Lua adversa
"Tenho fases, como a lua
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha
Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu..."
Cecília Meireles (1901-1964)
9 comentários:
Desencontro
Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.
E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,
de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
— que mesmo o que se encontra não se encontra.
Jorge de Sena
(Miss, sabe bem que nós aqui somos um poço sem fundo, pode contar-nos os seus desencontros que apenas o resto do mundo saberá...
Além disso, tenha esperança, que a Lua muda de fase a cada 28 dias!)
A história dos meus desencontros dava um livro maior que a história dos meus encontros...ou não? Para haver desencontros tem de haver encontros? O que são desencontros: Encontros que se desentenderam ou encontros que nunca se entenderam?... Ou que nunca aconteceram? Ou são apenas os que estiveram para acontecer?...E todos os outros, de que nem suspeitamos que tenham alguma vez roçado o nosso destino?...
Seria uma história impossível a dos desencontros: suspeito que existem muitos mais do que aqueles que podemos inscrever na história, na nossa história, em toda a História.
Silêncio
Assim como do fundo da música
brota uma nota
que enquanto vibra cresce e se adelgaça
até que noutra música emudece,
brota do fundo do silêncio
outro silêncio, aguda torre, espada,
e sobe e cresce e nos suspende
e enquanto sobe caem
recordações, esperanças,
as pequenas mentiras e as grandes,
e queremos gritar e na garganta
o grito se desvanece:
desembocamos no silêncio
onde os silêncios emudecem.
Octavio Paz
Miss, sabemos que o óptimo é inimigo do bom. Portanto, não podendo saber de todos os desencontros, pelo menos podemos saber dos desencontros que contam — porque os que desconhecemos não os contamos, n’é?
Mas está no seu direito de se refugiar na História para não nos dizer mais do que a verdade oficial — afinal já estamos habituados, é isso que a História normalmente nos conta, omitindo os encontros e desencontros que a enformaram.
Não seja metediço, se faz favor!
(Ora aqui está uma palavra - quase esquecida - que é sempre bom ter à mão).
Vale-lhe de atenuante que o poema de Octávio Paz é lindo.
Boa noite.
Realmente, Miss, essa palavra tem que se lhe diga...
"Metediço" será o oposto de "metedaquilo"?
Ainda por cima, um dos sinónimos de "metediço" é "intrometido". Intro=dentro...
Acho que é muita areia para a minha camioneta.
Não perguntarei então mais nada sobre encontros e desencontros — mesmo que nos desencontremos nalgum encontro, nada comentarei. Apenas direi "Ah!" se nos encontrarmos nalgum desencontro — que os há capazes dos maiores encontros e até de encontrões, que por acaso não são encontros grandes, apenas encontros chocantes...
Quanto ao Octavio, já o usei por ele ter esse efeito pacificador — gracias a ele.
Os degraus
Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...
Mário Quintana
Beijito. Durma bem, sonhando com abóboras acaveiradas com velas ardendo dentro, onde antes havia pevides — que até podem estar no forno para aloirar...
Voltei para comemorar à minha maneira a noite de todos os bruxedos. Espero que não se assuste...
Parece que és bruxa
Se pegas na vassoura e aspiras
a voar pelos ares…
parece que és bruxa! Parece que és bruxa!
Se o céu está escuro e tu adivinhas
que não vai chover…
parece que és bruxa! Parece que és bruxa!
Se a dor de um amigo também tu a sentes
e não és indiferente…
parece que és bruxa! Parece que és bruxa!
Se me olhas nos olhos e estás mesmo a ver
o que me vai na alma…
parece que és bruxa! Parece que és bruxa!
Parece que és bruxa mas és só…
criança
e queres ter direito a sonhar;
a brincar um pouco mais no jardim;
a contagiar os outros com a tua alegria
e a nunca pôr limites à esperança…
parece que és bruxa mas és só...
criança.
João Alberto Roque
Não me assusto facilmente (pelo menos gosto de pensar assim).
Estamos muito espirituosos hoje, não estamos? (não detesta a mania que as pessoas têm de falar no plural? Grrr!)
Boa noite das bruxas, que eu prefiro os magos. Embora só me venha à memória o Mr. Magoo...deve ser miopia da lembrança!
Bem, Miss, depende do plural.
Do plural majestático não gosto: "Nós queremos que seja assim!", por "Eu quero, posso e mando!".
Do plural empurrativo ainda menos: "Vamos fazer isto?" por "Faz lá isso e cala-te!".
Do plural oposto a singular, tem dias, mas normalmente até gosto: "Juntos para a vida!"
Do plural sinónimo de pluricultural, de todos iguais nas nossas diferenças — desse sou acérrimo defensor.
Mas acho que todos nós, singulares pessoas, andamos sempre à procura de pluralizar uma parte da nossa vida de encontros e desencontros, não lhe parece?
«Sê plural como o universo!» — recomendava Fernando Pessoa, e ele era pessoa para saber dessas coisas.
Beijito.
Bem, reconheço agora que talvez seja excessivamente individualista: pois se não sabia que havia o verbo «pluralizar»...
Agora já vou dormir mais rica, pelo menos no plano lexical...
Beijito!
Enviar um comentário