quarta-feira, 31 de março de 2010

Ritmos

O cabeleireiro estava cheio. Sobretudo mulheres, mas também dois homens e duas crianças.
E eu pensei: "Que maçada!...Logo haviam de ter vindo todos hoje..."
Provavelmente os que não conseguiram vir hoje estarão lá amanhã.
Será por ser fim de mês, semana da Páscoa, início da Primavera? "Não, claro que não - decidi - para mim é uma altura como outra qualquer...apeteceu-me apenas melhorar o visual."
Talvez se perguntássemos a todas aquelas pessoas elas dessem uma resposta semelhante à minha...
Mas o que é certo é que há ritmos, há rituais, dos quais nem temos bem consciência.
Lembrei-me que, quando era criança, sempre me intrigavam as migrações dos animais, das andorimhas, por exemplo. Porque, muitas vezes, ainda não havia uma Primavera muito notória, mas elas lá estavam. Como é que elas sabiam em que altura haviam de partir? De mudar?
Sorri mentalmente por me recordar de todas estas questões que muito me preocupavam quando era mais pequena (na idade dos porquês).
Hoje já não penso tanto nisso, mas vou reconhecendo que há ritmos e rituais que se nos impõem, que parecem fazer parte de nós.
Posso dizer que foi coincidência...mas talvez seja forçado, pois foi nesta semana - santa e de inícios de Primavera - que me apeteceu arrumar e escolher a roupa para poder comprar outra e mudar o meu estilo de cabelo.
Será que somos todos um pouco andorinhas? Terá sido por acaso que o cabeleireiro estava cheio hoje? E a moda Primavera/Verão invadiu as lojas?
Há ritmos na Terra que nos precedem e nos integram.
Somos - conscientemente ou não - cumpridores de rituais que escapam ao nosso entendimento, que nos integram num mundo maior, numa realidade de que nem sempre temos consciência.

Eu também não sei bem o que são...mas vou registando, nestes apontamentos, ciclos, vontades, coincidências, repetições rituais...que acontecem, como que por acaso.

terça-feira, 30 de março de 2010

A Semana Santa é Roxa

Roxo, violeta, púrpura, vermelho-escuro...
Aparecem como sinónimos, mas para mim são diferentes.
Roxo invoca luto...mas também luxo, ou a dignidade cardinalícia. Aí talvez seja mais vermelho-escuro, que é cor de veludo...ou será carmim? E é aqui que entra o grená? Será o mesmo que roxo? E o que significa o roxo?
Pode ficar-se roxo quando não se tem ar...será uma cor sufocante?...
As nódoas negras passam a roxas, com o tempo, ou violáceas, é isso, as nódoas negras ficam violáceas. Assim é uma cor agressiva. Mas as violetas são bonitas...
E há também uma cor que eu chamo alfazema, mas alfazema é um aroma, não é?
E lavanda? É o mesmo que alfazema?
E são cores da Primavera...ou cheiros?...ou tons?...
A Semana Santa é roxa, de cor e cheiro. De luto...
"Já me perdi sem rumo certo

Já me venci pelo cansaço

E estando longe, estive tão perto

Do teu abraço"


Miguel Gameiro

segunda-feira, 29 de março de 2010

Em certos momentos

parece que voltamos à «idade dos porquês». Porque será?...

só mesmo por invenção

"De linho te vesti
De nardos te enfeitei
Amor que nunca vi
Mas sei ...

Sei dos teus olhos acesos na noite
Sinais de bem despertar
Sei dos teus braços abertos a todos
Que morrem devagar ...

