domingo, 23 de maio de 2010

Fórmulas Epistolares

«Queridos Primos
Espero que estejam todos bem; nós cá vamos, na forma do costume.»

«Querida Mãe, querido Pai, então que tal?
Nós andamos do jeito que Deus quer
Entre os dias que passam menos mal
Lá vem um que nos dá mais que fazer»

«Sou capaz de ir aí pelo Natal...»

5 comentários:

Ninguém.pt disse...

Não sei o porquê, mas a carta, espécie em vias de extinção, tem um peso comunicacional muito superior ao do e-mail, por exemplo.
Sendo duas formas escritas, a carta abriga rituais e linguagem muito específicos e não encontráveis noutras formas de comunicação.

Essa letra (do Tê, claro!) tem o condão de expressar todo o ambiente próprio de uma carta – ambiente que é o tema desta outra:

Carta

Bem quisera escrevê-la
com palavras sabidas,
as mesmas, triviais,
embora estremecessem
a um toque de paixão.
Perfurando os obscuros
canais de argila e sombra,
ela iria contando
que vou bem, e amo sempre
e amo cada vez mais
a essa minha maneira
torcida e reticente,
e espero uma resposta,
mas que não tarde; e peço
um objeto minúsculo
só para dar prazer
a quem pode ofertá-lo;
diria ela do tempo
que faz do nosso lado;
as chuvas já secaram,
as crianças estudam,
uma última invenção
(inda não é perfeita)
faz ler nos corações,
mas todos esperamos
rever-nos bem depressa.
Muito depressa, não.
Vai-se tornando o tempo
estranhamente longo
à medida que encurta.
O que ontem disparava,
desbordado alazão,
hoje se paralisa
em esfinge de mármore,
e até o sono, o sono
que era grato e era absurdo
é um dormir acordado
numa planície grave.
Rápido é o sonho, apenas,
que se vai, de mandar
notícias amorosas
quando não há amor
a dar ou receber;
quando só há lembrança,
ainda menos, pó,
menos ainda, nada,
nada de nada em tudo,
em mim mais do que em tudo,
e não vale acordar
quão acaso repousa
na colina sem árvores.
Contudo, esta é uma carta.


Carlos Drummond de Andrade

Ninguém.pt disse...

Para acabar o fim-de-semana com um sorriso.


Carta (a um Amigo que me pediu versos)


Como hei-de ser um Petrarca,
Cantar como um rouxinol,
Se o meu termómetro marca
Quarenta e dois graus ao sol!

Da lira bárbara e tosca
Nem saem trovas d'Alfama.
Enxota o Pégaso a mosca,
E eu durmo a sesta na cama.

A hipocondria maciça
Conduzo-a, não há remédio,
Na jumenta da preguiça
Pelas charnecas do tédio.

Eu trago a inspiração oca,
Ando abatido, ando mono;
Meus versos abrem a boca,
Como os porteiros com sono.

Não tenho a rima imprevista,
Os guizos d'oiro ou de opala,
Que à asa da estrofe o artista
Sublime prende ao largá-la.

Pra lapidar à vontade
Um belo verso radiante,
Falta-me a tenacidade,
Que é como o pó do diamante.

A musa foi-se-me embora;
Para onde foi nem me lembro;
Só a torno a ver agora
Lá para os fins de Setembro.

Anda talvez nas florestas
Fazendo orgias pagãs,
Entre os aromas das giestas
E os braços dos Egipãs.

Deixá-la andar lá dois meses
Colhendo imagens e flores,
Para espanto dos burgueses
E ruína dos editores.

Enfim, o calor achata-nos.
Vamos aos bosques pacíficos
Onde os guarda-sóis — os plátanos —
Têm forros novos, magníficos!


Guerra Junqueiro

Ninguém.pt disse...

Se vier cá pelo Natal, terei pronta a aletria e as filhós de abóbora...

Escrivaninha disse...

Não me tente, Mestre, que Natal é quando um homem quiser e, com estas modernices da igualdade, pode ser também quando uma mulher quiser.

Aumentei para quatro o número de pessoas que conheço que gosta de aletria, em que eu sou um dado participante da estatística.

Ninguém.pt disse...

Uma parte da minha tribo gosta de aletria – e eu aprendi a fazê-la. Até agora ninguém se atreveu a dizer que não era boa... (O respeitinho, sabe?)