segunda-feira, 12 de abril de 2010

Personalização?

A loja do cidadão estava cheia.
Diferentes balcões e serviços; senhas com letras diferentes, paineis de informação que não permitiam a leitura dos lugares sentados, fazendo-nos esticar o pescoço, como uma fila de pássaros alinhados sobre os fios dos telefones.
Talvez a maior enchente fosse no IEFP. Desempregados, pensei.
Uma funcionária, só, assegurava o balcão do ADSE, visivelmente esgotada. Foi quase num lamento que informou a senhora idosa, trazida por outra funcionária de um outro balcão, que os papeis tinham de ser preenchidos por ela. A senhora hesitava, cansada de informações incompletas e de passar de funcionário em funcionário. Quase suplicava uma ajuda. "Mas eu não posso mesmo...porque são muitas coisas para preencher e estão outras pessoas para atender...Eu estou sozinha..."Olhava em redor visivelmente incomodada.
Acabei por me oferecer para ajudar. Eram uns formulários não muito complicados, mas, claro, quando a pessoa já é idosa e cansada, tudo se torna mais difícil. Com mais de setenta anos, toma conta do marido com doença de Alzeihmer e teve de pedir a uma vizinha para o vigiar, depois de lhe ter dado um comprimido para dormir e estava em risco de não resolver as coisas...
Por fim tudo se resolveu, mas depois de um escada-acima-escada-abaixo, várias declarações e papeis diferentes depois.
A senhora insistou muito em me pagar um café e em trocarmos moradas, para que um dia os visitasse. Separámo-nos depois, com beijinhos, abraços e agradecimentos genuínos.
Retomei a minha jornada, no metro, a pensar nos paradoxos do nosso tempo: apaguei do telemóvel há pouco tempo as mensagens que recebi no dia do meu aniversário, da cabeleireira, do ginásio, do banco, da clínica de fisioterapia que frequentei, de umas sapatarias de que tenho cartão e de uma livraria. Tudo muito personalizado. Parece que estamos todos juntos e solidários neste mundo e quando precisamos que alguém nos acalme e ajude com uma coisa simples, percebemos que estamos sozinhos, numa sala cheia de gente, na sua maioria desocupada e fechada em si mesma.
Não me parece que este tempo seja pior que os outros...todos os tempos têm os seus paradoxos, mas parece-me que este tempo tinha obrigação de ser melhor, mais solidário, menos mecânico, mais humano. Que me interessa que no mesmo dia, vários computadores tenham gerado mensagens iguais com o meu nome, só porque tinham sido programados para tal? Que me interessa pertencer ao clube de "não sei o quê", se, quando ligo o número de telefone que me oferecem, passo de atendimentos automáticos em atendimentos automáticos e não tenho direito a uma voz humana que me responda, a mim, ao que eu pergunto? De que me serve receber mais de 10 mensagens de aniversário, se não tiver ninguém com quem partilhar a fatia do bolo? Alguém que me ajude a levantar quando eu cair?
Falamos de atendimentos personalizados como se eles existissem!
Atendimento personalizado foi a minha conversa com a D. Albertina, que terminou num café, num abraço e num olhar de ternura: em solidariedade humana.
Como se diz várias vezes ao dia, na rádio que ouço: "Vale a pena pensar nisto".

2 comentários:

josé luís disse...

... talvez nunca lho tenham dito assim, num comentário de blog e com tanto atraso, mas aqui vai: parabéns!

Escrivaninha disse...

Obrigada!