presente, pois estamos sempre em contacto com as novas gerações e os seus conceitos.
Esse será também um problema do ensino: como é que nós -Escola, Ministério, Professores (instituições "adultas", sentadas sobre um saber acumulado) - reagimos e interagimos com as novas gerações e as suas perspectivas de vida, frequentemente quase desconhecidas para nós?
Sendo o Tempo a matéria prima da História, uma das coisas que mais me interessa é como é que as sociedades, ao longo do tempo, perspectivaram o tempo, se relacionaram com ele, se orientaram por e para ele: o Tempo.
Na semana passada, estando eu a explicar a resistência da Igreja às inovações ao longo do tempo exemplificando com algumas das condenações da Inquisição, afirmei: "A sociedade resiste sempre ao que é novo, a primeira atitude é recusar o que é novo..."
"Olhe que não", interrompeu-me um aluno. "Hoje é precisamente ao contrário. Repare nos telemóveis, nos carros, na tecnologia. Queremos sempre o que é mais novo."
Concordei com ele e guardei a problemática na parte posterior do meu cérebro, que funciona melhor durante a noite, fins de semana e feriados, quando me liberto das quadrículas do tempo em que tenho de cumprir tarefas definidas. A questão manteve-se com uma luz vermelha de alerta, indicando-me que ali se tinha colocado algo que eu não podia ignorar, algo que era fundamental na minha forma de me posicionar no ensino, de me relacionar com os alunos, de organizar a minha prática lectiva, de perspectivar a utilidade e a função da escola (e da História, nela).
Certo é que a História Antiga -sobretudo a Medieval - nos dá uma sensação de imobilidade, de remanso marcado pelos ritmos da terra, que se estilhaça com o chegar do Mundo Contemporâneo. As Revoluções Liberais, a Soberania Popular, a Cidadania alargada, ao envolverem-nos a todos nas grandes questões da Humanidade, dão-nos um sentido de pertença que ao mesmo tempo nos avassala, nos devora, nos consome. Querer abarcar tudo na sociedade de informação é uma tarefa esgotante e impossível, logo, frustrante e causadora de uma má relação com o tempo: a nossa relação com o nosso tempo, a nossa gestão do tempo, a nossa compreensão do tempo ao longo do tempo.
Andava eu a girar à volta destas questões de uma forma entre o consciente e o inconsciente, quando resolvi explorar um pouco mais o mundo dos vídeos que descobri ontem e partilhei aqui convosco. Caramba! Havia um vídeo sobre o tempo. Magnífico. Sintético. Brutal. Clarificador.
E a Escola sempre no meio da relação entre tempos diferentes...
http://www.youtube.com/watch?v=A3oIiH7BLmg&feature=player_embedded
4 comentários:
Dia 251
Um dia o tempo, quero dizer, o Tempo acabará. Depois de acabar o mundo. Também quero dizer, o Mundo. E este Tempo, este Mundo, agora tão cheio de pressa e tão cheio de coisas, assistirá a um enormíssimo crescimento do vazio que durará nem se sabe quanto, porque ninguém restará para medir o tempo, e isso quer dizer que se o tempo não for medido o tempo não interessa, não existe. É o tempo zero e o tempo final. O que está entre os dois, este nosso tempo, o tempo do Tempo, não haverá mais.
O silêncio ocupará todos os lugares. O lugar das falas, o lugar da música, o lugar do trovão, o lugar das queixas, até dos sussurros de amor. E o vazio ocupará o lugar das casas, das cartas, das cabras, das crias. O silêncio estará no sítio dos poemas, das fotografias, do mar, dos quadros dos pintores que antes tinham enclausurado, em silêncio, nas telas, alguns bocadinhos deste nosso tempo e deste nosso mundo. E já não haverá ratos, nem rolhas, nem roscas, nem rotas, nem raios, nem raivas, nem rosas, nem rios, nem riso, nem sequer remorso.
Não restará um texto, um tecto, um til, ao menos. O que existirá, não poderemos saber. Talvez uma imensíssima, uma infinita seara de átomos maduros, para a qual não
existirão ceifeiros, nem padeiros, nem bocas que possam mastigar, com todo o tempo do mundo, o pão azul da eternidade.
Joaquim Pessoa
(Do livro «Ano Comum», a publicar)
Uma pré-publicação? Que privilégio; que belo «Pão por Deus»!
«Deus lhe abençoe, sinhô...»
A Miss pirou-se para o Brasil e não disse nada?
Qu’inveja!
Quanto à pré-publicação, sim, é um privilégio que o Joaquim Pessoa partilha com os seus amigos no Facebook. Foi de lá que o "roubei" — mas ele não se importa, até gosta que o divulguem.
Mais um presente, este já publicado:
Treze poemas minimalistas
O amigo fez
a cama ao amigo
antes que
o amigo viesse
fazer a cama
ao amigo
*
Pelo peixe
morre a boca.
*
Morrer
até
aprender
*
O jornal
voava para oeste
levado pelo
vento.
O vento
soprava para norte
dizia no
jornal.
*
Dois polícias.
Prenderam-me
a atenção.
*
(Detido na GNR)
Muito me tarda
o meu amigo na Guarda.
*
Trinta dinheiros.
A Judas,
de custo.
*
Devido à
abundância,
os pobres afogaram-se
na sopa.
*
O ministro dos Outros
falou e disse:
Continuaremos fiéis
aos Mesmos.
*
O pão amassado
pelo Diabo
é consumido no céu
da boca.
*
Porquê a
Rua da Emenda
e não a
Rua do Soneto?
*
Os dois lados
do
mesmo lado.
Um fino e frio fio de estratégia.
*
Caíram-me
os parêntesis
na (lama).
Joaquim Pessoa
in «Mas»
(Litexa Editora, 1987)
(Então boa viagem de regresso. Ou não vai haver regresso? E ficamos por aqui corcovados até Janeiro ou até que São Paulo nos valha?
Pelo menos não isqueça de sê feliz, n’é?)
«Qu'im dera tê ido...»
Não, só fui ao Leiria Shopping! :-)
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