Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
Sombra dos mortos, maldição dos vivos. Também nós... Também nós... E o sol recua. Apenas o teu rosto continua A sorrir como dantes, Liberdade! Liberdade do homem sobre a terra, Ou debaixo da terra. Liberdade! O não inconformado que se diz A Deus, à tirania, à eternidade.
Sepultos, insepultos, Vivos amortalhados, Passados e presentes cidadãos: Temos nas nossas mãos O terrível poder de recusar! E é essa flor que nunca desespera No jardim da perpétua primavera.
Miguel Torga
Um bom Dia da Liberdade, que até as Escrivaninhas têm direito!
Certa manhã ia eu pelo caminho pedregoso, quando, de espada desembainhada, chegou o Rei no seu carro. Gritei: — Vendo-me! O Rei tomou-me pela mão e disse: — Sou poderoso, posso comprar-te. Mas de nada lhe serviu o seu poder e voltou sem mim no seu carro.
As casas estavam fechadas ao sol do meio dia, e eu vagueava pelo beco tortuoso quando um velho com um saco de oiro às costas me saiu ao encontro. Hesitou um momento, e disse: — Posso comprar-te. Uma a uma contou as suas moedas. Mas eu voltei-lhe as costas e fui-me embora.
Anoitecia e a sebe do jardim estava toda florida. Uma gentil rapariga apareceu diante de mim, e disse: — Compro-te com o meu sorriso. Mas o sorriso empalideceu e apagou-se nas suas lágrimas. E regressou outra vez à sombra, sozinha.
O sol faiscava na areia e as ondas do mar quebravam-se caprichosamente. Um menino estava sentado na praia brincando com as conchas. Levantou a cabeça e, como se me conhecesse, disse: — Posso comprar-te com nada. Desde que fiz este negócio a brincar, sou livre.
Rabindranath Tagore (tradução de Manuel Simões)
Como diz outro poeta: «Ser livre é poder escolher a sua própria prisão.»
4 comentários:
Em 1958, Torga descrevia assim o que só viríamos a possuir 17 anos depois, «O não inconformado que se diz a Deus, à tirania, à eternidade.»:
Flor da Liberdade
Sombra dos mortos, maldição dos vivos.
Também nós... Também nós... E o sol recua.
Apenas o teu rosto continua
A sorrir como dantes,
Liberdade!
Liberdade do homem sobre a terra,
Ou debaixo da terra.
Liberdade!
O não inconformado que se diz
A Deus, à tirania, à eternidade.
Sepultos, insepultos,
Vivos amortalhados,
Passados e presentes cidadãos:
Temos nas nossas mãos
O terrível poder de recusar!
E é essa flor que nunca desespera
No jardim da perpétua primavera.
Miguel Torga
Um bom Dia da Liberdade, que até as Escrivaninhas têm direito!
Obrigada, Mestre.
Para si também: "Liberdade, no jardim da perpétua primavera."
O último negócio
Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.
As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.
Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.
O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.
Rabindranath Tagore
(tradução de Manuel Simões)
Como diz outro poeta: «Ser livre é poder escolher a sua própria prisão.»
Isso não é prisão, é apego, que rima com aconchego...
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