terça-feira, 28 de agosto de 2012

Micro Conto Roubado

"Quando chegou a casa, estranhou o silêncio e a escuridão. Em cima da mesa da cozinha estava um bloco de notas e neste estava escrito: “Amilcr, não consigo continuar. Só pensas em ti. O teu egoísmo sufocou-me, necessito respirar”. Sentou-se no sofá e de olhos cravados no tecto, deixou os pensamentos orbitarem pela sala. Não conseguia compreender como é que ela, uma professora primária, se tinha enganado a escrever o nome dele."

in https://www.facebook.com/#!/microcontos

Figuras de Praia

De manhã cedo, quando eu partira para um passeio na praia, aquele era o único café aberto. Uma barraquita de praia, com a publicidade da Olá; o homem alugava também toldos e cadeiras. O café era de máquina, daquelas que agora toda a gente tem em casa, e servido em copos de plástico. O homem, aí uns 50 anos, olhos esverdeados vivaços que se destacavam numa pele tisnada, movia-se com uma ligeireza apreciável num Algarve de gente indolente e com pouco brio no serviço. O café apareceu rápido e fumegante.
- Então e não quer mais nada? - os olhos de gaiato pedinchão - Uma bolinha com creme, acabadas de chegar...?
- Não...não, obrigada.
- Não sabe o que perde! - disse com ar de vendedor que sabe cativar o freguês.
De facto eu tinha visto chegar as bolas. Dois tabuleiros de plástico, carregados pelo moço que me precedera na passadeira de madeira que dava acesso à praia.
Paguei, segui o meu caminho, dizendo que talvez depois...
Mas, a insistência do vendedor, o seu ar gaiato ou a boa surpresa de ver alguém mexido e expedito pela primera vez, já no meio da semana de férias, não me deixou arrumar o pensamento. Ou mesmo a gula por uma bola fofinha, tradição de praia que não compreendo, mas engulo sempre com prazer.
O que é certo é que o meu passeio, uma hora e meia depois, acabou mesmo ali, em busca das anunciadas bolas e para repetir o saboroso café, enquanto beneficiava de uma sombra, mantendo os pés na areia. Já não foi o homem que me serviu, mas sim uma senhora simples, de cabelo branco e ar bondoso, que deveria ser a esposa.
Tinham mais ar de alentejanos que de algarvios, pensei.
O homem conversava adiante, com dois homens que estavam à sombra do seu toldo a vender conquilha. Apeteceu-me ir falar com ele: - Vê? Eu não lhe disse que voltava? Àquela hora não tinha fome, mas fiquei cá a pensar no assunto...e já está. Estava muito boa, mesmo.
- Gostou? Isso é que é preciso. - Ele tinha mesmo um ar matreiro que parece ter-se reforçado quando acrescentou - Mas agora limpe a boca que escusam de ficar todos sabendo. - E estendeu-me um guardanapo.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Efeméride Pessoal

Faz hoje exatamente dois anos que entreguei na Universidade a minha tese de doutoramento.
Foi uma longa e gratificante caminhada cujo términus quis associar ao dia de S. Bernardo, o chefe da Ordem de Cister, conhecido pela sua inteligência e persistência no trabalho, quer intelectual quer manual.
A Ordem de Cister está associada à independência de Portugal e ao estabelecimento de diversos mosteiros, que se tornaram centros de desenvolvimento.
Foi um dia muito feliz que me apraz hoje - em plenas férias - recordar.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Facebook

Espelho mágico
espelho meu
quem há no mundo
que gosta d'eu

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cor de granizado de framboesa para este Verão.

Pisca-pisca

- Olá Professora! Julgava-a de férias... - o pessoal da oficina do meu carro é muito afável, é sempre muito agradável ir lá.
- Ah...então vocês não souberam que eu perdi o meu companheiro de férias? - disse com ar circunspecto.
Fez-se um silêncio incomodativo e mesmo alguns clientes olharam para mim com espanto.
- Companheiro? Mas... - o Sr. Américo recompôs-se - A senhora sabe que aqui não queremos saber das vidas particulares - Mas lá no fundo pairava um certo espanto. Eu aparecia sempre sozinha; uma das coisas maravilhosas do serviço deles é tratarem o meu carro com o carinho de um órfão de elemento masculino em casa.
- Oh, mas como foi tão falado... - insiti eu, fazendo um grande esforço para me manter séria
- Falado...mas, foi acidente? Não me recordo de nada...
- E que acidente! - e já não consegui manter mais a brincadeira - Desde que fiquei sem o subsídio de férias há um vazio enorme na minha vida. Nem consegui ir para lado nenhum.
Os homens atrás do balcão riram com muito gosto: - Ah, professora. E nós aqui preocupados. Brincalhona!
Mas notei o ar abespinhado de um senhor, cliente, lá no canto do balcão. Seria falta de sentido de humor? Teria estado a passar em revista os seus conhecimentos de quadrilhice a ver em quais eu me enquadraria? Ou teria mesmo perdido alguém e não suportava brincadeiras relacionadas com isso?
Às vezes penso que a boa disposição de uns pode mesmo ser agressiva para outros, dependendo das circunstâncias. Fiquei um bocadinho incomodada, mas lá prossegui a conversa até saber que o barulho estranho do meu «pisca» se destinava a avisar-me que havia uma lâmpada fundida. É uma coisa que um companheiro de férias - que não o subsídio - teria concluído sem ajuda, mas que os afáveis mecânicos se prontificaram a resolver à Sra. Professora, como sempre.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ops!

