quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Composição

 A minha casa

A minha casa fica num prédio muito bonito. Nada lhe falta: tem plantas, animais e pessoas. 

Vejo muitos animais todos os dias: os pombos, as garças e os patos que estão no rio. As andorinhas e os pardalitos, que vêm até à minha varanda. Não vejo os peixes do rio, mas sei que lá estão. E ratos também. Vejo muitos cães a ser passeados pelos donos no jardim público para o qual dá a minha janela. No pátio/jardim do meu prédio há vários gatos pretos (já houve outros de outras cores) que eu alimento. Já conhecem o meu carro e, à sua maneira selvagem e defensiva, vão mostrando que gostam de mim e que confiam em mim. Mesmo nos dias em que nada tenho que fazer fora de casa desço a escada para alimentar os meus pretitos.

Em vários dos apartamentos há pessoas pequeninas, o que me dá muita alegria. Gosto de os ver crescer. Foi com eles que compreendi que já não sou muito nova, porque os pais dizem "Cumprimenta a senhora" e os garotos olham-me como se eu tivesse a idade das avós. E tenho mesmo. Só não tinha compreendido porque não sou avó.

Hoje é o primeiro dia de escola.

Depois de todo o contexto de termos estado fechados, confinados, isolados, assustados e amordaçados, vamos voltar a levar as crianças à escola. Com novos cuidados, mas com confiança e entusiasmo.

O Sr. Director enviou artigos, poemas e música para nos fazer acreditar que vai correr tudo bem. Coisas que ele aprendeu lá na escola de Homens Importantes que frequentou e que visam fazer o mesmo que o cajado do analfabeto pastor faz lá nas planícies por esse país fora: conduz o rebanho e espera que não se perca nenhum.

Li e vi tudo. Compreendi o intuito e até apreciei a selecção, mas...

Hoje de manhã acordei com o riso da mais nova do rés-do-chão, que devia estar a dar com a mãe em doida, porque nunca mais entrava no carro. E ria, ria, com aquele encanto que nos faz sorrir também e ficar (pelo menos mentalmente) com as covinhas nas bochechas que marcam a candura da primeira infância. Eu ainda estava na cama e não a estava a ver, mas podia imaginar os seus olhos fabulosamente azuis, com uma expressão matreira, a prolongar mais um bocadinho o tempo de convivência com a mãe ao ar livre, no ar fresco com que amanhece o nosso jardim junto ao rio.

Quando já estava sentada na varanda a tomar o pequeno almoço, apareceram a mãe e a filha do andar superior. Ela vai para a Escola. A Escola com E grande, a de aprender a ler e a escrever. E a mãe quis registar para a posteridade a filha no seu primeiro dia de escola. Ali, no fresco da manhã do nosso jardim junto ao rio. "Pega agora na mochila!" Ah! É tão pesada  que a garota quase caiu para dentro das longas folhas verdes das plantas resistentes que sobram dos canteiros. Mas o sorriso dela era à prova de tudo: de peso de mochila, de fresco da manhã, da insistência da mãe em "mais uma...agora assim..."

Saí do meu posto de vigia e desejei-lhe um grande primeiro dia de escola. "Também eu ainda tenho as fotos do meu primeiro dia!"

Elas acenaram alegremente, e lá partiram, entre risos e pressas que os horários são para cumprir desde o primeiro dia.

E eu vim para aqui, recordar o meu primeiro dia de escola. Foi em 7 de Outubro de de 1972. O cabelo apanhado em rabo de cavalo (longuíssimo) dava-me o ar arrumado e competente de quem vai começar a sua vida profissional. A bata branca era o uniforme, que o país não tolerava individualismos. Bordado ao lado direito da bata estava "Escola Feminina nº4". Na mão e a pasta que a tia Jesus tinha trazido de Espanha alguns anos antes e que estava guardada para a ocasião. Lá dentro a lousa.

O nosso apartamento...andar, na altura ninguém chamava apartamento, era um enorme andar, pendurado no cimo de um prédio em plena cidade - ah, não! Ainda era vila. Uma vila monstruosa, cheia de gente que circulava apressada. Dizia eu, o nosso andar não tinha jardim. Por isso fomos mais cedo para registar o momento no jardim público. "Com o sol por detrás...para realçar o louro do cabelo", parece que estou a ouvir a minha mãe. Não. Não me lembro das palavras exactas, mas as fotos estão lá, com a luz cuidadosamente orientada para realçar o louro do meu cabelo que ela tanto prezava. 

Entrei para a Escola em 1972 e nunca mais saí, costumo eu dizer por graça aos alunos. Mas agora já não é verdade. Saí o ano passado, para saber que é possível. A vida leva-nos às vezes numa carreira desenfreada que nos faz crer que não dominamos nada. Que "a vida é assim" e que "tem de ser". O ano passado resolvi parar. Só porque sim. Só porque posso. E, se podia, também era um desperdício não o fazer. A vida provou-me que não vale a pena planear muita coisa, que na realidade todos os planos podem ser mudados. Até por coisas tão imponderáveis, como, de repente, o mundo todo ficar doente e não podermos sair de casa.

E foi aí que eu apreciei ainda mais a minha casa. Que tem plantas, animais e pessoas. Que tem pessoas pequeninas que me tratam como avó e me fazem perceber que envelheci. Que me dão muito carinho e que me devolvem a fé no mundo todos os dias.

E hoje é o primeiro dia de escola!

domingo, 5 de julho de 2020

Aprendendo

A aprendizagem verdadeira vem ao de cima quando o espírito competitivo morre.
J. Krishamurti cit. in Cameron, Julia, O caminho do Artista, p. 259

domingo, 14 de junho de 2020

Mapa da Inveja

Não me invejo de quem tem
carros, parelhas e montes.
Só me invejo de quem bebe
a água em todas as fontes.

Cruzamento de uma canção popular alentejana com o exercício O Mapa da Inveja, de um curso destinado à criatividade

sexta-feira, 5 de junho de 2020

A Natureza por prenda

Ao ler estas palavras no volume IV do Livro das Mil e Uma Noites achei peculiar que, nesta história, é um presente com as mais belas frutas que agrada à princesa e a remete para a necessidade e privilégio de admirar a Natureza. Ou talvez tenha sido só eu que li assim, neste dia do Ambiente.

Aqui fica:
"Entretanto a princesa, que desde a cessação da correspondência (...) vivia na tranquilidade habitual. Um dia, porém, recebeu um cesto de fruta que o pai lhe enviara, e teve a satisfação de encontrar nele os mais lindos frutos. A surpresa lembrou-lhe que chegara a época, sempre almejada, em que o pomar se revestia das suas melhores galas e durante a qual descia ao jardim para contemplar o deslumbrante espectáculo - favor augusto da Natureza." (p. 33)

Wuwei

"O sem agir (wuwei) é o princípio prático da filosofia taoista e corresponde a um modo de viver que tem por objectivo reconquistar um estado de harmonia perfeita com o Tao, que corresponde a um regresso a ele e à sua serenidade. (...) É um modo de viver que consisite em não fazermos nada de «artificial», convencional ou exclusivamente voluntário, e em nos comportarmos sem tentar forçar as coisas a serem como desejamos, ou seja, termos uma conduta completamente serena, sem esforço e sem tensão, sem interferência no curso natural dos acontecimentos.(...) «sem agir mas sem que nada fique por fazer». (...) O que acontece parece ser apenas o fluir natural das coisas, sob uma influência que tem tanto de real como de transcendente e que garante uma ordem superior no universo. E, uma vez satisfeita a função de cada acção, ela termina naturalmente, sem que nunca haja nenhum dispêndio de energia desnecessário e sem que nunca nos sintamos verdadeiramente responsáveis por ela. (...)
O sem agir implica um saber que lembra o dos grandes artífices, cujas actividades são regidas pela intuição e pelo instinto. (...)
Quem age sem agir assume a origem misteriosa da sua actividade , reconhecendo que até mesmo o que faz «voluntariamente» é igualmente determinado por muitos processos inconscientes e «involuntários», actuando dentro do seu corpo. (...)
O saber associado ao sem agir é tão concreto que se torna até impossível de ensinar aos outros usando palavras, porque é uma espécie de arte, talento ou habilidade natural que não se baseia no domínio de uma técnica, de uma fórmula ou de um método. (...)"

