domingo, 30 de agosto de 2015

Sem título

"A vida é uma originalidade. Por mais planos que façamos, estaremos, subitamente, num ponto mudado, até irreconhecível. Seremos constantemente confrontados com a necessidade de dar provas, a começar perante nós mesmos, acerca da manutenção da dignidade e da boa vontade. Quando as coisas mudam, vemo-nos desamparadamente novos, vagos na identidade, porque afinal as convicções eternas morrem. Tendemos a ver demasiado o presente como se fosse tudo. Mas o presente a todo o tempo morre também. Nós somos sobretudo o ímpeto entre isto e outra coisa."

Valter Hugo Mãe, O Senhor Emílio in Público, 30/8/2015

domingo, 23 de agosto de 2015

Palavras colhidas no Face

"amo as palavras na sua sensualidade cheia de curvas, bocas apelativas...
amo as palavras no silêncio de serem ecos do infinito que me 
habita e me persegue como uma sombra de mim...
amo as palavras porque rasgam as minhas vontades no desejo de se exprimirem, porque com elas questiono a vida, me amortalho, me transcendo, me perco entre nuvens...
amo as palavras porque elas me habitam sem pecado, porque me fazem chegar ao outro lado do mundo..."


Margarida Vieira (a publicar)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O Tempo mudou o próprio Tempo

"Como diria o conhecido pensador francês Paul Virilio, já não vivemos na época da velocidade, mas do instantâneo. Um tempo único que elimina a espera, a transição, o intervalo, a reflexão. Num mundo assim talvez seja urgente formular novas noções de tempo. É isso que tem vindo a acontecer nos últimos anos."

Tempos Modernos

"Na obra Non-Stop Inertia, o psiquiatra inglês Ivor Southwood reflecte sobre as contradições dos últimos anos nas sociedades ocidentais, argumentando que a cultura do trabalho temporário, a fragmentação, ou a velocidade dos meios de comunicação digitais nos fazem acreditar que estamos sempre em movimento. Mas é um movimento sem nexo, sem destino. É uma acção paralisante que, muitas vezes, apenas leva à fadiga crónica ou à depressão."

extraído do artigo «Slow Mouvemente: trabalhar menos, trabalhar melhor", da autoria de Vítor Belanciano, que foi publicado no Público de 16 de Agosto de 2015.

Nesse mesmo artigo aprendi que existe uma organização Movimento Slow em Portugal, dirigida por uma antropóloga social: Raquel Tavares. 

Ter Coragem de Ter Medo

"Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus."

Clarice Lispector, Um Sopro de Vida

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

O único poema de Fernando Pessoa que li na escola (como aluna) e que, de repente, se plantou no meu espírito

A criança que fui chora na estrada.

I
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.

Fernando Pessoa