Na beira-mar o céu começou a chorar devagarinho, umas lágrimas moles, grandes, preguiçosas...
Dir-se-ia que recordava a necessidade de chorar um desgosto, já muito gasto... um desgosto tão profundo que tinha de ser chorado eternamente, mas para o qual as forças lhe faltavam.
O céu derramava sobre o mar lágrimas choradas devagarinho, sem convicção, sem energia...Por isso não perturbava os barcos que saíam para a pesca deslizando nas águas calmas, estranhamente desertas de gaivotas.
As gotas não assustaram os namorados que se beijavam ou os passeantes de cães. Ninguém estugou o passo ou se recolheu sob um toldo.
Tive pena do céu, a chorar sozinho, sem ninguém que fosse sensível ao seu sofrimento. Em solidariedade, puxei o carapuço do impermeável, mas mantive o ritmo dos meus passos.
2 comentários:
O dia deu em chuvoso
O dia deu em chuvoso.
A manhã, contudo, esteve bastante azul.
O dia deu em chuvoso.
Desde manhã eu estava um pouco triste.
Antecipação! Tristeza? Coisa nenhuma?
Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso.
Bem sei, a penumbra da chuva é elegante.
Bem sei: o sol oprime, por ser tão ordinário, um elegante.
Bem sei: ser susceptível às mudanças de luz não é elegante.
Mas quem disse ao sol ou aos outros que eu quero ser elegante?
Dêem-me o céu azul e o sol visível.
Névoa, chuvas, escuros — isso tenho eu em mim.
Hoje quero só sossego.
Até amaria o lar, desde que o não tivesse.
Chego a ter sono de vontade de ter sossego.
Não exageremos!
Tenho efetivamente sono, sem explicação.
O dia deu em chuvoso.
Carinhos? Afetos? São memórias...
É preciso ser-se criança para os ter...
Minha madrugada perdida, meu céu azul verdadeiro!
O dia deu em chuvoso.
Boca bonita da filha do caseiro,
Polpa de fruta de um coração por comer...
Quando foi isso? Não sei...
No azul da manhã...
O dia deu em chuvoso.
Álvaro de Campos
Está bem, então: Amigos como dantes!
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