António Miguel de Campos, Comentários sobre a filosofia taoista e sobre a escrita chinesa in Lao Tse, Tao Te King: Livro do Caminho e do Bom Caminhar, pp. 195-197

Aprender

Diz-se muito que aprender tem a ver com emoções, com despertar emoções, com estar emocionalmente envolvido.
Eu gosto muito de estudar. E, por vezes, quando compreendo (dentro de mim) uma coisa dou comigo muito emocionada, comovida...Chego a ter o nó na garganta e as lágrimas com vontade de rolar.
Para mim, de facto, aprender é uma emoção!

terça-feira, 2 de junho de 2020

A imaginação é uma louca: comecei a fazer caminhadas no parque e agora sonho em ser trapezista...

sábado, 30 de maio de 2020

- Gosta então de tirar fotografias?
- Sim, para ilustrar legendas.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Recuperar da quarentena

Muito sinceramente não sei se algum dia vou recuperar da quarentena! Habituei-me de tal maneira a estar sozinha e sossegada que, quando estou muito tempo com alguém, quando chego a casa preciso de recuperar. Ficar um tempo com uma luz suave, ouvir música de relaxamento...para recuperar o meu equilíbrio.
Isto de estar sozinha está a ser muito bom. Ter de estar com os outros obriga-me a um esforço.
Algo mudou. De certeza. E se dantes me parecia extraordinariamente radical ser monja num qualquer convento (cristão, budista, não interessa qual a religião) hoje o que me parece radical é frequentar o Rock in Rio, que eu frequentei com muito agrado, note-se.
Não sendo uma experiência de laboratório não podemos isolar as variáveis, para compreender o factor de influência de cada uma e por isso não sei de devo atribuir estas mudanças maioritariamente a algum dos seguintes factores:
- estou mais velha
- estou há 10 meses sem trabalhar inteiramente entregue a mim mesma, decidindo os meus ritmos e a minha lista de too-doo's (aprendi esta agora)
- estamos a viver uma situação de calamidade em que é aconselhado o isolamento social
- estive muitos dias sem contactar com pessoas e mesmo sem as ver, uma vez que o meu prédio se debruça sobre um jardim público que ainda não abriu, mesmo nestes tempos de desconfinamento
- a janela do meu escritório dá para as traseiras de uma igreja (daquelas universais) em que pelo menos 3 vezes por semana tentavam atingir Deus com gritos e orações e as atividades de culto têm estado suspensas
- aproveitei o tempo da quarentena para mudar a disposição de móveis e limpar gavetas e - coincidência ou não - tudo parece estar mais limpo e energético por aqui. A isso atribuo o facto de as orquídeas e as rosas, que raramente abrem flor, estarem no máximo da sua exuberância primaveril
E querem que eu queira voltar à normalidade? Parece-me que quem defende isso é que não é normal.
Tenho estado muito calma, sossegada e feliz.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Poderiam ser conselhos para um mundo pós-pandemia, mais caseiro, menos globalizado, mais contentado, menos ambicioso

Um país pequeno, com poucas pessoas.
Que existam armas para uma esquadra ou batalhão,
mas que ninguém as use.
Que o povo encare seriamente a morte
e não vá morar para longe.

Embora existam barcos e carruagens, 
que não haja lugar para os utilizar.
Embora existam armas e armaduras,
que não haja lugar para as exibir.

Que o povo volte às cordas com nós e as saiba utilizar.
Que seja doce a sua comida
Que sejam belas as suas roupas
Tranquilas as suas casas
Alegres os seus costumes.

Que países vizinhos se observem um ao outro,
ouvindo o som das galinhas e dos cães um do outro.
E o povo chegue à velhice e morra
sem idas e vindas de um para outro.

Lao Tse, Tao Te King: Livro do Caminho e do Bom Caminhar (capítulo 80, p. 133)
Tradução e comentários de António Miguel de Campos

Com o isolamento social

ficámos muito expostos a nós mesmos.
Isto do confinamento fez-me conviver imenso comigo mesma. E nós nem sempre nos entendemos.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Então, mas eu, de escritora só terei o bloqueio?

Leituras

Gosto de escritores que são eruditos.
Gosto de escritores que mostram a sua erudição.
Gosto de escritores que investigam para escrever.
Gosto de pedaços puros de erudição, de mergulhar num tema e sentir que estou a falar com um especialista.
Assim foi hoje a leitura do capítulo VI de O Clube Dumas, de Arturo Pérez-Reverte, sobre o trabalho das tipografias ao longo dos tempos.

segunda-feira, 18 de maio de 2020

Assim se caracteriza um escroque

"- Essa é uma das vantagens do dinheiro: permite contratar esbirros para os trabalhos sujos, enquanto podemos manter-nos impolutos."
frase de Varo Borja, personagem de O Clube Dumas de Arturo Pérez-Reverte

domingo, 17 de maio de 2020

Tome a vida nas suas mãos e o que acontece? Uma coisa terrível: ninguém para culpar.

Erica Jong, escritora americana
Ao som de Tchaikovsky lá avança a sopa para o jantar...

terça-feira, 12 de maio de 2020

Atenção ao que estás atento

"A que entregas a tua atenção quando falas e quando actuas?
Onde pões a tua atenção pões o teu poder, a tua força geradora de criações."

Extracto de uma fala de um Mestre num conto zen

segunda-feira, 11 de maio de 2020

Partilhar silêncios

O silêncio é um lugar essencial de comunicação entre amantes ou entre amigos. Poder calar-se conjuntamente é um grande sinal de cumplicidade.

David Le Breton citado por Alberto Filipe Araújo no artigo Do Silêncio como via longa. Contribuições para uma Pedagogia do Silêncio

Mistagogia

Iniciação aos mistérios de uma religião.

Priberam, consultado hoje, no âmbito da leitura do artigo Do Silêncio como Via Longa. Contribuição para uma Pedagogia do Silêncio, de Alberto Filipe Araújo, inserido na Revista Lusófona de Educação, nº 46.

domingo, 10 de maio de 2020

A Culpa não existe!

"- Eu errei. Eu afastei-me do caminho. Perdoa-me Mestre!
- A culpa não existe. Por isso não precisas do meu perdão."

Extraído de Um Conto Zen

quarta-feira, 6 de maio de 2020

O que exige demasiado esforço é contrário ao Tao, ao qual muitos chamam «O Caminho».

domingo, 3 de maio de 2020

Cheiros que nos trazem memórias...quem os não tem?

Uma curiosidade interessante e importante em relação ao sentido do olfato é que ele é o único dos cinco sentidos básicos que não é mediado pelo hipotálamo. Quando cheiramos alguma coisa, a informação, por razões desconhecidas, vai diretamente para o córtex olfativo, que fica perto do hipocampo, onde se formam as memórias. Alguns neurocientistas julgam que isto pode explicar por que motivo certos odores evocam memórias de forma tão intensa.

Bryson, Bill, O Corpo: Um guia para ocupantes, p. 118 

sexta-feira, 1 de maio de 2020

Será que os arco íris dos outros animais têm mais cores?

Os nossos olhos contêm dois tipos de fotorrecetores para a visão - os bastonetes, que nos ajudam a ver em condições de semiobscuridade mas não fornecem cor, e os cones, que trabalham quando a luz é forte e dividem o mundo em três cores: azul, verde e vermelho. (...) Uma vez que, em tempos, fomos criaturas noturnas, os nossos antepassados prescindiram de alguma acuidade de cor - ou seja, sacrificaram cones em troca de bastonetes -, de modo a terem uma melhor visão noturna. Muito mais tarde, os primatas desenvolveram novamente a capacidade de ver vermelhos e laranjas, para conseguirem identificar a fruta madura, mas continuamos a ter apenas três tipos de recetores de cor, em comparação com os pássaros, peixes e répteis, que têm quatro. Dá que pensar que praticamente todas as criaturas não-mamíferas vivam num mundo mais rico, em termos visuais, do que nós. 

Bryson, Bill, O Corpo: Um guia para ocupantes, pp. 109-110 

quinta-feira, 30 de abril de 2020

O Homem pensa porque tem mãos

Anaxágoras, filósofo grego (c. 500 a.C.- c. 428 a.C.)

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Das muitas coisas que venho vendo, lendo e ouvindo - como todos nós neste tempo de confinamento - ficou-me a martelar na cabeça uma grande questão que alguém colocou. Era mais ou menos assim: Porque é que as pessoas (a maioria das pessoas) tem tanto medo de morrer se a maioria não gosta da vida que tem, não vive, só existe ou nunca reflectiu ou encontrou um sentido para a vida?

domingo, 26 de abril de 2020

Com um beijinho a dor passa

Lembram-se? As mães diziam estas coisas. E nós pensávamos que era só amor. Mas, se calhar, não era:
"Recentemente,  descobriu-se que a saliva contém também um forte analgésico chamado opiorfina. É seis vezes mais potente que a morfina, embora o tenhamos em doses muito pequenas, motivo pelo qual não andamos sempre pedrados nem escapamos à dor quando mordemos o interior da bochecha ou queimamos a língua."  in Bryson, Bill, O Corpo: Um guia para ocupantes, p.129.

sábado, 25 de abril de 2020

E se as coisas fossem o contrário do que são? Ou do que parecem ser...
E se tudo o que sabemos não fosse real?

sexta-feira, 24 de abril de 2020

Um dos grandes dilemas da nossa vida em sociedade é querermos ser inovadores e aceites pelos outros.