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo pode acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Irei beber em ti
O vinho que pisei
O fel do que sofri
E dei

Dei do meu corpo um chicote de força
Rasei meus olhos com água
Dei do meu sangue uma espada de raiva
E uma lança de mágoa

Dei do meu sonho uma corda de insónias
Cravei meus braços com setas
Descobri rosas alarguei cidades
E construí poetas

E nunca te encontrei
Na estrada do que fiz
Amor que não logrei
Mas quis

Sei meu amor inventado que um dia
Teu corpo há-de acender
Uma fogueira de sol e de fúria
Que nos verá nascer

Então:

Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem forcas, nem cardos, nem dardos, nem guerras
Nem choros, nem medos, nem uivos, nem gritos,
Nem pedras, nem facas, nem fomes, nem secas,
Nem feras, nem ferros, nem farpas, nem farsas,
Nem mal ... ... ... "


Canção de Madrugar, Ary dos Santos

O Amor

Quanto da pessoa que amamos será uma invenção nossa?
Até que ponto é real a imagem que criámos de um outro ser que nos completa?
Haverá verdade no Amor ou só Ilusão, Desejo, Criação Involuntária?
Podemos mesmo amar outra pessoa?...Por vezes só amamos a ideia de sermos amados...E inventamos um ser, à medida, para o fazer.
E porque a invenção não mais é que isso mesmo, um dia a ilusão desfaz-se...a realidade fere, mas a necessidade de amar irá engendrar outra mitologia...e outra...e outra...
E há os que desistem. Mas só oficialmente. No fundo, a sua imagem amada é tão irreal que nem consegue encontrar semelhanças com a realidade e por isso dizem que desistem.
São falsos. Todo o Amor é falso: é falso quando se diz que ama e é falso quando diz que se não ama.
Amar é uma necessidade!
Não acredito na desistência do Amor; não acredito na Resistência do Amor.
Acredito num Amor que preexiste a tudo e que subsiste a tudo, porque existe só no plano dos nossos desejos, dos nossos sonhos, no sótão dos sentimentos que todos mantemos em segredo.
O Amor...
Dito com desdém ou com ternura, o Amor só a nós pertence e àqueles que nele inventamos.
Como se escreve, por dentro, a palavra fim?

domingo, 28 de março de 2010

Logicamente

Se os finais felizes fossem fáceis de encontrar, não faziam as fortunas dos grandes ficcionistas.

Dia de Amigos

Amigos com projectos, fazem-nos sentir mais vivos
Amigos que brindam aos projectos dos amigos, fazem-nos sentir solidários
Amigos, fazem-nos sentir queridos
Hoje foi um dia de amigos

quinta-feira, 25 de março de 2010

Expressões corriqueiras antes dos tempos politicamente correctos

«Quem não tem padrinhos, morre mouro»

«Não façam judiarias»

«Vou fazer-te a vida negra»

Como nas canções

"Quando veio,
Mostrou-me as mãos vazias,
As mãos como os meus dias,
Tão leves e banais.
E pediu-me
Que lhe levasse o medo,
Eu disse-lhe um segredo:
«Não partas nunca mais»"


Pedro Abrunhosa, Eu não sei quem te perdeu

quarta-feira, 24 de março de 2010

Vai subir!

O seu a seu dono

Um juiz, julga;
Um contabilista, contabiliza;
Um professor, professa, confessa publicamente, abraça uma ideia, no fundo uma fé: acredita que pode melhorar um bocadinho o futuro...e faz a sua parte.

terça-feira, 23 de março de 2010

Que embrulhada!...

«Quem será então a dona do 38, copas C, encardido?»

segunda-feira, 22 de março de 2010

A outra face da Primavera

Em tempo de regresso do sol, de florescimento, da Primavera, todos enfatizam a alegria da renovação, um recomeçar constante e esperado.
Este ano - como se prova pelas últimas prosas - vejo também um outro lado da Primavera: vou contando as ausências dos que já não protagonizam estes recomeços, dos que nunca mais estão, são...
Claro que, se eu os evoco, estão presentes em mim...mas, às vezes, tenho medo de lhes esquecer algumas características, de lhes adulterar a memória, de não os honrar como merecem...
A Memória tem destas coisas: também se torna uma Responsabilidade!...

«Se Vier o coelho, o que é que eu lhe digo?»