"Ela já tinha a sua sala no deprtamento comercial há mais de um ano quando recebeu aquela chamada.
Viu que o telefone era interno, mas nada no visor indicava a sua proveniência. Atendeu.
- Estou?
- Ainda bem que está colega. É o telefonema inaugural deste telefone.
- Jorge! - gritou entusiasmada. Pensou, mais tarde, que tinha gritado num tom demasiadamente alto, mas estava sozinha no seu espaço.
O Jorge tinha entrado para a secção de vendas pouco depois dela. Tinha uns olhos azuis que a deixavam um bocadinho desorientada, mas nunca lhe dera a mínima esperança, recusando polidamente a maior parte dos seus convites para «um cafezinho» ou «um copo logo à noite», até ela ter desistido. Conversavam bastante enquanto colegas e respeitavam-se mutuamente como dois bons profissionais.
Entretanto ela tinha sido promovida e passaram a ver-se menos. Ele não fazia parte da equipa de vendedores que ela supervisonava e cada vez as suas passagens pelo balcão de vendas eram mais espaçadas. No início tinha a preocupação de mostrar que não tinha mudado por ter sido promovida e passava diariamente para cumprimentar os colegas com quem tinha privado nos últimos três anos. E não mudara, mas as funções eram outras. O trabalho apertava e a questão foi-se diluindo entre muitas outras coisas. Faziam questão de a convidar para um ou outro evento esporádico dos vendedores - um jantar de Natal, a festa para entregar a prenda dos gémeos que a Yolanda acabara de ter - e ela sentia-se feliz por isso, mas, na realidade, outras funções e outras rotinas tinham-na afastado dos anteriores colegas, sabendo que não havia mágoa ou mal entendidos entre eles.
Há bastante tempo que não pensava no Jorge e nos seus olhos azuis, no branco do seu sorriso e no sobrolho franzido de desaprovação em diferentes ocasiões. Nos primeiros tempos tinha frequente vontade de o convidar para um cafezinho, mas sentia que não devia. Se ele não queria, não tinha por que insistir. Mas ficara-lhe aquela vontade contrariada, a sensação de que poderia ter sido bom...um frustraçãozinha, que não deixava de ser excitante sempre que se lembrava dele. Talvez por isso aquele grito de surpresa e satisfação mal medido.
- De onde estás a telefonar?
- Da minha sala, colega - disse ele, enfatizando a última palavra. 
- A sério? 'tás cá em cima? - a satisfação era genuína
- 'Tou, pois. Fiquei com a sala e a equipa do Figueira, que sempre foi para a reforma. Cheguei hoje e esta é a primeira chamada do meu telefone, meu te-le-fo-ne. Ena, isto sabe mesmo bem.
Ela sorriu - Vaidoso! Vá...tu mereces. Fico muito satisfeita por ti. - uma pausa, hesitação e... - E por mim, também. Que recuperei o meu colega.
- Sem dúvida, moça. Agora tenho de ir trabalhar. Ver como isto é cá em cima, para não fazer má figura.
- Claro que não fazes. Se precisares de alguma coisa...
- Obrigada. Agora tenho mesmo de ir. Porta-te bem - terminou em tom afável
- Bom trabalho!  E parabéns.
Sem saber de onde saiu-lhe assim que deixou o telefone - Espero portar-me bem por pouco tempo agora que estás cá em cima.
Clic!
Ah..Era o som do telefone a desligar? N-nãoooo. Ele ainda não tinha desligado? Na-não devia ter ouvido...Porquê se tinha o telefone ligado? Ah..."

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Páginas Tantas

"Já ninguém sabia há quanto tempo ele "vivia" dentro de livros. Usava sempre um livro à frente do rosto, como os atores gregos usavam a sua máscara.
Os pais tentaram alertar para aquele comportamento esquisito do filho, certamente fruto de uma qualquer perturbação psicológica, mas a mulher e o filho não parecerem muito sensíveis à necessidade de agir. E as coisas foram continuando.
Ele próprio já não se questionava muito sobre isso. Lembrava-se vagamente que começara a sentir-se aflito com a quantidade de informação que achava que devia abosorver e como se sentia frequentemente pensando que falar com as pessoas era uma perda de tempo. Deve ter-se tornado um sentimento permanente e concentrou-se totalmente em ler, ler tudo o que podia. Lia a andar, a comer e só não lia a dormir porque não podia, mas tinha a certeza que esse tempo era utilizado para organizar informação na sua cabeça.
Devia ter começado a falar sozinho, melhor, com o livro que lhe servia de máscara em cada dia, mesmo sem se aperceber. Ou talvez fosse a primeira vez...O que é certo é que naquele dia, enquanto comia (e lia, claro) lhe saiu a interrogação:
- Será que intelectual de esquerda é uma redundância?
- O que é isso, de esquerda? - perguntou desinteressado o filho
- O que é redundância? - perguntou áspera a mulher
Retirou por momentos o livro da frente do rosto e contemplou os seus interlocutores. Encarou dois rostos incomodados, como se o culpassem de ter saído do seu mundo.
Recolocou a máscara no rosto e utilizou mais uma garfada do prato que estava quase cheio à sua frente."