O génio de Darwin

"Em 1872, treze anos depois de publicar The Origin of Species, Darwin apresentou outra obra de referência, The Expression of the Emotions in Man and Animals, que analisava as expressões de uma forma razoável e sem preconceitos. O livro foi revolucionário, não só por ser sensato, mas por observar que certas expressões pareciam ser comuns a todos os povos. Era uma afirmação muito mais ousada do que nos pode parecer hoje, porque sublinhava a convicção de Darwin de que todas as pessoas, independentemente da raça, partilhavam uma herança comum, o que era um pensamento muito revolucionário em 1872."
Bryson, Bill, O Corpo: um guia para ocupantes, (p. 102)


sexta-feira, 17 de abril de 2020

Geomancia

Hoje aprendi, de facto, uma palavra nova. Estava num livro de carácter místico que estou a ler. De início pensei que seria a interpretação dos sinais da terra e não estava muito longe. Segundo o Priberam é então um substantivo feminino que significa a adivinhação por meio de figuras traçadas no solo. Assim, sem mais. Achei pouco. E é na wikipédia que encontro que a origem da palavra é grega, que a arte da geomancia se praticava com muita frequência em África e na Europa até ao final da Idade Média tendo sido proibido no Renascimento e que esta arte divinatória se refere aos desenhor formados por punhados de terra ou pedras atirados sobre uma superfície (um pouco como lançar os búzios) ou à interpretação de formações naturais, geológicas.
Em blogues, sobretudo brasileiros, há desenvolvimentos bem mais apurados, fazendo a ligação desta arte divinatória com a astrologia, falando de 12 figuras geomânticas e situando historicamente a origem desta arte no mundo islâmico, que a terá passado à Europa, que a terá levado para a América através do tráfico negreiro e - eu bem sabia! - está presente em práticas como o brasileiro candomblé.
http://acaminhodacasa.blogspot.com/2015/03/geomancia.html Nesta fonte relaciona esta arte com textos de Carl Jung e com sociedades secretas, mas confesso que não tive o interesse necessário para me debruçar a sério sobre o assunto.
Aqui fica, pois, a descoberta e as fontes para quem mais quiser saber.

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Hoje não me apetece escrever, raciocinar. Hoje só estou. E estou muito bem.

terça-feira, 14 de abril de 2020

Saturação

Saciedade; acto ou efeito de saturar

Saturar: Saciar; Encher; Fartar

JÁ CHEGA!

segunda-feira, 13 de abril de 2020

Ignaz Semmelweis (1/7/1818-13/8/1865)


"Quando revejo o passado, só posso dissipar a tristeza que me invade imaginando o futuro feliz em que a infecção será banida...A convicção de que esse momento deve chegar inevitavelmente mais cedo ou mais tarde alegrará o momento de minha morte."

Este médico, reconhecido hoje como pioneiro dos cuidados de higiene, foi ridicularizado pelos seus pares, caiu em desgraça e acabou por morrer num manicómio, com apenas 47 anos, por insistir em que lavar as mãos antes de tratar os doentes podia salvar vidas.
Não será só a mim que isto parece irónico agora, pois não?

domingo, 12 de abril de 2020

Páscoa antes da Páscoa

A palavra Páscoa é anterior ao Cristianismo e por isso àquilo que, normalmente, nos habituamos a  celebrar na Páscoa.
Segundo o dicionário a palavra tem origem no hebraico "Pesach" e no latim "Pascha".
A Pesach é uma celebração judaica que evoca a saída do povo hebreu do Egipto. É celebrada no 14º dia da lua de Março; logo, uma festa móvel.
A Páscoa é a celebração cristã que assinala a ressurreição de Cristo. Ocorre no primeiro domingo depois da lua cheia que marca o equinócio da Primavera. Esta decisão e a fixação do calendário litúrgico provêm do Concílio de Niceia, no ano 325, adaptada depois na adopção do calendário gregoriano em 1582.
A palavra anglosaxónica "Easter" parece ter origem nos cultos pagãos que assinalavam o início da Primavera e da renovação da Natureza, cultos esses dedicados pelos povos germânicos à deusa da fertilidade Eostre ou Ishtar.
Em qualquer dos casos é sempre o assinalar de um momento dramático de abandono e renovação, de recomeço, de balanços, de transformação.
Na escola, as avaliações da Páscoa são também a época do balanço e a última oportunidade para mudar comportamentos.
A Páscoa é então, em diferentes filiações, sempre, uma oportunidade.
De que forma é aproveitada, é uma coisa nossa, de cada um de nós.
Esta Páscoa será para muitos (e é o meu caso) uma Páscoa muito diferente: uma Páscoa em isolamento. Uma oportunidade acrescida de reflexão sobre o momento.
Para mim, mais que para todos os outros, assinala o dia em que nasci. Não necessariamente a data, pois, sendo uma celebração móvel, raramente voltou a fixar-se na mesma data, mas tem sempre o sabor de celebração pessoal e gosto de pensar que também de uma mudança muito particular (uma oportunidade?) na minha família.
Um dia, há vários anos, uma anciã soube que eu tinha nascido num domingo de Páscoa. Olhou-me fundo nos olhos e disse "Que lindo dia para nascer." Disse-o de uma forma suave, mas profunda, acentuando um sentido espiritual para o facto. Desde então sinto-me ainda mais especial!

domingo, 5 de abril de 2020

Âmbar

Desde o filme Parque Jurássico que o âmbar me fascina. Confesso que já gostava da palavra, mas não sabia bem o que ela representava. No filme, o âmbar é uma pedra que encima a bengala do capitalista dono do parque e é nessa gema que se guarda o DNA do dinossauro, salvo erro, num mosquito fossilizado.
Creio que na altura em que vi o filme fui ver de onde vinha o âmbar e fiquei estupefacta com aquilo que encontrei, pois o âmbar era afinal, uma substância animal, que provinha de um qualquer sítio anatómico das baleias.

Ontem comecei a ler um livro novo: Amazónia, de James Rollins e numa das páginas que li surgiu, já não sei a propósito de quê, uma referência a âmbar. E foi assim que eu decidi que âmbar seria a palavra de hoje.

Lá vou eu à procura do que é, de facto, o âmbar, mas desta vez aventurei-me em páginas explicativas sobre a substância e não só no Dicionário. E encontro que é uma resina fossilizada, o que me parece bem mais de acordo com o contexto da floresta amazónica. Mas...eu tinha a certeza de uma relação com as baleias. E há, de facto. Mas é um outro tipo de âmbar: o âmbar cinzento, uma substância animal, proveniente dos cachalotes, usada já muito raramente (devido às leis de protecção dos cachalotes como espécie em perigo de extinção) sobretudo na perfumaria ou ainda no Oriente como especiaria. Esta substância esteve associada a rituais cerimoniais na Antiguidade e, actualmente, ainda é acreditada como afrodisíaco.
O âmbar que eu procurava é então uma resina produzida por árvores muito antigas que sofreu processos de fossilização de milhares de anos e que frequentemente encerra no seu interior seres vivos contemporâneos, o que se tem revelado muito útil para o estudo de formas de vida primitivas. Este âmbar provém sobretudo da região do Mar Báltico e é usado em decoração e joalharia,. atingindo preços muito altos e sendo alvo de muitas falsificações (como, por exemplo, introdução de falsos insectos no seu interior) ou seja, os insectos não são falsos, a sua localização no âmbar é que o é.
As fontes para estes dados foram sobretudo estas:
http://naturlink.pt/article.aspx?menuid=7&cid=92676&bl=1&viewall=true.
https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%82mbar_cinza

Como as pesquisas são piores que as conversas e as cerejas, encontro referências a que a mais espectacular utilização maciça de âmbar foi um quarto de Frederico I, Imperador da Prússia, no início do séc. XVIII.
Este quarto foi depois oferecido (fantástico, não é?) ao Czar russo Pedro I, mudado várias vezes de lugar e desaparecido do Palácio de Catarina, em S. Petersburgo, durante a ocupação alemã da 2ª guerra mundial.
Se para história fantástica já lhe bastava, o quarto foi reconstituído e inaugurado ao público, na Rússia, em 2003, mas ainda decorrem pesquisas sobre hipóteses de esconderijos do verdadeiro Quarto ou Câmara de Âmbar, considerada em tempos a 8ª Maravilha do Mundo.