A expressão que titula este post era usada pela minha avó quando via pessoas atrapalhadas com situações simples. Tornou-se um hábito e já todos a usávamos, mas um dia resolvi perguntar-lhe a razão da expressão e ela então contou-me:
O meu avô (um dos homens que partiu cedo, teria eu uns 7-8 anos) era caçador e tentava cativar para a actividade um amigo (creio, até, que compadre) que não se entusiasmava com o «desporto».
Mas um dia, aliciado certamente pelo passeio e pela «comezaina» que se seguiria, lá acompanhou o amigo.
Iam à caça ao coelho.
Quando estavam no campo, o meu avô teve uma aflição e pediu ao outro: "Segura aí na espingarda, que eu já volto."
O outro, atrapalhadíssimo, segurando na arma com uma evidente falta de jeito e receio, interpelou o meu avô, quando ele quase tinha alcançado o lugar para se aliviar: "Olha lá! Se vier o coelho, o que é que eu lhe digo?"

E assim era a história, que gerou uma frase que ficou na família, e que sempre arrancava à minha avó um riso genuíno.

sábado, 20 de março de 2010

"A água lava tudo, menos a má-língua"

sexta-feira, 19 de março de 2010

Dia do Pai

A Vida (ou a morte e a doença) levou muito cedo para longe os homens da minha família.
O meu pai (paizinho, como lhe chamava) partiu antes de eu ter tempo de celebrar na escola um dia do pai e lhe fazer uma prenda como os outros meninos.
Os mortos estavam presentes em fotografias de circunstância, espalhadas pela casa, e num cantinho onde se acendiam lamparinas pelas suas almas.
Uma década depois a minha mãe «reconstituiu a sua vida», como se dizia na altura, em palavras que para mim, criança, eram difíceis de perceber. Hoje acho que se aplicam muito bem, pois a vida da minha mãe tinha ficado de facto destruída com a morte súbita do marido.
Participei daquele namoro, que não era assumido como tal. Tinha a parte boa: recebia deliciosos chocolates, que hoje compreendo como um suborno bem intencionado, que não me arrependo de ter aceite.
A mãe apaixonou-se. Quer ela quisesse quer não, era notório o alvoroço que sentia perto daquele homem grisalho, solteiro, de olhos muito claros e expressões gaiatas.
Passámos a viver todos três, estando as manas já casadas. Fez com que eu criasse a frase: "dos meus pais sou a terceira filha, do meu padrasto sou filha única".
E foi o mais longe que fui.
Nunca lhe chamei «pai», com medo de ofender a memória do meu pai verdadeiro, que assim se sentisse substituído, não lhe chamava «padrasto», pela conotação negativa que as histórias e a sociedade lhe cunharam e que ele não merecia; não lhe chamei «padrinho», pois já tinha um, de baptismo, não lhe chamei «tio», porque poderia parecer irmão da minha mãe...Chamava-o pelo nome e ele nunca se atreveu a chamar-me «filha». Só quando nos apresentávamos a alguém que não nos conhecesse: eles eram os meus pais, eu era a filha ou «a herdeira», como ele gostava de me chamar.
E eu, brincando, dizia: tens alguma coisa para eu herdar?
Tinhas sim. Hoje, as minhas lágrimas de saudade respondem que sim. Herdei os princípios, os valores e a integridade com que regeste a tua vida; herdei a capacidade de amar e a solidariedade com os outros; herdei a esperança nos homens e num mundo melhor.
A última imagem que recordo de ti, hoje, é no caixão, rodeado de flores que nada te diriam, mas com o cravo vermelho que te coloquei junto ao peito. O melhor epitáfio que te poderiam colocar, disse a senhora que me ajudou a transportar a coroa, enorme, que a minha mãe mandou comprar «para mostrar à família...». Eu tentava explicar-lhe quem tu eras, ela não compreendia bem...Pousou a coroa e quedou-se a olhar para ti, no caixão: - Então não sei tão bem quem era...Oh, Que pena! - deteve-se consternada a contemplar o teu rosto e depois, saiu-lhe, mesmo do coração, a melhor frase de pesar que eu creio que tu gostarias de ter: Menos um voto para o Partido!

quinta-feira, 18 de março de 2010

Condão: título nobiliárquico do mundo da fantasia; conde enorme e generoso, esposo da uma condessona.

