sábado, 5 de novembro de 2011

Não há melhor mordaça que um cheque

O riso inteligente, que resulta de uma análise clara e independente de uma situação e que nos faz ver o ridículo de quem tenta meter-nos "Lisboa pelos olhos dentro" nunca é bem visto por quem manda.
Quem manda quer ser obedecido. Ponto.
Quando se pensa, se questiona, se reflecte, obedecer nem sempre é fácil, por vezes é mesmo impossível.
Numa Democracia a atitude deveria ser essa: obedecer - ou melhor, respeitar e cumprir (e as palavras são sempre significativas) - mas fazendo uso da capacidade de racicínio e usando o direito de intervenção nos locais apropriados para mudar o que está mal.
A Democracia dá muito trabalho. Dá trabalho a quem dirige, porque tem de explicar o que faz e saber aceitar as críticas; dá trabalho a quem cumpre, porque tem de pensar e decidir, envolvendo-se e fazendo por vezes parte da solução.
A crítica sempre está presente na sociedade. Mas há diferentes tipos de crítica: pode ser a crítica queixosa, estéril, puramente de chamada de atenção; pode ser uma crítica positiva, no sentido de apresentar as razões reflectidas da crítica e propôr, em simultâneo, perspectivas de solução, de mudança, de intervenção/partticipação de quem critica. Esta é uma crítica informada.
Este último tipo de crítica sempre beneficiou do trabalho dos humoristas. Um bom humorista é um crítico. Alguém que, pegando no lado caricatural das coisas, nos leva a ver os aspectos ridículos de certas situações. Uma boa crítica humorística consegue por vezes desmontar toda uma estratégia que visaria levar a opinião pública a aceitar certas coisas.
Esta é, a meu ver, uma boa forma de informação e intervenção na vida democrática.
Claro que não é admissível numa ditadura.
Em ditadura os humoristas eram controlados, perseguidos, por vezes eliminados.
Nesta democracia, que é muito diferente do meu conceito de Democracia, porque visa levar as pessoas a aceitar a omnipresença das decisões baseadas no capital e nas necessidades do capitalismo e dos capitalistas, o humor estava a incomodar muito. Mas não se pode eliminar. Não seria democrático e poderia até ser denunciado e dar mau nome a esta espécie de democracia.
O que se faz então? Aquilo que o capitalismo sabe fazer de melhor: compra-se!
São óbvias as "incorporações" por empresas públicas das poucas vozes inteligentes do humor português: Os Gato Fedorento estão ao serviço da PT, os outros constituiram recentemente "a Troika" ao serviço da CGD.
Os dinheiros públicos asseguraram o conforto dos humoristas, acalmaram a sua sede de crítica, eliminaram as suas vozes informativas. Principescamente pagos, estes humoristas desistiram do seu papel, vendidos à sociedade capitalista e ao poder do capital.
Devido ao empobrecimento da educação (que voltará a médio prazo à ditadura dos conteúdos, absorvidos para serem vomitados em exames dos conhecimentos estruturantes que levarão o país a um lugar decente nas estatísticas internacionais) e ao esgotamento dos trabalhadores (assoberbados por burocracias e assediados pelo medo do despedimento) em breve não se notará, em Portugal, a falta da crítica humorística.
Claro que o humor não desaparecerá: isso poderia soar a ditadura! Mantem-se uns quadros boçais e os programas de gargalhada fácil, nada que estimule o pensamento e possa despertar consciências.
Sai caro, mas evita críticas, acalma os ânimos, satisfaz a população e é um bom uso dos dinheiros públicos. Silenciando toda e qualquer oposição - que se cala voluntariamente - o capitalismo sai, mais uma vez vencedor, provando "que todo o homem tem um preço" e que, em liberdade, não há melhor mordaça que um cheque. Assim, o que foi passado ao humor português foi um cheque-mate!

2 comentários:

josé luís disse...

cento e dez porcento de acordo!

Escrivaninha disse...

Obrigada.
Sinto-me, frequentemente tão isolada...