sexta-feira, 23 de abril de 2010

Hoje escrevo para dizer que não escrevo

Andei o dia todo - nos pedacinhos livres - a pensar no que havia de escrever aqui hoje. Todos os assuntos me pareciam inapropriados ou sob uma abordagem entediante.
Claro, eu sei que não tenho de escrever (o tenho estava sublinhado, viram?), mas já me sinto na obrigação de o fazer.
Obrigação, não, se formos honestos, a obrigação é mesmo só com o meu ego, que tem esperança de se saber lido, comentado, merecedor de atenção. (Porque é que não há uma palavra feminina para ego? Fazia todo o sentido).
Enfim, como quero muito encontrar um assunto e uma prosa merecedora de comentários elogiosos - zás! - bloqueei.
Armada em estrela, achei que não tinha material para manter o nível. Pfff! Até para mim estou a ficar insuportável e, como diz aquele anúncio «se eu não me suportar, quem me suportará?». Creio que não é bam assim, mas a adaptação não saiu mal.
Bem, então, recordei-me de uma crónica magnífica de Carlos Drummond de Andrade, escolhida pelos escritores do Sinusite Crónica para o início e o fim desse blogue, de que eu tanto gostava.
Como não tenho a mesma arte do Drummond de Andrade e qualquer imitação seria de mau gosto, «postei» a crónica toda no Salvo Seja - que vos convido a ler - e vim aqui só para dizer que hoje não escrevo.

11 comentários:

Ninguém.pt disse...


Não é para contar uma estória que tu escreves


Não é para contar uma estória que tu escreves
e eu pinto
nem para nos apontarem a dedo que limamos
o bico aos pregos no avesso do mundo, nem a terra
é o centro deste. O universo não usa
adereços de cena
nem liga a espelhos. Tem mais que fazer
que nos copiar e tão-pouco ao fado pois ele é
velho, não tem dentes, e tresanda
ao ranço de uma açorda
salgada e sem coentros.


Júlio Pomar

Sim, apoiado, não é só para contar estórias... Há que pensar nos fás, nas responsabilidades da fama! Não queira ficar apenas com os louros...

A Escrivaninha não escrever é quase tão mau (ou mais?) que uma açorda salgada sem coentros.

josé luís disse...

também era para não escrever, mas depois reconsiderei - há uma palavra feminina para ego: ega, pois claro! ;)

Escrivaninha disse...

Ah! Caríssimos: Agora é que eu fiquei com «a ega lustrosa»! :-)
Vou tentar a continuar a corresponder às expectativas. Obrigada!

Escrivaninha disse...

Por causa do ego e da ega, lembrei-me daquele senhor que achava que as epístolas eram as mulheres dos apóstolos.

Ninguém.pt disse...


Escrevemos docemente


Escrevemos docemente. Se a figura
sobe de estar tão funda a essa mesa
é que escrever se lembra. E só da altura
de se lembrar percorre a linha acesa

a ponta de escrever, que traça a pura
forma de rosto que abre na tristeza.
E a tristeza ilumina de escultura
penumbras de volumes com que pesa.

Por isso é docemente que da linha
de estar ali aonde sempre esteve
aparece figura de rainha

que sempre foi e agora só se escreve.
E escrevermos é como se na vinha
o sol se iluminasse. E fosse breve.


Fernando Echevarría

Isso: ilumine a Escrivaninha o sol na nossa vinha...

Ninguém.pt disse...

Se os apóstolos abandonaram mulheres e filhos para seguirem o JC, as mulheres deles passaram todas a ser "ó espera por ele!".

Quando eles escreviam as epístolas era de longe e para outras mulheres...

Belos exemplos de vida familiar!

Ninguém.pt disse...


Escrevo como quem quer ser escrito


escrevo como quem quer ser escrito

uma árvore ou uma pena no centro da frase
um espelho branco onde observo a palavra

e dos seus troncos brotam folhas, letras
inundações de verde no lago azul do céu
que caem, voando, asas de papel

como tu, também eu sussurro
lentas sílabas à leve melancolia que nos abraça


Jorge Reis-Sá

josé luís disse...

julga que inventei?
então não se lembra em «os maias» do melhor amigo do carlos, o ega?
;)

josé luís disse...

.... e também não é preciso morar na rua sésamo para saber que as melhores amigas das becas são as egas... ;)

Escrivaninha disse...

Mestre:
É uma bela imagem para um espaço virtual: Abraçados melancolicamente numa vinha ensolarada por palavras?...Gosto!

Escrivaninha disse...

jl
parafraseando alguém: rabd!