Condão

Há palavras que ficam presas aos seus contextos: o condão aparece sempre junto da varinha. E a varinha, junto da madrinha, que era uma fada.
Porque é que a varinha era de condão? Porque dava muitas coisas? Porque concedia? Condão seria assim uma forma de conceder, de repente, muitas coisas; uma espécie de calão dos magos.
Condão era alguma coisa que se concedia, eram os desejos impossíveis realizados pela varinha, era a transformação da Cinderela em princesa por umas horas; era a reposição da justiça do mundo, era a moral da história...
Que pena que o condão tenha ficado preso lá atrás, na nossa infância, nas coisas nas quais já não temos o direito de acreditar, porque não somos como o Peter Pan e crescemos.
Sendo crescidos, temos que acreditar numa suposta justiça dos homens, que ainda por cima é cega, e que tenta equilibrar uma balança...sempre instável...e que sendo cega, depende no entanto de quem vê e de como vê.
Queria voltar a ser pequenina e esperar - com convicção - pela minha fada madrinha e o poder da sua varinha de condão.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Sabedoria

"Enquanto disputam os doutores gravemente
sobre a natureza
do bem e do mal, do erro e da verdade,
do consciente e do inconsciente;
enquanto disputam os doutores sutilíssimos,
aproveita o momento!

Faze da tua realidade
uma obra de beleza

Só uma vez amadurece,
efêmero imprudente,
o cacho de uvas que o acaso te oferece..."


Ronald de Carvalho, poeta brasileiro (1893-1935)

domingo, 14 de março de 2010

Luar um Dia

"Fecha a porta quando te fores
deixa o resto como está
Talvez um dia,
sabe-se lá...
Deixa-me acreditar

Se acordares antes de mim
bate a porta devagar

Deixa assim esta janela
a Lua pode bater
Talvez um dia
sabe-se lá...
Deixa acontecer

Quando for a nossa hora

Fecha a luz quando te fores
embora"


Ala dos Namorados

...mas

amanhã talvez
chova de vez...

A Rua do Gato Preto, Ala dos Namorados

Pôr-do-Sol

O mito do Eterno Retorno, a Roda Infindável da Vida e da Morte, da Luz e das Trevas, o vulto do Sol que, ao despedir-se Hoje, promete voltar Amanhã...Talvez.
Correr o risco de Viver, à espera de um novo Dia, de uma nova Primavera, de uma Pronessa - que não será nunca uma certeza, mas que mantém viva a Esperança - Talvez...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Diz o Pedro...Abrunhosa

"Trago-te em mim

Mesmo que chova no verão

Queres dizer sim, mas dizes não.

Vamos fazer o que ainda não foi feito"

quinta-feira, 11 de março de 2010

Será que há baile na estante, enquanto eu durmo?

"Sou o vosso professor
E sei de um baile de gala
Que se dá todas as noites
Nas estantes da tua sala

Olha Ulisses o Argonauta
A dançar com o mar à proa
Aquele é o senhor Fernando
A dançar com a sua Pessoa

Olha o mestre Gil Vicente
Entre a raínha e o povo
E aquele à frente é o Aleixo
É o poeta do povo

É o baile, é o baile, é o baile
É o baile, é o baile, é o baile
É o baile, é o baile, é o baile, é o baile
Da biblioteca

Sai o Zorro de rompante
Numa lombada de couro
A declarar ser migrante
Para a ilha do tesouro

Ao piano o Conde d'Abranhos
Não dá sinais de abrandar
É preciso o sol nascer
Para o baile acabar

Como se anda Dom Quixote
Largando da mão a lança
Vamos dormir tío Antunes
Que amanhã também se dança

É o baile, é o baile, é o baile
É o baile, é o baile, é o baile
É o baile, é o baile, é o baile, é o baile
Da biblioteca"


Baile da Biblioteca, Cabeças no Ar

terça-feira, 9 de março de 2010

Para ver:

http://www.youtube.com/watch?v=nUDIoN-_Hxs
Deste-me as tuas memórias
Sonhei-te a preto e branco

segunda-feira, 8 de março de 2010

No Dia da Mulher

ficava bem receber umas palavras em poesia.
Sei que não fica bem pedir, mas...quando mendes se espera...quem sabe?...
Nota-se a escassez de palavras poéticas por aqui. Tem sido comentado com preocupação...
Enfim...

