No País do Verão há comboios coloridos todo o ano. Carrosseis com cavalos presos por um pau: carrosseis dos filmes infantis de outrora.
Há gente enorme, com pele rosado-leitão a passear uns calções de banho que lembram as toalhas de pic-nic do início das fotografias a cores. Há muitos rapazes de sobrancelhas brancas - que eu sempre imagino com uma farda de colégio inglês - mas aqui estão com um ar condizente com a atmosfera.
Aqui, no país do Verão, as primeiras palavras de saudação são em inglês. Só depois de eu convencer o empregado que sou portuguesa, ele vira a ementa para a língua do país que habita.
Passam uns rapazes a jogar ruidosamente à bola, com ar de hooligans...
Há muita gente a passear à beira-mar. Há mulheres muito gordas de fato de banho preto, há mulheres que resolveram deixar de ser gordas e passeiam os seios murchos, dentro de uns bikinis pequenos que não as tornam elegantes: serão sempre mulheres que decidiram deixar de ser gordas. Há homens que parecem portugueses, porque os calções de banho são monocromáticos e, no meio dos pêlos do peito, brilham fios de ouro com medalhas de santos.
O mar está azul, mas ainda muito frio.
As pessoas passeiam com sandálias e soquetes brancos. (Acrescento-lhes mentalmente um chapéu de explorador africano).
Há também umas raras meninas a fazer, ao vivo, o anúncio da Kellogs. Mas são ainda, só, as mais afoitas. As outras estão em casa, a treinar os abdominais, para nos convencerem de que há Verão todo o ano.
Mas isso não interessa. Porque, a sul de Portugal, situa-se o país do Verão, onde todos passeiam como são e alguns até têm orgulho de alimentar as redondas barrigas com tardes de cervejas loiras e espumosas, servidas numas canecas, que povoam o meu imaginário germânico.
No País do Verão tudo parece inventado; todas as imagens se ligam às de um filme qualquer ou a estereotipos sobre estrangeiros.
O País do Verão parece-se com a cantiga da rua, "que sobe e flutua e não se detém, nem minha nem tua, é de toda a gente, não é de ninguém."
4 comentários:
Belo quadro! Para não fazer parte dele é que eu fujo da praia como Maomé do toucinho...
Mas quadro de praia traz-me sempre à lembrança este poemita – digamos que seria uma pincelada mais crua num quadro idílico:
Na praia
Raça de marinheiros que outra coisa vos chamar
senhoras que com tanta dignidade
à hora que o calor mais apertar
coroadas de graça e majestade
entrais pela água dentro e fazeis chichi no mar?
Ruy Belo
(Boas reportagens!)
Eu mantive a dignidade,a sério.
Provavelmente só porque "O mar está azul, mas ainda muito frio".
:-)
Nunca duvidei disso!
Até porque Escrivaninha que se preze é sempre digna – de quê, pode a dita cuja acrescentar, mas na minha modesta opinião aquilo a que se chama "dignidade" é muito parecido com aquilo a que chamam "classe": um conjunto de regras inventadas para separar o trigo do joio, ou seja, os filhos-de-algo dos outros filhos todos (ou dos filhos de outros)...
«Se você agir sempre com dignidade, pode não melhorar o mundo, mas uma coisa é certa: haverá na Terra um canalha a menos.»
Millôr Fernandes
(Duvido desta autoria atribuída na net. Conhecia uma frase parecida de um outro autor: Kennedy.)
Bom dia!
Já que estou numa de humor, aqui vai:
Poeminha sobre as reacções paradoxais numa sociedade
Na conversa sofisticada,
a debutante, nervosa,
tem um problema bem seu:
fingir que entende tudo
ou fingir que não entendeu.
Millôr Fernandes
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