Porque hoje é Domingo

"Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!"

Mário Quintana

sábado, 11 de agosto de 2012

Praia Em Segunda Mão

"Agora dava-lhe para ficar assim...triste, a sentir-se sozinha...sem razão nenhuma.
Não queria admitir, mas tudo isto começara desde que soubera que o João se divorciara. O João era um «rapaz da sua idade» que trabalhava há anos no escritório em frente ao seu. Sempre o achara simpático e «bem apessoado» desde que ele começara a frequentar o mesmo elevador que ela. Mas - a sua ética era sem dúvida essa - o João era casado. Uma ou outra vez tinha-o visto a reunir-se à esposa perto do prédio dos escritórios. Não lhe parecia mal...Tinha uns longos cabelos escuros que exibia abanando com um ar um bocado 'coquette'. Nunca tinha pensado muito sobre a questão. Mas o certo é que quando o encontrava no elevador, nos corredores ou no self-service ali perto não deixava de pensar que a sua presença embelezara o espaço e acrescentara qualidade de vida a quem por ali trabalhava; a ela, pelo menos.
Um dia o João começou a andar desleixado, mal arranjado, olheirento, nervoso. Os «bons-dias» eram mais curtos e formais que o normal e ela accionou um estúpido instinto de proteção que dormia lá dentro, assim, sem ela saber e que voltou a ligar as luzes todas da sua vida.
Ele acabou por conversar um pouco com ela e foi assim que soube que, de facto, o rapaz atravessava uma crise e que o casamento estava por um fio. "Felizmente não temos filhos - murmurou ele como quem faz o inventário dos danos e perdas após uma catástrofe e procura consolar-se com o que não foi destruido." Mas o que é certo é que ele devia gostar muito dela, ou da vida de casado e que não se recuperou facilmente.
Voltou a andar alinhadinho, mas perdeu o brilho. Até o seu perfume matinal - que ela gostav tanto de absorver discretamente no elevador - parecia ter ficado menos fresco, embora fosse o mesmo.
Uma vez ou outra tomavam café juntos, unidos na solidariedade de quem precisa conversar um pouco, mas mais nada para além disso.
Claro que quando ela o «viu» no Facebook não resistiu e pediu-lhe amizade. E ele aceitou, naturalmente.
Não conversavam, mas ela colocava prontamente 'likes' em todas as suas fotos e comentários e de vez em quando recebia também uns de volta.
Assim foi nesta tarde de domingo ensolarada em que ela se levantou do sofá para consultar mais uma vez a página do Face e encontrou uma foto linda de uma praia ali perto que ele acabara de partilhar a partir de um amigo que recolhia a casa depois do sol. "Tu e mais 2 pessoas gostam disto" adicionou o Face depois de digerir o seu 'like'.
Foi surpreendida pelo barulho da chave na porta. Era o filho que voltava da praia. "Estou cheio de sal, mãe - justificou, enquanto evitava o beijo da mãe"; "E de areia também - quase gritou ela - Livra-te de pôr os pés na carpete da sala!"
"Velha rabujenta - acusou ele em tom carinhoso - Toma lá uma bola com creme que te trago. Mas...só ta dou se me prometeres que a próxima vais comer lá na praia. Que coisa essa de ficares aqui! Se não gostas de areia podes ficar na esplanada. Estava cheia de velhos como tu."
O rapaz desapareceu rapidamente na casa de banho e deixou-a com a bola na mão. Desembrulhou-a, deu a primeira dentada. Hum! Ele tinha razão. Que estava ela a fazer em casa? À espera de quê? Sentou-se ao computador e acrescentou mais uns 'likes' em fotos da praia emprestada que o João continuava a 'postar'."

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

De tarde

Nesta tarde pardacenta, com um leve toque de embirração, sento-me no sofá e enceto um trabalho há muito adiado.
A casa tem um suave perfume de música celta.
A paisagem vai-se esfumando entre o livro e o caderno de apontamentos.
A caneta desliza leve sobre o papel.
Estou feliz.

"O Mistério da Estrada de Sintra"

Penha - Guimarães

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Com os olhos rasos do meu país

Fogo Preso - Festas Gualterianas em Guimarães, capital europeia da cultura