Dia Internacional da Mulher

"Sente-se bela e acham-na mais bela"

"Se eu não gostar de mim, quem gostará?"

"Gosto de ser mulher!"

domingo, 7 de março de 2010

Fábula

Uma lesma
que passava os dias a lesmar
um dia lesmou-se que podia mudar
e mudou-se, lentamente...
Mas mudou-se!

Crise da Escola ou a Hipoteca do Futuro

"Todos os períodos de decadência contestaram a autoridade, discutiram contra ela e, por esta razão, acabaram nas cadeias do autoritarismo. Todas estas épocas disseram da autoridade, menosprezando-a, que ela não passava de um rito. Pois lhes digo: retirem a qualquer sociedade humana os seus ritos e esta se fará em pedaços...ou inventará outros. Ora a autoridade do professor nada tem a ver com policialismo; tem sim a ver com a conquista de uma disciplina de vida que não se aprende em manuais, mas na própria escalada dos obstáculos naturais. Compete àquele que lidera seus educandos auxiliá-los a não fazer uma imagem fantasiosa da vida cotidiana, como se esta fosse apenas um grande brinquedo. Para deixar nascer a disciplina não é nem nunca foi necessário sufocar o lúdico ou eliminar a alegria. A vida não é isto ou aquilo, mas é na verdade isto e aquilo."
Morais, Regis de, Entre a Jaula de Aula e o Picadeiro de Aula in Sala de Aula: Que Espaço é esse?, Campinas, 2005 (19ª edição), p. 28

sexta-feira, 5 de março de 2010

«Chove, chove, galinha a nove»

quinta-feira, 4 de março de 2010

Está esgotado...

Antigamente as pessoas tinham esgotamentos.
Esgotavam-se. Como os bons livros ou os produtos de supermercado muito requisitados; que todos querem, que são indagados com ar ansioso e que recebem a resposta: «Não temos, está esgotado, só lá pra quinta-feira...». Mas há uma esperança. Os fornecedores repõem o produto, o livro reaparece, por vezes até, numa edição revista e aumentada. Aquilo que se esgota é porque tem os requisitos de agradar, presume-se que tenha qualidade.
As pessoas esgotavam-se, de trabalhar muito (eram bons trabalhadores), de serem muito requisitadas (eram pessoas desejáveis), de estudarem muito (eram pessoas com vontade de saber). Um esgotamento poderia, assim, ser até, um rótulo de qualidade e uma esperança de renovação, nova edição, tiragem especial...
Já havia a palavra depressão, mas pertencia ao domínio da metereologia e estava de certa forma associada ao anti-ciclone dos Açores. E tinha um carácter passageiro: aproxima-se uma depressão, blá, blá, blá; aquelas linhas sobre o mapa tinham a dinâmica do movimento e não da estagnação. Se bem que, por vezes, o tio Anthímio referia «estão a sofrer uma depressão». Aí, já tinha um ar mais doloroso, mas não - nunca! - definitivo.
As pessoas tinham esgotamentos e tomavam suplementos e tudo tinha ar de ser por momentos.
Agora as pessoas entram em depressão! A palavra faz eco e lembra o fundo de um poço, onde a luz está muito longe e fora do alcance.
Para as depressões tomam-se anti-depressivos, um nome que lembra armas químicas e tropas especializadas.
E a causa das depressões tem um nome estrangeiro e intraduzível: stress.
E as pessoas deixaram de andar inquietas ou enervadas e passaram a andar stressadas, que deve ter a ver com o verbo stressar, que não encaixa em nenhuma das minhas gramáticas.
Esgotaram-se os esgotamentos, vulgarizou-se o stress; citadino, buzinante, dramático e mais definitivo. Contra o qual se inventaram armas químicas e tácticas militares...
Nunca mais teremos paz no fundo do poço!

quarta-feira, 3 de março de 2010