terça-feira, 31 de julho de 2012

Encontro de Verão

- Olha...eu tinha uma aluna igualzinha a ti, só que era branca.
- Oh, s'tôra! É Verão. É tempo de praia.
Ela estava visivelmente lisongeada, com o cabelo encaracolado, desalinhado e o magnífico bronzeado potenciado pelo vestido branco.
Engraçado...foi uma aluna com que pouco comuniquei: turma muito grande, feitio introvertido, só uma aula por semana. Fico sempre muito honrada e feliz quando vejo que atravessam a rua para me falar, mesmo quando são alunos menos comunicativos.
Dei-lhe uma palmada no ombro e continuei com a brincadeira: - É impossível que não sjam família, são iguais. Se vires por aí a minha aluna dá-lhe um abraço da professora de História e diz-lhe que a praia também é um bom sítio para ler um livro.
Ela sorriu. Eu retomei o meu caminho, do qual, aliás, raramente me desvio.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Afinal de Contas...

"Tal como na América Latina dos anos 80 e 90, a Europa está hoje a ser bombardeada pela apologia dos gestores como os governantes ideais. A direita liberal, a que se junta muito do antigo campo social- -democrata fascinado pelas lendas do new public management, tem sido capaz de fazer vingar a tese de que o Estado tem de ser governado pela mesma lógica das empresas privadas, demonizando o défice e cortando a eito nos serviços públicos (saúde, educação, transportes) e nas políticas sociais. Para essa missão redentora, "os políticos" - e, sobretudo, as exigências da democracia - são descartáveis como "gorduras". A governação, não mais como serviço das populações mas como aplicação dos ditames dos credores, passa a ser empresarializada. E não tardará muito que seja mesmo contratualizada em regime de outsourcing... O horror da política, tão caro aos liberais, é o pórtico para o fim da democracia."
José Manuel Pureza, DN, 18/11/2011

sábado, 28 de julho de 2012

E tudo se resolvia tão bem se eu ganhasse o Euromilhões!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Registos

Tempo de férias é tempo de arrumações.
Final de ano letivo é tempo de selecionar e arrumar as pilhas de papeis que se acumulam, mesmo numa sociedade quase informatizada, em que os 'no natives' do mundo virtual cometem frequentemente o pecado de duplicar os registos.
Tudo tem de ser relido e avaliado: é importante? vale a pena ficar? em que categoria se arquiva? Ah, já não me lembrava disto! Oh, que raiva; daquela vez que não consegui fazer vingar a minha ideia...Ah, mais um registo que me emociona porque é só meu e revela a dedicação dos meus alunos. Ah...este trabalho não sou capaz de descartar...
Porque a tarefa é morosa e frequentemente penosa nem sempre lhe sou dedicada. Assim este ano tenho vários anos acumulados para avaliar e rasgar, arquivar ou uma qualquer outra solução.
A ideia de que talvez possa mudar de poiso, mesmo que não se concretize, obriga a uma seleção criteriosa do que deve ou não ser guardado...porque eventualmente transportado, pesado, e se inútil...
A ideia vale pelo exercício e pela renovação que tudo isto provoca.
Em termos de filosofia oriental é muito útil para que o chi flua pela casa e não fique estagnado.
Entre o ocidente e o oriente vou aproveitando para orientar melhor este escritório que sofre de uma overdose de papeis e de material de papelaria que, como me fascina muito, acabo por comprar em excesso. Talvez para o ano não necessite de novos dossiers, mas, conseguirei resistir? É sempre tão bom escolher as cores e as formas do novo ano letivo!
De vez em quando saltam do meio dos papeis sérios e profissionais registos pessoais avulsos: um texto que escrevi num tempo morto, uma fotografia tirada por amigos que me foi entregue num dia de trabalho. Cada um destes registos é criteriosamente avaliado, enquadrado no seu contexto e arrumado numa "pilha provisória" que, espera-se, dará origem a um arquivo definitivo.
Demoro-me a pensar na natureza destes registos e assumo por um bocado a visão do historiador (ou até mesmo do biógrafo ou do sociólogo) e concluo que a forma como fazemos - pelo menos como eu faço e guardo os registos - é quase bipolar: os textos são desabafos de momentos menos bons, por vezes quadros de uma negritude assustadora, as fotografias imobilizam sorrisos, reuniões sociais e momentos de lazer, felizes.
Recorrentemente penso no estúpido exemplo que um professor da Universidade nos dava numa cadeira do primeiro ano: se um extraterrestre chegasse à terra e encontrasse uma embalagem de OMO e uma fotografia de alguém sorridente com uns dentes muito brancos, concluiria que comíamos OMO para branquear os dentes. A função do exemplo foi cumprida: não nos esquecermos que a História é interpretação a partir de fontes, dos vestígios que foram deixados e dos apetrechos de que dispomos para os interpretar.
O que pensaria de mim quem abordasse os meus registos? Uma escrita triste e furiosa que não condiz com a felicidade emanada nos momentos registados visualmente...Pensaria que sou duas pessoas? Que sou desequilibrada? Ou pensaria que os registos mostram apenas parcelas de mim? E, se calhar, nenhuma completamente verdadeira...ou todas parcialmente verdade. Como se chega à verdade sobre uma pessoa por aquilo que ela nos deixou de si mesma? Depois de tanta seleção criteriosa...      
Que registos fazemos; que registos deixamos; que registos eliminamos...
Que registo fazemos de nós próprios?

