domingo, 25 de abril de 2021

Em Dia de Censo à Procura do Bom Senso

 Hoje preenchi os Censos 2021. E hoje é 25 de Abril.

E isto tudo acendeu na minha cabeça uma luzinha de antanho: uma vez que abri a porta a uma senhora e respondi a umas perguntas sobre as características da nossa casa.

Se eram uns censos? Não sei. Mas esse dia prolongou-se em mim por muitos anos e muitos medos.

A minha mãe (estranhamente) não estava em casa. Não sei precisar que idade teria: 12 ou 13...ou talvez um pouco mais ou menos. Não sei. Não consigo saber. Não deixei entrar a senhora mas respondi a todas as suas perguntas sobre quantas divisões tínhamos e quantas pessoas habitavam aquele andar alugado. A senhora agradeceu e foi-se embora. 

Quando a minha mãe chegou eu contei-lhe. Ela passou-se completamente! Que eu nunca deveria ter respondido! Que isso ia ser a nossa desgraça, porque agora que viam que éramos poucas pessoas numa casa grande iam trazer outras pessoas para morar connosco, para dividir o nosso espaço e nós não podíamos fazer nada para impedir e íamos ter que dividir as nossas coisas com pessoas que não conhecíamos. 

Sarnou-me tanto a paciência! Durante anos sentia um aperto nas entranhas ao lembrar-me dessa cena. 

Durante meses suava frio cada vez que batiam à porta, imaginando as várias pessoas que nos obrigariam a aceitar na nossa casa e como a minha mãe me ia culpar disso.

Logicamente as pessoas nunca vieram e eu creio firmemente que respondi a um inquérito nacional ou municipal, ajudando a criar as primeiras estatísticas da Liberdade. A construção e organização de um país novo, que também se conta em números, estatísticas, inquéritos e agora aplicações e formulários inteligentes.

Tive tanto medo! Nem era das pessoas que iriam viver connosco, mas do mal que eu tinha feito, de como tinha desiludido a minha mãe, de mais uma coisa (má) de que era culpada, de como o facto de ser desastrada e irreflectida ia afectar outras pessoas.

Tudo isto se relacionava com os mitos associados a uma via comunista para o nosso país. Com que a minha mãe até concordava, vamos lá perceber isto!

Hoje lembrei-me disto tudo, ao preencher os Censos, em dia de comemoração da Liberdade, em dia de ajudar o país a conhecer-se por estatísticas...em dia de uma ato de Cidadania, que traz consigo o sabor amargo de ser um preenchimento obrigatório, cujo incumprimento é sujeito a multas. E das pessoas terem medo das multas. E das pessoas fazerem as coisas por obrigação. E da Liberdade ser uma palavra cada vez mais oca, porque, ocupados que estamos com todas as obrigações, as proibições e o medo das retaliações, não pensamos por nós, não sabemos decidir, aceitamos sem pensar.

Nesta pandemia também tenho feito muitas coisas com que não concordo, mas que acho que devo fazer por ser obrigatório ou por não querer prejudicar ninguém.

E esse talvez seja o fio condutor desta narrativa: o de me encontrar na mesma, com o mesmo desamparo da adolescência a tentar fazer o que está certo, sem prejudicar ninguém e com medo de errar. Bolas, não era suposto ter crescido?