Mais referências a este assunto em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2mara_de_%C3%82mbar
https://estoriasdahistoria12.blogspot.com/2012/07/o-misterioso-roubo-da-sala-de-ambar.html?spref=fb&fbclid=IwAR3BUmFHRR-WbF-31y30Uwd_eCIc6Dmw65w17bgVlsesIapLy4fPmFpeQYY

sábado, 4 de abril de 2020

Preceito

Hoje estive a passar a ferro.
Com esmero e a lembrar-me das palavras da minha mãe e da minha avó a propósito daquela actividade: cada peça tem o seu preceito. Todas as coisas na casa têm o seu preceito.
Outra coisa em que era empregue o conceito de preceito era no bordado: embora pudesse estar muito bonito pela frente era no avesso que se via se a bordadeira fazia as coisas com preceito.
Por vezes a palavra era dita no plural. Por isso posso dizer que hoje foi um dia "com todos os preceitos".

quinta-feira, 2 de abril de 2020

Infausto

Terminei o 3º volume das Histórias das Mil e Uma Noites.
Achei este volume um pouco aborrecido. A última história era uma desgraceira de fazer chorar as pedrinhas da calçada e looonnngaaa.
Mas enfim, sobretudo quando um livro tem continuação, eu sou uma leitora estóica, disciplinada, acreditando que melhores páginas virão.
Concentrei-me assim em pormenores, à medida que avançava sobre as páginas de uma história desinteressante. Aí acabei por concentrar-me na vincada ideia de desigualdade que passa em todas as histórias que fizeram parte deste manancial de narrativas. Pelo menos até esta altura da minha leitura: a obra completa está, nesta edição do jornal Expresso, dividida em 8 pequenos volumes. Todos os personagens são escalonados conforme a sua dignidade (dignidade atribuída por nascimento ou pela preferência de alguém muito importante) e mesmo os escravos são diferentes entre si devido ao lugar de preferência que ocupam para com o seu amo ou ama. Aliás esta palavra "amo", no sentido de senhor, também sempre me soa a histórias do maravilhoso, como o Gato das Botas: o meu amo, o Marquês de Carabás!
Já quase no fim da narrativa impõe-se-me esta palavra: infausto. Muito bem aplicada devido ao destino infelicíssimo dos dois amantes e de muitos dos que com eles privavam, esta palavra soou-me a novidade. Rebusquei na memória. Não. Nunca tinha visto esta palavra. Fausto, sim. Como descritivo de ambientes fantásticos, como título de obra e como nome próprio. Mas nunca me tinha ocorrido que existiria a sua negação.
Lá fui ao palavrório de serviço e os sinónimos são: não fausto, infeliz, funesto.
Funesto, sim, descreveria bem todo o destino dos amantes. Seria o que eu escolheria do léxico que possuía. E também para descrever todo aquele ambiente social de hierarquias, medos e crenças de uma dignidade maior atribuída aos bem nascidos, que se conhece mesmo quando a tentam disfarçar. É de facto a negação do mundo que conheço e advogo: cada ser se distingue por aquilo que constrói a partir das suas condições específicas. Mas - acredito eu - nascemos todos iguais. Na minha opinião (que muito tenho discutido com alguns que advogam a monarquia como sistema político) ninguém é mais importante que outro quando nasce.E também quero acreditar que todos somos livres. Embora aí já coloque algumas reticências por aquilo que vou vendo e conhecendo. Muitos não somos livres: pelo contexto socioeconómico e pelas amarras que outros nos constroem por vezes, demasiadas vezes. Quero no entanto acreditar que, potencialmente, todos somos livres, ou seja acredito que todos carregamos em nós a possibilidade da acção rumo à liberdade. [Isto não me saiu muito bem: tenho de trabalhar melhor esta ideia].
Reparo agora que também o computador não reconhece a palavra infausto. Já aprendemos ambos hoje qualquer coisa.

terça-feira, 31 de março de 2020

Tudo o que é novo precisa de ajustamento.
Cada vez mais me convenço que sou muito lenta...mas chego lá!

segunda-feira, 30 de março de 2020

domingo, 29 de março de 2020

E sendo eu de madeira de carvalho, talvez tenha encontrado aqui muitas respostas sobre a construção de mobiliário

Os meus pensamentos viraram-se para algo que em tempos li, algo em que os budistas Zen acreditam. Dizem que um carvalho é criado por duas forças em simultâneo. Obviamente, há a bolota em que tudo começa, a semente que contém toda a promessa e potencial, que se transforma em árvore. Toda a gente pode ver isso. Mas só alguns reconhecem que há outra força que aí opera - a futura árvore em si, que quer tanto existir que traz a bolota à existência, fazendo com que a planta saia do vácuo, guiando a evolução do nada à maturidade. Neste aspecto, dizem os Zen, é o carvalho que cria a própria bolota de onde nasceu.

Gilbert, Elizabeth, Comer, Orar, Amar, p. 369

sábado, 28 de março de 2020

Felicidade

Estou sempre a lembrar-me de um dos ensinamentos da minha guru sobre a felicidade. Ela diz que as pessoas tendem a pensar que a felicidade é um golpe de sorte, algo que talvez desça sobre nós como o bom tempo se formos suficientemente afortunados. Mas não é assim que a felicidade funciona. A felicidade é a consequência do esforço pessoal. Lutamos por ela, procuramo-la arduamente, insistimos nela e às vezes até viajamos pelo mundo fora à sua procura. Temos de participar infatigavelmente nas manifestações das nossas próprias bênçãos. E quando atingimos um estado de felicidade , nunca devemos descurar a sua manutenção, temos de fazer um esforço supremo para continuar a nadas eternamente na sua direcção, para ficarmos a flutuar sobre ela. Se não o fizermos, o nosso contentamento inato ir-se-á esvaindo. É fácil rezar quando estamos aflitos, mas continuar a rezar mesmo depois da crise ter passado é como um processo de confirmação que ajuda a nossa alma a agarrar-se firmemente aos seus feitos.
(...) continuo a recordar uma ideia simples que o meu amigo Darcey uma vez me transmitiu: que toda a dor e problemas deste mundo são provocados por pessoas infelizes. Não só a nível global, num cenário tipo Hitler e Estaline, mas também a nível pessoal. Até mesmo na minha vida, consigo ver exactamente os pontos em que os meus episódios de infelicidade trouxeram sofrimento ou angústia ou (no mínimo) inconveniência àqueles que me rodeiam. Portanto, a busca do contentamento não é apenas um acto de preservação pessoal que beneficia quem o pratica, mas também uma generosa dádiva para o mundo. Eliminar toda a nossa infelicidade faz com que não nos atravessemos no nosso caminho. Deixamos de ser um obstáculo, não só para nós próprios como para os outros. Só nessa altura somos livres para servir e desfrutar da companhia das outras pessoas.

Gilbert, Elisabeth, Comer, Orar,Amar, pp. 292-293


sexta-feira, 27 de março de 2020

Lágrimas de compreensão

Agora choro muitas vezes.
Não são lágrimas de aflição nem de tristeza. São lágrimas de compaixão, lágrimas de compreensão...Haverá lágrimas de compreensão?
Acho que sim. Já várias vezes as chorei quando percebo algo que me incomodava, algo que eu guardava cá dentro sem conhecer, sem compreender. E quando esse momento chega, abrem-se as comportas destas lágrimas, lágrimas de compreensão.
Agora, não sei bem de que é: toda esta situação, as manifestações de solidariedade e amizade de tanta gente; os exemplos de gente boa.
Ultimamente (mas isto já vem de alguns meses) dispara muito mais o meu lagrimódromo a bondade que a maldade. Quando fui à casa de Ann Frank em Novembro passado, desmanchei-me a chorar com os depoimentos dos que ajudaram as famílias; quando vi a lista de Schindler, aguentei-me estoicamente atá quase ao fim quando ele se fustiga por não ter ajudado mais pessoas. Há algo que me comove numa culpa que carregam algumas pessoas de não fazer o suficiente, de não serem boas o bastante, de não conseguirem salvar o mundo...Deve ser o que sente um médico quando não consegue salvar um doente, apesar de ter conseguido curar cem. E não estou a falar do caso de agora...


