sexta-feira, 7 de maio de 2010

Recado para Meggy

«Quando é que eu vou para casa?» indagou, com tom quase autoritário.

«Quando a tua dona te vier buscar» respondi-lhe, sem dar grande importância.

Reparei que os quadrados do padrão escocês se alongaram um pouco e tive receio que ele fosse sensível e começasse a chorar.

«Olha lá» tentei, mais conciliadora «porque não aproveitas o tempo e convives um pouco com os teus colegas?»

Aí compreendi que era arrogância, mesmo, e não simplesmente tristeza.

Eu sei que os meus chapéus de chuva foram comprados em lojas chinesas, em dias de chuva, naquelas urgências que sempre me irritam, pois devia estar prevenida com um dos chapéus que acumulo em casa. O visitante era, de facto, de outra estirpe: madeira, forte, padrão delicado...uma verdadeira sombrinha e não apenas um chapéu de chuva.

Tentei mais uma vez: «Nem eu nem eles temos culpa que a tua dona te tenha esquecido no café da minha rua! Eu até te fiz um favor de te ir buscar: estavas no caixote do lixo, lembras-te? Deixa que te diga: aquilo não era um chapeleiro a sério.»

Desde aí reparei que ele amuou. Virado para a parede recusou-se a fazer sequer um sorriso para os colegas de estirpe inferior. Eu juraria que ele olhava para eles com uma das varetas, rematadas a madeira, mais levantada que as outras, em sinal de desprezo.

Deixei de lhe ligar. Entrava e saía sem lhe dar cavaco.

Chegou o sol e eu estreei as sandálias e passei a pôr creme solar no rosto, feliz da vida.

Esta noite, eu sei que ouvi, um matraquear, uma espécie de fandango de um só pé, ou uma dança solitária de uma bengala. Não liguei. Acreditei que seriam aqueles espíritos que povoam os livros da Isabel Allende e que não nos devemos preocupar muito com essas questões.

Esta manhã chovia a potes e só quando regressei, ensopada, ao fim da manhã, percebi tudo, sobretudo o ar triunfante da nobre sombrinha.

O som de ontem era uma dança da chuva! Claro: quem sente a falta de um chapéu de chuva em dia de sol?

Portanto, pequena, eu e o teu chapéu estamos fartos um do outro. Fazes o favor de o vir buscar que eu quero voltar a usar as sandálias!

A qualquer hora esperamos por ti!



Nota destinada a evitar equívocos: Isto foi só um pretexto para escrever um texto. Por favor, não amofines. Mas, se eu fosse o teu chapéu, estaria, mesmo, um bocadinho aborrecida. Beijinhos.

4 comentários:

Meggy disse...

Na verdade, esqueci-me dele. De todo. E até de boa estirpe, da antiga fidalguia, de cepa.
Sorry,
Passarei brevemente por aí.
Batem leve, levemente, como quem espera por mim...

Ninguém.pt disse...

Fiquei fascinado pelo conto!

Muitos parabéns!

Já agora, aproveito para desejar uma boa noite, com soninhos agradáveis, porque não com a edição de um livro de contos?...

Escrivaninha disse...

Muito obrigada!

Um livro de contos ficava bem num sonho meu.

Eu depois conto. :-)

Ninguém.pt disse...

Um livro de contos ficava bem numa Escrivaninha que os escreve assim...

Fico à espera do conto.