domingo, 16 de outubro de 2011

À saúde da Memória!

Tenho andado triste e preocupada com o que se está a passar em Portugal, na Europa, no Mundo.
Até aqui não parece uma grande declaração, pois o espanto ou a originalidade seria o contrário.
Mas por dever de ofício e por sentido de missão, e por um qualquer juramento de Heródoto que inconscientemente fiz há muito tempo, tenho andado particularmente preocupada com o ensino da História, com o futuro da memória das novas gerações.
Isto tem sido de tal forma grave que frequentemente ao fim do dia receio sucumbir aos maus pensamentos e ao desânimo, temo tornar-me fria e cínica neste ofício de educar consciências.
Hoje, à hora do noticiário, foi um desses momentos: sentada confortavelmente no sofá absorvia as notícias sobre as manifestações dos indignados, fustigando-me mentalmente por não ter participado, por estar quase a abandonar a esperança na força do povo, das massas, da democracia.
Hesitei, após o jantar, sobre ir ou não, ao Armazém das Artes assistir ao espectáculo intitulado “Rondó da Carpideira: Tributo aos registos etnográficos «Povo que canta» de Michel Giacometti.” Por fim lá fui, considerando que o meu apoio como telespectadora aos indignados não beneficiava ninguém.
A sala não estava muito cheia ao princípio, mas o ambiente foi-se compondo. Por fim instala-se aquela quietude que antecede «o momento». Mestre José Aurélio, o anfitrião, apresentou o espectáculo, situando-o na sua qualidade de tributo ao etnólogo italiano, que conhecera pessoalmente, que se dedicou à recolha empenhada do património etnográfico e antropológico português e cujo pretexto para o evento de hoje era a sua chegada a Portugal, há 52 anos atrás.
O Mestre abandona o palco, os músicos instalam-se, as imagens a preto e branco dos registos cinematográficos surgem projectadas nos écrans e no próprio piano. A partir daí tudo foi magia e emoção, num “espectáculo multi-disciplinar (…) servindo o vídeo como base estrutural para um concerto em que a interacção entre os músicos e os intervenientes do filme de Giacometti é primordial.”
O tempo voou a toque de emoção, pelo momento, pelo espaço, pelas evocações, pela presença do povo português todo, ali assim, convocado com firmeza pelo espantoso José Aurélio, que a dada altura do espectáculo se sentou na cadeira mesmo ao meu lado. A força que emanou daquela vizinhança restaurou-me a esperança, a capacidade de me emocionar, de acreditar…
O espectáculo terminou. Os jovens que rodearam os músicos no final (muitos deles também artistas) não conheceram Michel Giacometti, pois só o meu e mais um ou dois comentários salientaram, para além da excelência da música, a beleza da homenagem.
Dirigi-me ao bar, sozinha. Pedi uma ginja de Alcobaça e brindei, mentalmente, à saúde da memória, “que nos há-de guiar à vitória”.

Notas adicionais: As citações são do programa das actividades do Armazém das Artes para o último trimestre deste ano; parte da recolha de Michel Giacometti (sobretudo a que se refere a alfaias agrícolas) pode ser vista no Museu do Trabalho Michel Giacometti, em Setúbal.

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