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Para que conste

Se me deixares, eu digo



Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente;
E, neste mundo de enganos,
Fala verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado comigo,
Não procures ser ausente:
- Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.

António Botto (1897-1959)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Problema Comum

As minhas férias começam hoje.
Ontem, ao fim do dia, comecei uma tarefa que me está a causar muitos engulhos: procurar um novo apartamento.
O problema é que eu adoro a minha casa (adoro de paixão) e que o único problema que ela tem é estar a ficar velha e precisar de obras que, não sendo complementadas com uma intervenção séria no prédio, vão servir para eu fazer uma despesa muito grande e não ficar bem servida.
Assim, eivada de bom senso, compreendi que deveria procurar novo poiso, mas...quero um igual a este. E não há. Obviamente. Talvez não esteja assim tão eivada de bom senso.
Penso que o que me está a acontecer com a casa, acontece com muitos casamentos: eu não quero um outro equipamento, só queria que o que adquiri não perdesse qualidade.
E parece-me um problema comum, mas sem remédio.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Eu própria duvido disto, mas achei bonito

Não me corte em fatias.
Ninguém consegue abraçar um pedaço.
Me envolva todo em seus braços
e eu serei o perfeito amor.

Mário Quintana
 
Eu própria é uma expressão algo irritante, que me aborrece assim que a profiro...Claro que não há eu imprópria. Eu, sou sempre própria! Porque é que dizemos isto?
 
Esta não é a minha melhor fatia. Poderá ser esquecida no todo do abraço. Talvez um abraço por alguém maior, que me envolva de tal maneira que eu não consiga falar. Aí, talvez fique menos irritante...
 
Mas, bom (bom, mesmo) era que me  abraçasse de tal maneira que eu não conseguisse pensar.
Só por um bocadinho, pronto.
Mas era...

sábado, 14 de julho de 2012

É a que nos salva...Ainda funciona?

SÊ O MELHOR DO QUE QUER QUE SEJAS

Se não podes ser um pinheiro no topo do outeiro
... Sê um matagal, em baixo, no vale
Mas sê o mais denso da margem do ribeiro
Sê um arbusto, se não puderes ser a árvore mãe
E se arbusto for impossível, sê a relva do caminho
A fazer mais feliz quem lá vem.
Se não podes ser peixe grande, mas apenas peixe do rio
Sê o peixe mais vivo e fugidio.
Não podemos ser todos capitães, temos que ser tripulação
Algo nos espera, é certo.
Tarefas não faltam, o trabalho é que é pouco
Comecemos pelo que está mais perto.
Se não podes ser auto-estrada, sê um caminho
Se não podes ser o sol, sê uma estrela.
Se ganhas ou perdes, não é pelo pergaminho
Sê o melhor do que quer que sejas

DOUGLAS MALOCH, in BE THE BEST OF WHATEVER YOU ARE (The Scott Dowd Co., Chicago, 1926), tradução de CARLOS CAMPOS