quarta-feira, 25 de março de 2020

Solitário Colectivo

Hoje achei que eu e a casa precisávamos de voltar ao normal, ou melhor, de criar um novo normal. Como sempre apregoo aos meus alunos nada nasce do nada e por isso tentei imitar de alguma maneira os ritmos e estilos meus e da casa. Isto porque hoje seria dia de a casa ser limpa: aquele que eu costumava definir como o dia mais feliz da minha semana, quando eu começava o dia com a alegria e atenção da minha amiga que me limpa a casa, depois saía e, quando voltava a casa estava limpa. Era um momento de felicidade ímpar!
Claro que a semana passada a casa ficou por limpar. Esperançada, eu, numa rápida normalidade, assegurei apenas com esmero o asseio da cozinha: divisão da casa que já frequentei mais estes dias do que nos mais de seis anos que habito este apartamento.
Ontem a minha amiga ligou: "Acho que ainda não vou esta semana...
- Claro que não vem. Nem nesta nem nas próximas. Mantenha-se em segurança, por favor, que eu tenho mãozinhas, bracinhos e perninhas (só me falta mesmo a vontade) e cá me arranjarei."
De boas intenções está o inferno cheio, diz o povo e com razão. As intenções não doem nada e formulam-se rapida e sinceramente. Ao adormecer sabia qual o mapa de tarefas do meu dia. À hora de almoço (que já decidira o que seria) a casa estaria a brilhar. Pelo menos o chão e bancadas. Decidi que, para que o esforço não fosse muito grande, limpar o pó e lavar as janelas seria para outro momento.
E a manhã começou bonita...Seria um desperdício não tomar o pequeno almoço na varanda e prolongar um pouco a bica com um novo capítulo do interessante livro que tenho frequentado ultimamente.  Depois era impreterível que começasse dois jogos de scrabble online, função garantida por ontem ter ganho os últimos jogos do dia aos meus dois adversários mais constantes. E até podia deixar para depois o círculo da palavra diária que a aplicação me oferece, mas este era tão fácil que o resolvi de uma vez.
Como de manhã se está fresco, tinha decidido antes das limpezas (já percebi porque o dizemos sempre no plural: uma carga de trabalhos tão grande nunca poderia ser singular) fazer uma revisão de um texto de um amigo que precisava cumprir um prazo. "Oh Diabo! O computador não me permite o acesso aos programas, tem uma qualquer necessidade de permissão que não sei resolver...não faz mal: escrevo tudo num papel e depois, num instante, lhe faço as minhas sugestões."
Ai afinal isto não é tão simples assim: "na segunda linha do 3º parágrafo da primeira folha...creio que ficaria bem uma vírgula...não, essa não está no 3º parágrafo...vamos, calma..."
E o telefone chora com uma mensagem de uma amiga que perdeu uma idosa da família com este monstro do vírus. Espera! Não posso ignorar. Estamos isolados mas não sozinhos: Como estás? Como foi? Vai haver funeral?...
Tudo se torna tão denso sem um ombro para chorar, uns braços para conter em simultâneo a dor e o conforto...
Bem, vamos lá: "Mas como raio é que já é meio dia?" Aspira, passa detergente, o espelho, a sanita; que lindo é o soalho do meu quarto, mas não me recordava que era tão grande!
Toca o telefone: "Sim, já sei, mas só me responde por mensagem escrita, deve estar a sofrer muito...temos de estar cá (cada um em seu sítio) para ela. Olha tenho de ir continuar a limpeza da manhã.(...) O quê? Como já é de tarde? Quero lá saber...se ainda não almocei e estou nas tarefas da manhã, ainda não é de tarde. Vou continuar."
A sala. Bolas! Isto é mesmo um salão. As gatas quando se apanham em molhos de pelo pelo chão não têm assim tanto encanto...Recuo, recuo, pelo corredor, até terminar na casa de banho que já deve estar seca. Bem...não completamente, mas dá para tomar um banho.
Estou cheia de fome. Não vou aguentar fazer nada para almoçar. Há a sopa do jantar: invertem-se os papeis. Pronto. Sopa e tostas com queijo fresco. Assim no tabuleiro, tudo composto, parece até gourmet.
Como é que o chão da sala ainda não secou? Não posso ir para lá. Está a dar o sol no escritório. Passo pela varanda e aterro neste paraíso da tarde, na hora em que alguns já se levantam da sesta.
Estou moída e frustrada. Como é que a senhora faz muito mais do que isto duas vezes ao dia e tem um ar tão prático e bem disposto?
Olha o telefone a tocar. Mas o corredor ainda está molhado...paciência. Fico aqui a escrever. Não deve ser nada urgente. Afinal estou em isolamento social, o que é que alguém pode querer de mim?
Credo! Estou tão cansada! Como é que os que estão em teletrabalho conseguem trabalhar e fazer tudo o que dantes (na nossa vida normal ) era tarefa de outros: tomar conta das crianças, limpar, arrumar, fazer compras, arranjar o cabelo, as sobrancelhas, passar a roupa a ferro, passear o cão?
Eu acho que vai haver muita gente esgotada não tarda nada!


terça-feira, 24 de março de 2020

Quarentena

Deveria ser fácil trabalhar em casa.
Deveria ser ainda mais fácil para uma pessoa que tinha decidido este ano afastar-se do trabalho...
Mas não das ruas, dos jardins, do mar, das esplanadas, das pessoas.
Desde que tudo isto começou (ou desde que eu me apercebi de que tudo isto começou) tem sido um desassossego: os amigos querem fazer-se presentes; estabeleceram-se vários grupos de partilha; há sempre algo para ler (para rir ou para chorar, mas, essencialmente para dizer que não estamos isolados, embora recatados em casa); sujo muito mais coisas e tenho de ser eu a limpar; distraio-me com uma mosca, porque agora - oficialmente - não tenho nada para fazer.
Tem sido uma perfeita loucura e inversão do tempo de recolhimento que devíamos estar a viver.
Hoje parece ter sido um pouco melhor: Vitamina D pela manhã, na varanda ensolarada, enquanto comia um excelente bolo de maçã, fruto da solidariedade de uma vizinha; muita escrita, reflexiva mesmo, leituras, telefonemas e, aproveitando a hora morninha da sesta - que eu não faço, mas também não faço nada naquela hora - fiz-me entregadora de solidariedade e vá de levar o meu microondas de sobra a uma amiga que ficou sem o seu, transportar laranjas da casa dessa para a casa de outra e "namorar de gargarejo" com uns amigos à porta de quem passava nestas lides. Todas as precauções foram tomadas: as coisas são deixadas à porta ou no interior de carros para que nada nos aproxime fisicamente e o isolamento social continue. Hoje tornei-me útil, com um pouco mais de fé ou uma firmeza maior na minha fé: em Deus, no Universo, na Humanidade e em mim.
Vamos todos ficar bem!

quinta-feira, 19 de março de 2020

Demanda

Demanda vai muito bem com esta busca de autoconhecimento que eu planeei tão bem para este ano, com o seu ponto alto de estadia na China e que desmoronou toda com a actual situação internacional.

Demanda: busca, pesquisa, acção, pergunta, processo judicial, debate, empresa...

Tudo isto são significados retirados do Priberam.

Vem-me ao espírito a expressão francesa "Quête", mas não consigo, nestas geringonças electrónicas, encontrar uma tradução que me satisfaça. Mas é isso. Une quête, uma busca, uma demanda...todo um processo com laivos épicos medievais, que nada há de mais difícil que questionar-mo-nos a nós próprios, que procurar os nossos propósitos, que pesquisar dentro de nós, qual descida a poço iniciático ou mergulho no desconhecido.

Sinto que tenho de tirar partido de tudo o que está a acontecer. Sinto que o facto de não acontecer pode ser muito mais esclarecedor, didáctico, iluminador, do que se tudo se tivesse passado como eu planeei.

Mas como? Qual é o caminho? Que sinais devo seguir? ou antes, que sinais devo ver? Como divisar o que realmente importa?

Por vezes é um desespero: porque eu sei, eu sinto, eu sei mesmo sem saber que é muito, muito importante, mas o quê?

De repente parece que os poetas já terão sentido tudo isto, porque o que sinto é mais poesia que filosofia...mas, como ? se eu nem sei o que sinto, como sinto, porque sinto...

Sinto-me um cão a perseguir a cauda, com o desespero de que, estando ela mesmo ali, lhe foge constantemente; de que, fazendo ela parte dele, se lhe apresenta como exterior e troça dele, como se aquela exigência - apanhar a sua própria cauda - se lhe tornasse inacessível , o tornasse vulnerável perante uma parte de si mesmo...

Como prossigo a minha demanda, se ainda nem defini bem em que consiste a minha demanda?

O monge disse a Liz: Lembra-te do que diz a nossa guru: sê cientista da tua própria experiência espiritual. Não estás aqui como turista ou jornalista, estás aqui em demanda. Portanto, explora a situação. Gilbert, Elizabeth, Comer, Orar, Amar, p. 188

Dia do Pai

Não estive na escola o tempo suficiente para celebrar o dia do pai; ou, corrigindo, o meu pai não esteve na Terra o suficiente para eu celebrar na escola o Dia do Pai.

Em casa, naturalmente

Ontem, em completo isolamento social (só eu e o meu carro) saí por aí. Parei numa beira mar e fiz uma caminhada ininterrupta de uma hora e meia.
Qual Marquês de Carabás fazendo uma vistoria às suas propriedades, olhei campos e mares, árvores e habitações. Ouviam-se os pássaros com uma intensidade como pouca vezes ouvi. Ao longe via-se uma ou outra pessoa...a trabalhar ou a passear, mas isoladas. Os pouquíssimos que se cruzaram comigo afastaram-se prudentemente. Em alguns vi sorrisos e trocámos "Boas tardes", mas a maior parte parecia assustada e ensimesmada.
O que eu sentia - e que é um disparate se assim for - é que as pessoas me olhavam como se eu não tivesse o direito de estar ali...onde elas também estavam. Ou talvez isto seja só da minha cabeça, que me desaconselhou várias vezes de ir.
O passeio soube-me muito bem e depois recolhi-me a casa, com algumas fotos de flores e uma musicalidade tão natural na minha cabeça que (quase) me limpou o medo. Que o tenho, confesso. Sobretudo o medo de contrair e contagiar outras pessoas. E medo que as pessoas fiquem más e distantes depois disto, embora os meus amigos facebookianos me enviem evidências do contrário.
Ontem despedi-me dos passeios e da liberdade.
Claro que eu sou uma privilegiada, porque vivo num prédio pequenino e calmo, com varanda e um jardim público ao alcance da vista. Então a paisagem é calmante (e existe, porque para muitos é a parede do prédio fronteiro) e tudo isto se passará em bem. Espero que o pequeno supermercado do centro continue a funcionar, porque dá para ir a pé e evitar os grandes, as filas e os exageros. A farmácia, caso seja necessária, também fica a passos de distância. Já gostava muito de morar aqui, mas agora ainda me congratulo mais, por ter tudo o que verdadeiramente necessito a poucos passos de distância. A tabacaria e o café, que tanto estimo, também estão perto, mas agora não posso frequentá-los, Descobri que afinal o Nescafé também me preenche as necessidades de cafeína diária (que também consegui diminuir) e na arca congeladora descubro salame e bolo rei que estavam embrulhadinhos desde o Natal.
E pronto. É isto. Tudo pronto para a quarentena. E esperemos que para a necessária reflexão sobre a vida que levamos.

