terça-feira, 24 de dezembro de 2019

Da compreensão da teoria da possibilidade

"- Mas...estás apaixonada? - indagou tentando justificar o brilho que ela irradiava.
- Não - disse ela, devagar, o que conferia credibilidade à afirmação - Mas podia estar.
- Claro que podias estar. Qualquer pessoa pode estar...ficar...
- Não. - continuava a mover as palavras devagar no tabuleiro daquela conversa - Eu não. Mas agora compreendi que afinal também posso estar, ficar...apaixonar-me. Que também eu sou, ainda sou...
- Oh querida! Claro que és apaixonável. Todos nós sabemos isso. Era isso que ias dizer, não era?
- Não é bem isso...não creio que haja uma palavra para exprimir o que quero dizer. Também eu me posso apaixonar. Não é preciso ser agora. Nem é preciso ser...Mas é possível. Agora é possível!
O ar dela dispensava considerações de outrem. Parecia estar numa conversa distante consigo própria. E uma conversa satisfatória.
A amiga recolheu qualquer opinião pensando que o Natal deixa os temperamentos alterados, tudo fica mais sensível e...bem, já tinha visto situações muito piores. Esta era...intrigante, talvez...mas não preocupante. E, definitivamente, não solicitava qualquer intervenção da sua parte.
Por isso ficaram caladas, olhando as estrelas num céu invulgarmente brilhante para a época natalícia."

Boas Festas!
Porque festas são sempre boas.

Relatos de uma Transformação Autosurpreendente

Nem Polícia nem Espanhol

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Pra minha estante de memoráveis...a quem devo o que sou

O dia em que se termina a leitura de um livro é um dia ganho.
Hoje terminei de ler um livro: Maria Adelaide Coelho da Cunha, Doida Não e Não!: Um Escândalo em Portugal no início do séc. XX, escrito por Manuela Gonzaga e publicado pela Bertrand em 2009.

Muito bom. Um livro que prendeu muito a minha atenção por diversas razões:
- está muito bem escrito
- relata uma história real
- é um estudo histórico metodologicamente bem feito e disponibiliza as fontes
- tece considerações muito interessantes acerca do contexto histórico
- faz-nos pensar no que é "ter tudo" no conceito do senso comum, nos conceitos de justiça, de moral e, sobretudo faz-nos pensar no que é o condicionamento social sobretudo para uma mulher. E também a diferença entre o que está escrito na lei e o que muitas vezes se pratica.

Demorei muito a ler este livro. Não o lia assim, de ânimo leve, aos bocadinhos entre coisas, como faço com tantos outros livros. Li-o quase de uma forma religiosa, não é bem religiosa...respeitosa. Respeitosa pela memória de quem viveu aquela história, de quem guardou as provas, de quem investigou e escreveu, de quem publicou.
Este era um livro cheio de gente, cheio de conceitos e de preconceitos.
Preparava a leitura de cada capítulo com cuidado, verificando se tinha tempo de encetar e cumprir aquela etapa.
Foi um livro que li com três marcadores.
Um livro que se lê com três marcadores é uma obra de respeito.
Um dos marcadores assinalava, obviamente, a página em que a leitura terminara (ou, mais exactamente, em que a próxima leitura começaria), outro marcador assinalava as notas de final de capítulo, de forma a que a sua consulta fosse fácil e célere e não interrompesse a leitura, antes a completasse. E o último marcador assinalava as referências (bibliografia e fontes) a que recorria por vezes para ampliar o conhecimento do texto e das notas.
Terminei-o hoje num café onde gosto de ler.
Prolonguei depois a leitura no registo de algumas citações e neste registo reflexivo.
O livro é emprestado e sei que terei dificuldade em separar-me dele.
Em separar-me das suas personagens, da imensa admiração com que fiquei pelos seus protagonistas principais e do encontro ou reencontro com tantas personagens do Portugal da 1ª República, que tanto me fascina. Mas que também vai, cada vez mais, me desiludindo.
As figuras que estudamos como grandes, envolvidas em enredos mesquinhos que não tinham outro objetivo senão manter o status quo dos seus pares...
Maria Adelaide Coelho da Cunha ficou agora, nas minhas estantes de memoráveis, junto de Manuel Buiça. Alguém que não abdica da sua integridade e vai em frente realizando o que considera certo, ainda que isso afronte toda a sociedade. Ambos são casos de amor e de ruptura. Ela rompe um casamento "de capa de revista" para assumir um amor que ninguém no seu meio compreenderá: um homem mais novo e pobre. Ele rompe com a vida (literalmente) por amor à Pátria e aos ideais da República. Certo é que ele mata uma pessoa, seria o que hoje chamaríamos um assassino e um terrorista, mas não consigo deixar de me fascinar com a sua figura, com a sua actuação, com o seu testamento para os filhos invocando os valores morais pelos quais agiu.
Quantos de nós teríamos a coragem de enfrentar assim a sociedade, de lutar até ao fim pelos nossos princípios? Quantos de nós seríamos capazes de verdadeiramente vestir a palavra herói?
Sei que chamar herói a um assassino não será politicamente correcto e que, se eu olhar do outro lado, a família real destruída ( a vida da D. Amélia impressiona-me muito pelo sofrimento) e um país que nem sequer soube honrar a dádiva de vida dos regicidas, o sacrifício de Manuel Buíça terá sido em vão...mas as vidas destas duas personagens estão de alguma maneira ligadas à minha: mulher livre, republicana, independente. Sem eles, eu não seria possível. Obrigada!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

E no entanto algo está a mudar. Devagar. Sem alarde...e esperemos que vindo para ficar.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Finitude e Gratidão em dia de estudos taoistas

Tudo o que começa acaba!
Dos quatro quartos em que pode dividir-se o círculo perfeito que resultou da minha decisão, um já se foi. Aí começa a perceber-se que o tempo se escoa, que tudo é finito e que aquilo que me está a saber tão bem acabará, inevitavelmente, por acabar.
Mais uma vez penso em que passamos o tempo a preocupar-nos com o futuro, que poderá nem chegar...
Quem sabe se eu não acabo antes de cumprir o círculo?
Oh! Não! Que horror!
Povoam-me agora o espírito imagens catastróficas e cataclismicas.
Mais do mesmo: adianta preocupar? Não.
Fazemos o que é possível. Ao que parece o primeiro quarto foi necessário para descansar e, sobretudo, para acreditar.
O segundo quarto parece estar a começar com mais energia e algum vislumbre de método.
Se tudo tende para a perfeição, como quero acreditar, este círculo trará tudo o que preciso. De qualquer maneira, trará o que for possível.
Para empurrar o tempo já chegam todos os outros círculos que ficaram antes deste e provavelmente os que se lhe seguirão. Mas também terão sido necessários para chegar aqui. Somos os nosso percursos e mesmo quando abandonamos um caminho não podemos renegá-lo: não poderíamos tê-lo abandonado se nunca o tivéssemos trilhado. Ele fará sempre parte de nós, do que fomos, do que somos, do que conseguimos ser.
Hoje Deus deu-me um dia magnífico, com o sol a brilhar nas águas do mar e o lugar perfeito para fazer o que mais gosto: estudar, aprender, progredir.
Tendo a pensar: se hoje fosse o último dia da minha existência ele teve momentos magníficos pelos quais me sinto muito grata.