sábado, 12 de novembro de 2011

Mitologia

"Os deuses, noutros tempos, eram nossos
Porque entre nós amavam. Afrodite
Ao pastor se entregava sob os ramos
Que os ciúmes de Hefesto iludiam.


Da plumagem do cisne as mãos de Leda,
O seu peito mortal, o seu regaço,
A semente de Zeus, dóceis, colhiam.


Entre o céu e a terra, presidindo
Aos amores de humanos e divinos,
O sorriso de Apolo refulgia.

Quando castos os deuses se tornaram,
O grande Pã morreu, e órfãos dele,
Os homens não souberam e pecaram."

José Saramago  (1922-2010)

2 comentários:

Ninguém.pt disse...

Saramago fala dos deuses carregados humanidade (a havê-los, era assim que deviam ser, com virtudes e pecados…), Torga do humano deificado e/ou deificável que existe em cada um de nós:


Livro de horas


Aqui diante de mim,

eu, pecador, me confesso

de ser assim como sou.

Me confesso o bom e o mau

que vão ao leme da nau

nesta deriva em que vou.

Me confesso

possesso

das virtudes teologais,

que são três,

e dos pecados mortais,

que são sete,

quando a terra não repete

que são mais.

Me confesso

o dono das minhas horas

O dos facadas cegas e raivosas,

e o das ternuras lúcidas e mansas.

E de ser de qualquer modo

andanças

do mesmo todo.

Me confesso de ser charco

e luar de charco, à mistura.

De ser a corda do arco

que atira setas acima

e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo

que possa nascer em mim.

De ter raízes no chão

desta minha condição.

Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.

De ser um anjo caído

do tal céu que Deus governa;

de ser um monstro saído

do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.

Eu, tal e qual como vim

para dizer que sou eu

aqui, diante de mim!


Miguel Torga

Beijito, Miss.

Escrivaninha disse...

Tão lindo.
Uma das muitas formas de encarar (ou procurar?) o divino.

Beijito, Mestre.