terça-feira, 17 de março de 2020

segunda-feira, 16 de março de 2020

A Quarentena e a descoberta de novas palavras

Guqin - é um instrumento da China, uma espécie de harpa vertical.
O que é certo é que neste tempo de isolamento social quase não tenho tempo para sossegar, em casa, com todas as mensagens que recebo: umas para informar, outras para tranquilizar, outras para sugerir coisas para fazer em casa.
Confesso que só me apercebi da gravidade da situação na 5ª feira, quando me foi cancelada uma aula que tinha em Barcelona, para a qual já tinha tudo tratado (hotel, avião) para o fim de semana seguinte.
As pessoas com quem ia ter a aula são as que reputo de mais anti-alarmistas que existem. Se eles cancelaram a aula, a confiança que tenho neles fez disparar em mim todos os alarmes.
Primeiro fiquei chocada e quase prostrada, na própria 5ª feira. Na sexta feira fiz umas compras que se impunham e cumpri algumas tarefas que não implicavam interacção com ninguém e comecei a ver alguns noticiários.
Sábado quedei-me completamente isolada em casa (felizmente tenho animais de companhia e nada mais que isso, porque um isolamento com outras pessoas dado o meu feitiozinho seria muito penoso para todos) e comecei a ler as informações enviadas pelo grupo de pessoas que reputo de anti-alarmistas.
Foi muito tempo, porque eram muitas informações. Aqueceram muito o meu coração, pois a ternura, carinho, entreajuda e preocupação genuína com os outros que ressaltavam daquela saraivada de mails era muito forte.
Entre esses muitos mails estava um video de música chinesa que poderia ser utilizado para meditação. Que se intitulava: The Sound of Nature - Tradicional Chinese Guqin Music. Música que me agradou muito e fui ver o que era Guqin. Embora seja uma palavra não encontrada no nosso Priberam, pois é uma palavra estrangeira sem tradução (a própria grafia não respeita as regras da nossa língua) acabei por descobrir de onde vinha um som que muito me agrada nas músicas de taichi, que por vezes me parece uma guitarra, outras vezes uma harpa...que não conseguia nunca identificar mas que me agradava, muito mesmo.
Assim descobri o Guqin e as suas músicas preencheram toda a minha tarde de ontem.
Aqui deixo um desses videos onde se vê muito bem o instrumento e a técnica para que ele produza som. Fiquei até com vontade de aprender.
Talvez na minha ida à China...que eu acredito que irá acontecer depois de tudo isto passar.
Espero que gostem:







quarta-feira, 11 de março de 2020

Cacofonias do destino

Estar de quarentena na quaresma.

terça-feira, 10 de março de 2020

Para mim, naquela altura, Escolaridade e Idade Escolar eram sinónimos


O primeiro dia de escola - 7/10/1972


A pasta foi trazida de Espanha por uma tia de que ninguém gostava, mas que sempre me foi muito querida e o dossier (assim escrito, porque era uma palavra estrangeira) foi comprado pelo pai que só me pôde levar à escola durante o 1º Período.

segunda-feira, 9 de março de 2020

Entre as brumas de memórias

O que custa nisto de arrumar, etiquetar, descartar, doar ou destruir, é que estamos sempre a lidar com o que foram as expectativas de alguém. Por vezes mesmo de nós próprios quando éramos outros.
Como me encontrei adolescente nos cadernos do John Travolta (eu já não sou essa rapariga...) ou bébé no fato de baptizado (o que terão os meus pais e padrinhos desejado para mim naquele dia), ou mocinha que pediu à avó uma renda de lençol que ela nunca chegou a acabar... Os cadernos da escola, as memórias da 1ª viagem, os postais de amigos que já nem consigo identificar pela letra ou pelo contexto.
Tanta coisa que já não faz sentido.
Tão doloroso tomar decisões!
Tão precioso poder dispor deste tempo longo para o fazer, sem pressas, ao sabor de uma energia rala e flutuante, do tem que ser, do vai ser hoje, do hoje é impossível...
Tanto de nós que fica nas coisas, tantas memórias...tanta traição aos que nos precederam por não compreender o sentido de certas coisas...talvez agora já não tenham sentido e não haja qualquer traição, só o evoluir dos tempos, o crescer, o ultrapassar...
É tudo tão difícil!

domingo, 8 de março de 2020

Domingo

A casa, hoje de manhã, cheira a gengibre, limão e roupa lavada. Pela janela aberta para entrar o sol, ouvem-se os cantos dos pássaros a celebrar a novel Primavera.
É domingo, por direito.

Diz o Priberam que a palavra domingo deriva do latim "dominicus", dia do Senhor. Curiosamente este domingo, hoje, é Dia das Senhoras.

sábado, 7 de março de 2020

Busca

Por definição é o ato de quem procura.
...
E então mergulhei!

quinta-feira, 5 de março de 2020

Carrossel

Sobre a palavra que escolhi hoje tinha um erro de grafia: cuidava eu que se escrevi com ou - carroussel. Depois percebi que estava a fazer confusão com a palavra francesa que terá dado origem à portuguesa.
Apeteceu-me escolher esta palavra porque ontem terminei de ver na televisão uma série francesa onde o carrossel era o ponto de encontro de gentes e de memórias. Mas era mesmo um carroussel francês, daqueles em que os cavalos (que ali serão corcéis) são atravessados pelo varão que os prende em cima e em baixo, em que a cobertura tem um rendilhado e em que o ondular que tudo aquilo descreve tem uma sonoridade de Paris nos anos 20.
Depois lembrei-me que o carrossel também está ligado à minha história porque a primeira fotografia a cores em que figuro foi tirada pelo meu pai a duas das suas filhas num colorido carrossel. Olhando agora para ela tem aquelas cores desmaiadas do início dos anos 70 que não fazem jus à garridice do local de entretenimento, mas sempre sorrio ao vê-la. E penso que é uma boa opção para nos iniciarmos nas imagens a cores: um carrossel, uma tarde de diversão, uma feira, uma festa, um colorido dia em família. De boas memórias...

quarta-feira, 4 de março de 2020

Contingência

Facto possível, mas incerto; Possibilidade.

Priberam, em linha, consultado agora mesmo.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Inefável

Deparo-me com esta palavra num livro que estou a ler e imediatamente me chama a atenção. Provavelmente isto acontece por duas razões: porque não sei bem o que significa e porque me lembra alguém muito gordo, apertado dentro de um fato completo demasiado estreito, a suar e a limpar a testa grande com um branco lenço de pano. Esta imagem só pode ser queirosiana. Não sei a que personagem se refere, mas tem todo o ar...talvez do Conselheiro Acácio...não sei bem, mas é uma personagem da Lisboa oitocentista, da crítica mordaz do Eça.
Divertida com a associação (mais uma das que me faz acreditar que a leitura nos cria memórias de coisas que não vivemos realmente) vou ao Dicionário esclarecer o real significado:

1. Que não se pode exprimir por palavras (ex: prazer inefável) = Indescritível, Indizível
2. (Figurativo) Encantador, delicioso, inebriante (ex: perfume inefável)

Priberam (em linha), consultado hoje mesmo.

A citação que me despertou para a palavra, está num texto sobre Proteínas e é a seguinte: "Tudo o que podemos dizer é que um número pequeno mas não especificado de aminoácidos unidos entre si é um péptido. Dez ou doze péptidos juntos formam um polipeptido. Quando um polipeptido começa a ficar maior do que isso, torna-se, em algum ponto inefável, uma proteína." in Bryson, Bill, O Corpo: Um guia para ocupantes, p. 289

Nada que se possa relacionar (nem remotamente) com um ambiente queirosiano!

domingo, 1 de março de 2020

Lamechas

Passamos tantos anos a fazer-nos fortes, a evitar a lamechice, (mesmo a denegri-la) e, afinal, talvez entregar-nos a ela seja verdadeiramente ser forte e lutar pela nossa felicidade.

