sexta-feira, 2 de abril de 2010

Não entendo

"Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender.
Entender é sempre limitado.
Mas não entender pode não ter fronteiras.
Sinto que sou muito mais completa quando não entendo.
Não entender, do modo como falo, é um dom.
Não entender, mas não como um simples de espírito.
O bom é ser inteligente e não entender.
É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida.
É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice.
Só que de vez em quando vem a inquietação:
quero entender um pouco.
Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."


Clarice Lispector (1920-1977)

3 comentários:

Ninguém.pt disse...

Será que entender é principalmente deixar de estar inquieto? Saber será conhecer o que aí vem, n’«este espectáculo estafado / Em que de cor sei dizer / O que me foi ensaiado / E o que todos vão fazer»?

Não entender é, a meu ver, não ter ainda encontrado o fio da meada de mais não-entendimentos...


Sabedoria


Nos dias em que nada vale a pena,
E em que as árvores amigas
São iguais e estão vistas,
A vida é tão parada e tão serena
Que afinal já não há que contar mais,
E prevejo, com olhos anormais,
As coisas imprevistas...
Nos dias em que são cinzentos os meus céus
— O de dentro e o de fora —
E é vaga esta noção de um velho Deus,
Que me não manda embora
Deste espectáculo estafado
Em que de cor sei dizer
O que me foi ensaiado
E o que todos vão fazer,
Tenho inveja dos homens convencidos
Que nem sequer sonharam
Que poderia haver paraísos perdidos,
Ainda não decifraram
Esta charada em que andam envolvidos,
E pensam que, vivendo, triunfaram
Da Vida em que os que sonham são vencidos.


Francisco Bugalho

Ninguém.pt disse...


Saber


saber
é saber saber-te
sabermo-nos unir

unirmo-nos
é conhecermo-nos
sabermos ser

por fim sermos
é sabermos
sabermo-nos

conhecermos
a surda áspide


Ana Hatherly

Escrivaninha disse...

Saber ou não saber: eis a questão!
E saber, o quê?
Alguma vez sabemos que sabemos? Ou será que é verdade que só sabemos alguma coisa quando temos consciência de que não sabemos? Ou será que só sabemos quando sentimos?...e quando sentimos...sabemos? ou a emoção tolda-nos a razão?...E saber para quê? Porquê? Até quando? Até onde?
Ah! Esta idade dos porquês, que volta-não-volta, volta.