Encontrei este poema no Facebook e lembrei-me que eu costumava dizer uma coisa semelhante aos meus alunos quando terminavam o 9º ano: "Sejam limpa-chaminés ou ministros da economia, sejam os melhores daquilo que fazem. Porque não pode haver boas reuniões à lareira, para tomar boas decisões (em economia, por exemplo) se as chaminés não estiverem bem limpas. Tudo se complementa e não há profissões mais ou menos importantes, pena é que os ordenados não reflitam isso. Por isso: escolham com o coração a vossa profissão e desempenhem-na sempre com o máximo de empenho e qualidade." Qualquer coisa assim...
Os exemplos eram de facto sempre estes: o limpa-chaminés e o ministro da economia; o que, só por si, poderia dar um interessante estudo sobre as razões (conscientes e inconscientes) desta escolha, os valores que lhe estão subjacentes, os conceitos de classe, profissão, etc.
De repente, tive um sobressalto: Eu este ano não lhes disse isto!
Depois, sosseguei-me: Eu este ano não tinha 9º ano. Não me "despedi" verdadeiramente deles.
Mas é que ficaram tantas sensações amargas este ano...
Não é a melhor altura para decidir isto, porque estou exausta e desesperada ainda com as tarefas burocráticas, mas creio que este terá sido o ano mais difícil que tive ao nível profissional.
Ontem chegou um mail do SPGL a anunciar todas "as pioras" que chegarão no ano que vem...que é já daqui a nada.
Senti que não tinha capacidade para as compreender e encaixar.
Não aguento muito mais.
Sinto que fui enganada e que uns ministros que têm cursos com 10 e 11 no seu currículo estão a tentar formatar este país à sua imagem. Que visão aterradora!
Não sei o que vou fazer. Queria voltar a ser a professora que dá atenção aos seus alunos: mas eles são tantos que eu verdadeiramente não os conheço, não os distingo...Está tudo tremendamente errado. A informática que deveria deixar-nos tempo para outras coisas veio atulhar os dias (e as noites, e os fins de semana)  de mails com instruções e tarefas que, se não matam árvores, destroem vocações.
Sinto-me sufocada.
Qualquer memória de uma desatenção para com um aluno me põe em lágrimas.
Tenho muito medo pelo ano que vem. E eu costumava ser uma pessoa de coragem.
Talvez o poema, aqui guardado, me ajude a não me esquecer que tudo isto teve um princípio muito bonito, que é preciso recordar, não perder de vista, revisitar...
E é sempre a Esperança.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Um dia assim...

Azul
(em memória de Sophia)

Cega-te a luz do sol - nunca te esqueças
deste dia sem fim:
no horizonte nascem as promessas
e hás-de ficar assim,


à espera de um milagre que te fale
com a voz de uma sereia
até te libertar de todo o mal
e deixar sobre a areia


o gesto inconsolável de algum deus
desfeito já na espuma
dos sonhos que algum tempo foram teus
ou das nuvens que fogem uma a uma.


cega-te a luz do dia - sobre o mar
um azul que não sabes decifrar.

Fernando Pinto do Amaral

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Colapso

Dantes, em cada final de ano letivo, sentia que "estava por um fio".
Receio por mim, agora que me sirvo do Wi-Fi.

Estou tão cansada! Penso, em sobressalto, "dantes não me cansava tanto".

O Espelho




Esse que em mim envelhece

assomou ao espelho

a tentar mostrar que sou eu.



... Os outros de mim,

fingindo desconhecer a imagem,

deixaram-me a sós, perplexo,

com meu súbito reflexo.



A idade é isto: o peso da luz

com que nos vemos.

 
Mia Couto

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Livros

"É que eu sempre usei livro pra tudo...
Pra saber ler,
Pra altear pé de mesa, 
Pra aprender a usar a imaginação,
Pra enfeitar sala, quarto, a casa toda,
Pra ter companhia dia e noite,
Pra aprender a escrever,
Pra sentar em cima,
Pra rir, pra gostar de pensar,
Pra ter apoio num papo,
Pra matar pernilongo,
Pra travesseiro,
Pra chorar de emoção,
Pra firmar prateleiras,
Pra jogar na cabeça do outro na hora da raiva,
Pra me-abraçar-com, pra banquinho pro pé.
Eu sempre usei livro pra tanta coisa,
que a coisa que mais me espanta
é ver gente vivendo sem livro."
Lygia Bojunga, Feito à mão

terça-feira, 3 de julho de 2012

"É que hoje fiz um amigo
e coisa mais preciosa no mundo não há"

Sérgio Godinho

A Pedra

"O distraído, nela tropeçou,
o bruto a usou como projétil,
o empreendedor, usando-a construiu,
... o campônio, cansado da lida,
dela fez assento.
Para os meninos foi brinquedo,
Drummond a poetizou,
Davi matou Golias...
Por fim;
o artista concebeu a mais bela escultura.
Em todos os casos,
a diferença não era a pedra.
Mas o homem."

Antonio Pereira Apon

domingo, 1 de julho de 2012

Alegria

"Vou te dar alegria
Eu vou parar de chorar
Eu vou raiar um novo dia
Eu vou sair do fundo do mar
Eu vou sair da beira do abismo
E dançar e cantar e dançar
A tristeza é uma forma de egoísmo
Eu vou te dar, eu vou te dar, eu vou...
Eu vou te dar alegria
Eu vou parar de chorar
Eu vou raiar um novo dia
Eu vou sair do fundo do mar
Vou sair da beira do abismo
E dançar e cantar e dançar
A tristeza é uma forma de egoísmo
Eu vou te dar, eu vou te dar, eu vou...


Hoje tem goiabada
Hoje tem marmelada
Hoje tem palhaçada
O circo chegou
Hoje tem batucada
Hoje tem gargalhada
Riso, risada de meu amor."

Maria Bethânia

Hoje apercebi-me de que aquilo de que sinto mais falta, quando não amo, é da vontade de dar alegria a alguém. Essa é a minha missão quando amo.