segunda-feira, 24 de outubro de 2011

As Regras

E dizia-lhe eu, a propósito de uma qualquer contestação:
- Mas tu não vês que tens de cumprir as regras? As regras são para cumprir. Podemos discordar delas, mas não podemos deixar de as cumprir, sob pena de perdermos a razão...
Olhou-me nos olhos, com a expressão desafiadora de um jovem de 15 anos. Tinha crescido muito nestes três anos que vinha sendo meu aluno!
- Olhe, por acaso eu acho que tenho aprendido consigo é que muitos dos que foram importantes e mudaram isto para melhor, foram os que decidiram não cumprir as regras.

Discutimos sobre as diferenças entre Ditaduras e Democracias, do papel do correcto cumprimento das regras nas sociedades democráticas...mas o estrago estava feito: ele tinha atingido profundamente o meu coração porque me provou
  • que tinha aprendido algo comigo;
  • que percebera o que eu penso da História e dos momentos de ruptura e dos seus protagonistas.
Tínhamos dado as Revoluções Liberais no princípio do ano e, pelos vistos, o fim do Antigo Regime tinha sido compreendido como a fundação da contemporaneidade, com tudo o que isso teve de transformação para as sociedades ocidentais.

E não sabia ele (ou saberia sem saber?) que um dos problemas que eu coloquei aos formadores de Desenvolvimento Pessoal e Social foi: "Como é que acham que eu os vou convencer da necessidade absoluta de cumprir as regras e as ordens, se, de facto, os meus heróis são os que não se deixaram iludir por regras injustas e pensaram pelas suas cabeças, pelos seus critérios? Como lhes posso negar a grandiosidade da condição de proscrito de Robin dos Bosques?

Se calhar não posso mesmo!

Não fiquei convencida com a resposta "politicamente correcta" dos meus formadores. Nunca me atrevi a falar de Robin dos Bosques nas aulas. Mas duvido agora que os meus heróis não espreitem por cima do meu ombro durante as aulas e façam sinais aos meus alunos. A alguns, claro.

3 comentários:

Ninguém.pt disse...


Instrução primária


Não saibas: imagina...
Deixa falar o mestre, e devaneia...
A velhice é que sabe, e apenas sabe
Que o mar não cabe
Na poça que a inocência abre na areia.

Sonha!
Inventa um alfabeto
De ilusões...
Um a-bê-cê secreto
Que soletres à margem das lições...

Voa pela janela
De encontro a qualquer sol que te sorria!
Asas? Não são precisas:
Vais ao colo das brisas,
Aias da fantasia...


Miguel Torga

Vê-los crescer e ganhar asas, ouvi-los dar-nos lições com palavras que lhes dissemos, vê-los maiores do que o sonho — que melhores medalhas pode ter uma mestra, Miss?
Parabéns!

Beijito.

Beijito, mestra.

Ninguém.pt disse...

A questão das regras, da sua justiça e da vantagem de as cumprir ou de lutar pela sua modificação é discussão sempre suscitada quando estamos perante pessoas que pensam pela sua própria cabeça — uma perigosa espécie cuja propagação "felizmente" está mais ou menos controlada pela "educação" da escola e dos meios de comunicação...

O limite entre o dever de cumprir regras e o dever moral de as contestar acho que se encontra na resposta àquela perguntinha que nos livros policiais nos leva a descobrir o culpado: "quem beneficia?".

Se a subversão das normas instituídas apenas serve o infractor, a sua família, a sua tribo — então essa recusa de cumprimento das regras não é correcta. Por outro lado, se o benefício colectivo for apenas temporário e, passado um tempo, se transformar em prejuízo, então a subversão das regras não é justa nem legítima.

O Robin seria um mero ladrão se usasse o produto dos roubos para se enriquecer a si próprio, por muito iníquo que fosse o roubado — não lhe parece, Miss?

De igual modo, se durante algum tempo se liberalizasse o uso de tudo por todos, rapidamente o "benefício" inicial se transformaria em grave prejuízo colectivo — mesmo que acreditemos que esse colectivo apenas seguiria a tendência de equilibrar as posses de cada um (sabemos como acaba a história do macaco meando o queijo...), o que não é líquido que acontecesse.

Beijito.

Escrivaninha disse...

E depois existe a história do homem que assalta a farmácia porque não tem dinheiro para comprar o medicamento que iria salvar a esposa ou daquele filme protagonizado pelo Denzel Washington (de que não me lembro o título) em que o pai se mata no hospital porque não há um dador de fígado para salvar o filho...sei lá...há toda uma panóplia de dilemas (alguns usados para analisar como técnica de Desenvolvimento Pessoal e Social) que nos mostram que as regras e a sua inflexibilidade podem/devem ser ponderadas em face de cada caso. O que também não pode ser a regra, senão não havia regras e elas são precisas...
Ufa! É uma questão sem fim...como todas as questões morais.

Beijito, Mestre.