terça-feira, 20 de abril de 2010

Açafate

A minha mãe colocava a roupa impecavelmente passada a ferro num açafate. Era de verga clarinha, baixinho e com as malhas muito apertadinhas. Era bonito. E tinha um nome muito bonito.
Há tempos, em conversas daquelas tocadas a lazer, falei no açafate da roupa: ninguém sabia o que era...
Hoje precisei de comprar um tabuleiro novo para a roupa. Não me atrevi a solicitar pela designação desconhecida e trouxe-o para casa, mas dirigi-me então ao dicionário para confirmar.
Cá está: «Açafate», "provém da designação árabe de cesta e refere-se a um cesto baixo, redondo ou oval, sem tampa e sem asas, feito em verga fina."
O tabuleiro da minha mãe era rectangular e tinha asas...
Ah, cá está! «Açafata»: "moça fidalga incumbida de levar, em açafate, as peças de vestuário e de adorno das rainhas."
Bom, sempre tinha a ver com o transporte de roupa limpa e engomada.
O da minha mãe era de verga e recebia as peças impecavelmente passadas.
O meu é de plástico e recebe as peças passadas.
O tempo sempre vai aligeirando as palavras e os hábitos!

2 comentários:

Ninguém.pt disse...

O poeta distraído

A musa andava distraída pelas ruas.
Esquecida do seu estatuto,
vestia jeans e t-shirt rota
e chinelava pelas calçadas de Lisboa.

Foi assim nestes preparos
que entrou no jardim da Estrela,
onde estava o poeta, coitado.

«Olha, tirou férias a musa»
- queixou-se o poeta,
sentado na esplanada
à beira de mais um cigarro. -
«E vai de óculos escuros,
para fingir que não vê.
Hoje isto não está de feição.
Amanhã volto.
Guardo o bloco e a caneta,
talvez vá antes à pesca.»

E o poeta foi-se.

O poeta perdeu o momento
em que a musa distraída
tirou as chinelas
e enfiou os pés
no lago do jardim da Estrela,
só os peixes vermelhos
e os pombos a vê-la.

Soube-se que nesse dia
o poeta não pescou nada.
Os peixes percebem de poesia
e no lago do jardim da Estrela
a lotação esteve esgotada.


Bárbara Pais

Peço desculpa. Podemos esquecer o quiproquó que a minha insensibilidade deixou germinar?
Amigos como dantes?

Escrivaninha disse...

Eu deveria perceber?!?
De qualquer maneira, creio que não terá nada a ver com a açafate da minha mãezinha...
Eu não entendo. Se considerar importante, Mestre, é melhor explicar.