No Priberam aprendi que existe o verbo lamechar. Vou exercer mais vezes.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Ano Bissexto

Já a manhã ia a mais de meio quando me dei conta que não estava no primeiro dia de Março, mas sim no último de Fevereiro, mês que desta feita tem mais um dia que o costume.
Claro que já passei muitos anos bissextos, mas só hoje me deu para pensar que este ano e este dia podem ter algo de especial.
Este ano é especial para mim. De calma e muitas aprendizagens.
Uma dessas aprendizagens é que, de facto, por muito que gostemos de controlar e de planear, há muitas coisas que escapam ao nosso controle e é bom que aprendamos a lidar com isso.
Vem esta reflexão a propósito de todos os preparativos que fiz para ir este ano à China, crente que tinha tudo o que precisava: vontade, dinheiro e tempo. Tornei este ano num ano excepcional por ter criado todas as condições para empreender a minha viagem à China, proporcionar uma forte experiência e vir de lá diferente. Afinal algo que me escapa completamente (e que nada tem a ver comigo) prova-me que este ano é um ano especial por muitas coisas, inclusivamente por não ir à China e por aprender a aceitar que por muito que façamos planos e tomemos providências temos que estar preparados para lidar (e aceitar) o imprevisto, o imponderável.
Talvez conseguir compreender e aceitar isso torne este ano mais especial do que se os meus planos se tivessem concretizado.
Parece que estou feliz com o vírus? Não, não estou. E claro que há uma certa tristeza e desilusão por não poder realizar o que planeei, mas há uma grande satisfação pela lição aprendida e por estar a conseguir viver este ano com calma e tranquilidade. E grata por isso.
.

domingo, 23 de fevereiro de 2020

E incrível como me torno muito activa, fazendo muitas coisas, só porque quero ter um pretexto para não fazer uma coisa.
Os subterfúgios que internamente a minha mente cria para evitar algo. E esse algo é mesmo o que me faz bem. Então porque o evito?

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Aurora

Continuando no tema da luz, da falta dela, da percepção do seu ritmo e intensidade, escolho agora a palavra aurora.
Segundo o Priberam é a "parte do dia que precede o nascer do sol", o que me deixa uma dúvida: antes do nascer do sol é dia? Ou noite? E a aurora, onde fica?
Aurora é também sinónimo de princípio, início e não só de dia. Opõe-se ao crespúsculo em diversos sentidos e traz consigo uma luminosidade que é força de arranque.
É também um nome próprio feminino. De gente com força e luz, certamente.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Tiago Nacarato | Ana Bacalhau - Só Me Apetece Dançar

Falha ou talvez não

Ontem falhei na minha determinação de escrever algo por aqui. Mas foi por uma boa causa, acreditem!

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Medo

"- Agora que já não tenho medo, compreendo que o medo foi uma constante da minha vida.
-E agora já não tens medo?
-Não.
-Perdeste o medo?
-Sim.
-Tens a certeza?
-Não.  Mas tenho quase...a certeza.
-E agora não tens medo de nada?
-Hum...tenho só de uma coisa.
-O quê?
-De voltar a ter medo.!"

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Escrevinhador

Porque é tão difícil um escritor classificar-se como tal?
Há tempos fui ouvir Jeffrey Archer na Feira do Livro que preferiu classificar-se como "um contador de histórias", reservando o título de escritor para vultos como Doistoievsky ou Joyce. Agora é um texto de Rodrigo Guedes de Carvalho (um excelente prefácio de um dos pequenos volumes das Mil e Uma Noites) que se dirige "aos colegas escrevinhadores".
Porque é tão difícil um escritor assumir-se como tal?
Porque temos deles uma imagem tão elevada que não ousaremos igualar-nos. Creio que na mente de muitos escritores há uma barreira psicológica (modéstia falsa ou verdadeira) que os impede de assumir tal título, desejando (secretamente, mesmo lá no fundo de si) que, após a sua morte, a história os imortalize como tal. Ser Escritor será assim um caminho, uma progressão, um percurso para chegar ao epíteto: Escritor! A meta almejada.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2020

Etiologia

 Parte da Medicina que estuda as causas das doenças.


"etiologia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2020, https://dicionario.priberam.org/etiologia [consultado em 12-02-2020].

Segundo o mesmo dicionário pode também ser o estudo da origem das coisas.

O que achei mesmo curioso foi que a raiz da palavra se refere a uma palavra grega 'aitia' que significava, além de causa, responsabilidade ou culpa.

Os estudos etiológicos não deixam assim de ser estudos históricos, por buscarem as origens, por pesquisarem no tempo o início de algo.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Penumbra

Apostada em voltar a escrever por aqui com regularidade criei a nova etiqueta "Palavra do Dia" para que, quando não houver um assunto, um texto, haja um pretexto de colocar aqui uma palavra que me intrigue, me agrade, me atinja de alguma maneira. Aproveito também para esclarecer significados de palavras, servindo-me sobretudo do Priberam como ferramenta online.
Cada vez mais vou acreditando que nada é por acaso e procurando os desacasos em cada coisa.
A palavra que queria colocar aqui hoje era penumbra, depois de ontem ter pensado em lusco-fusco. Cria eu que eram sinónimos. E queria escrever aqui que me agrada muito esse período do dia, em que ainda não é bem noite nem dia. Gosto do período da manhã e da tarde...sobretudo agora, que a Primavera vai dando sinais, que já é possível "deitar o nariz de fora" nessas horas e ouvir a passarada num hino a qualquer coisa de magnífico que eles sabem ver todos os dias.
Gosto mais do entardecer, daí a a primeira opção por lusco-fusco. Mas tento habituar-me agora ao amanhecer. Tento levantar-me cedo e gosto de levantar os estores e fazer as coisas com a pouca luz que deixa entrever as sombras dos objectos conhecidos...O dia vai assim chegando naturalmente, a luz vai surgindo por si própria, sem o forçar do interruptor.
À tarde gosto muito de viver o crepúsculo (que aparece como sinónimo de lusco-fusco, mas não de penumbra), de ficar no exterior ou interior da casa sem fazer nada que exija muita luz e observar os objectos a tornarem-se de novo em sombras, em volumes, em sugestões de espaços ocupados. E os pássaros lá fora chilreiam com força e ânimo, exortando a um recolher, não obrigatório mas conveniente, natural.
Estas convivências com os ritmos da luz do dia ajudam-me a estar mais perto da Natureza, assim mesmo com a letra grande que o Acordo lhe nega.
Depois, a palavra lusco-fusco não me pareceu séria, parece uma brincadeira, uma caricatura de qualquer coisa, não espelha a seriedade e a profundidade do crepúsculo, da aurora...Encontrei penumbra. Sim, penumbra parece-me bem, embora tenha uma sonoridade triste, grave, inusitadamente agourenta.
E hoje lá me sentei aqui para escrever sobre a Penumbra (o som lembra tanto Penúria que chega a arrepiar). Agora já não estou tão certa de que seja esta a palavra certa...
Mas ao ir ver o seu significado ao Priberam sorri da coincidência que também me aproxima da Penumbra e que me faz talvez valorizar ainda mais a Penumbra nesta ano especial e ainda mais hoje mesmo que faz 9 anos que obtive o título doutoral na Universidade, título esse que sonhava em multiplicar em acções no meu local de trabalho e que num misto de estupefacção e mágoa vejo ser negado sistematicamente sem qualquer justificação cabal.
Penumbra quer então dizer, entre outros significados: "Ponto de transição da luz para a sombra"; "Luz pouco intensa, própria de fases do dia como o amanhecer ou o entardecer ou de ambientes pouco iluminados"; "Ausência de reconhecimento, de celebridade (ex: viveu os últimos anos afastada do público, na penumbra)";  Igual a Anonimato, Obscuridade.  
Talvez nada seja por acaso, talvez tudo tenha um sentido para ser encontrado, associado, emparelhado. Neste dia 11 de tão boa memória!

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Eu juro...ou não

E nós a acharmos que temos a certeza daquilo que nos recordamos e eu agora a ler que muitos de nós temos memórias falsas.

"(...) estudos mostram que, às vezes, todos nós temos memórias completamente erradas até dos eventos que parecem mais nítidos na nossa memória.
(...)
Outro exemplo extraordinário de memórias imaginárias ocorreu numa experiência numa universidade não identificada no Canadá, onde sessenta estudantes voluntários foram confrontados com a acusação de que, na adolescência, tinham cometido um crime relacionado com roubo ou agressão, pelo qual tinham sido presos. Nada disto acontecera realmente, mas, após três sessões com um entrevistador amável mas manipulador, 70% dos voluntários confessaram ter cometido esses incidentes imaginários, acrescentando muitas vezes vividos pormenores incriminatórios - totalmente imaginários, mas nos quais acreditavam sinceramente.
(...)
A conclusão é que a memória não é um registo fixo e permanente, como um documento num armário de arquivo. É algo muito mais vago e mutável. Como Elisabeth Loftus disse a um entrevistador em 2013: é mais como uma página da Wikipédia. Podemos ir lá alterá-la e as outras pessoas também."

Bryson, Bill, O Corpo: Um Guia Para Ocupantes, Lisboa, Bertrand Editora, 2019, pp. 79-80

E agora? Que fazemos com as nossas memórias? Confiamos ou não nelas?
Hoje sabe-se tudo isto, mas...quantos crimes não terão sido cometidos por sentenças judiciais apoiadas em testemunhos...que são memórias?
E as pessoas que mentem? Acreditarão naquilo que dizem ter acontecido? Não serão mentirosas afinal?

E o mundo que vivia cheio de certezas e troçava dos filósofos!

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Resolução

É a palavra do dia. Espero...
A lutar com dificuldades em algumas áreas tomei hoje uma resolução, palavra que preciso que emparelhe com persistência, tenacidade, motivação e constância.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

A Puta da Culpa

A Culpa. A puta da culpa!
Quem nos enfiou isto na cabeça: que temos de sentir culpa por estarmos bem porque há muitos outros que estão mal?
No meu caso desconfio que foi a minha mãe. Também alguém lhe deve ter enfiado isso na cabeça.
Com um bocado de sorte (estou a ser irónica) é uma daquelas memórias genéticas e deve vir lá desde os anos da crucificação: uns culpados porque negaram a autenticidade, outros porque lavaram as mãos, outros autorizaram, outros executaram, outros assistiram e alguns aplaudiram. Feitas bem as contas, daquela tropa da altura ninguém estava inocente (de qualquer coisinha haviam de ser culpados), há a necessidade de expiar a culpa; passados uns anos isto instalou-se nos genes e nos dias de hoje é ela que nos espia em todas as situações do dia a dia.
Vem isto tudo a propósito da culpa que sinto, hoje, um dia lindo de sol, cada vez que saio com a minha leveza de quem não está a trabalhar e passo pelos pedreiros que estão a fazer obras no prédio. Conheço-os bem. Cumprimento-os, não os ignoro de maneira alguma. Mas começou a subir por mim acima uma culpa tremenda.
Então agora vou sair outra vez? E passar alegremente pelas pessoas que estão a trabalhar? O que é que eles vão pensar? Será que eu tenho o direito de passear de forma tão leve quando eles estão a suar, com dores nos rins e nos joelhos?
E pronto, é isto. Compreendi que neste ano maravilhosos e leve passo o tempo a entrar e sair de casa e que hoje vou ficar por aqui mais tempo para não afrontar, incomodar, provocar, assediar...quem trabalha.
É estúpido, eu sei.
Mas é uma coisa muito minha. Quando vejo uma pessoa a andar com dificuldade abrando o passo (habitualmente ligeiro) para não afrontar a pobre pessoa que já não pode andar como quer e como já andou em tempos.
E aposto que é esta culpa de hoje que me está a dar umas dores muito chatas num dos "nós dos dedos", para me lembrar que nunca estamos verdadeiramente bem, que temos de ser humildes, compreensivos...
Que esta conversa não faz sentido...é verdade. Mas ela anda na minha cabeça.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Os meus livros

No meio das arrumações surge o excesso de livros, mas...ainda ontem comprei mais dois. Não lhes resisto! São a minha fraqueza...Que hei-de fazer?
Vou deitando fora muitas fotocópias, resumos disto e daquilo, fichas que enformaram trabalhos, mas os livros...não posso deitar fora os livros! Não posso!
Revisitei ontem a Marie Kondo. Conselho da japonesa: deite tudo fora, até este livro que está a ler quando o terminar.
Mas não posso. Nem o dela nem o de ninguém. Talvez o dela possa deitar fora, uma vez que ela o escreveu para ler e deitar fora, mas, mesmo assim...não sei se consigo.
Dadas estas limitações os livros vão ficando de lado, forrando uma das prateleiras do sótão antigo e, cá na casa actual, forram uma parede inteira com uma estante feita para o efeito. Que ainda tem espaço para receber aqueles outros e também já estive a ver a possibilidade de crivar as paredes da garagem de prateleiras e armários para poder guardar o que tenho e o que continuarei a comprar.
Para algumas pessoas isto seria demais, mas os meus livros dão-me segurança. Em quê? Não sei. Muitos dos que aqui estão não os li, outros li parcialmente, outros li e não volto a ler...(mas, quando tenho essa certeza e não me trouxeram nada de importante, dou-os na biblioteca ou troco-os no alfarrabista), outros são de consulta, outros são para ver as imagens, outros para recordar lugares onde fui, outros para não me esquecer de lugares onde quero ir...São livros! O Amor não se explica.
Tendo-me debatido com estas questões desde que iniciei esta jornada de limpezas tive agora uma grande alegria. Recebi uma mensagem de uma amiga a pedir um livro que necessita para um trabalho em que está muito empenhada. A seguir falámos ao telefone para eu perceber melhor que tipo de livros ela está a precisar e, depois de uma varridela na estante cá de casa, arranjei todos os livros que ela precisava e mais dois que lhe sugiro por me parecerem afins do que está a necessitar. E fiquei tão contente! Todos aqueles livros ganharam outra dimensão: a da utilidade para outros!
Neste ano lectivo em que a minha disponibilidade para os outros tem sido uma das minhas fontes de alegria, esta visita proveitosa à estante reconciliou-me com os meus amores, as minhas obsessões e os meus fantasmas. Se a Marie Kondo é fanática por deitar fora eu sou fanática por guardar o que me traz boas lembranças e me torna uma pessoa útil.E me faz feliz! Assim, tão só!
Estou muito grata pela situação de hoje!

terça-feira, 14 de janeiro de 2020

As relações em espelho

Andar em grandes limpezas e arrumações faz com que o nosso (pelo menos o meu) cérebro faça reflexões profundas.
Vou pensando cada vez mais que a japonesa das arrumações tem razão: ao arrumar a nossa casa arrumamos muito mais que a casa, tralha, questões materiais, arrumamos mesmo a nossa vida. Nunca pensei que o pequeníssimo livro dela tivesse tanto efeito em mim: se começar à procura de um gatilho em todas as minhas transformações recentes, sou capaz de chegar até à leitura do livro dela, que não sei se foi anterior ou não ao retiro de meditação, mas foi certamente anterior ao meu início do taichi. De forma que esta minha procura de o que é que começou a minha mudança se vai revelando uma viagem «pescadinha de rabo na boca», porque não consigo determinar o que é que a começou, mas se calhar foi um processo interno, uma maturação, um ponto de chegada que determinou em por-me à procura e encontrar o livro, o retiro, o curso, o grupo...o afastamento do trabalho e este tempo de pensar.
O parágrafo anterior foi um desvio àquilo que vinha dizer...
Entre as muitas coisas que vou encontrando no sótão e que me fazem recordar coisas, encontrei um divórcio completo. Não meu. O de uma amiga minha, que teve como resultados materiais para aduzir ao sótão um conjunto de revistas de História que o marido tinha na casa de que tinham de se livrar e várias prendas dela para mim numa época em que ficámos muito próximas, por eu ter servido um pouco de ponto de apoio.
Entre as prendas que recuperei agora está um lindo expositor (não sei como se chama àquilo) para bolos (um prato e uma campânula) em vidro. Estava ainda dentro da caixa original de uma marca cara, muito conhecida e reconhecida pela qualidade. Lembro-me de ter pensado o que iria fazer com aquilo. Fiquei muito perplexa porque, sobretudo naquela época, aquela prenda nada tinha a ver comigo: não cozinhava e quase não recebia visitas; para que precisaria eu de uma coisa tipo «família e amigos: grande recepção cá em casa»?
Ontem retirei-a da caixa, lavei-a, sequei-a e dei-lhe um novo lar num armário que libertei para as louças que virão do sótão da minha outra vida. Voltei a pensar na razão de ser daquela prenda. Depois contemplei o serviço de chá que tenho na cozinha que ela me ofereceu, porque era imprescindível para o pequeno almoço...meu, que uso uma caneca para o leite.
Mas depois pensei que, naquela época, eu também lhe ofereci prendas que tinham a ver com a minha maneira de ser e de pensar e não com a dela: lembro-me particularmente de um tachinho de grés, pequenino, para fazer ou aquecer no forno uma ou duas doses de comida, não dava para mais. E lembro-me da perplexidade dela, habituada a objectos e utensílios para a sua vasta família e amigos.
E depois comecei a pensar que, frequentemente, nós não pensamos nos outros na sua individualidade e tentamos molda-los à nossa imagem e semelhança.
Para mim o divórcio dela era a oportunidade de ela viver aquilo que eu considero a verdadeira felicidade: estar sozinha, calma e em paz, não ter que se preocupar com nada nem ninguém da porta para dentro; tornar o lar o nosso castelo, (forte, refúgio, resort, bunker), o que for preciso para atingir o nirvana do isolamento; ela acalentava a esperança de que eu, com a minha independência e a minha casa, descobrisse a verdadeira felicidade: constituir uma família com marido e filhos (ou enteados, que naquela altura talvez já fosse tarde para ter meus, ou pelo menos tarde para ter vários) e necessitasse de toda a aparelhagem correspondente a uma feliz dona de casa.
Ela casou-se de novo, claro. Era o seu modelo de felicidade. Eu continuo sozinha, claro. É o meu modelo de felicidade.
Pergunto-me o que terá feito ao pequeno tacho?