O «salva-vidas» da minha praia era bom:
Morenaço (como convém), grisalho, mas sem barriga; "corpo sarado", como se diz lá do outro lado do mar.
E era competente: salvou-me a vida, só com o olhar que me deitou. A sério! Senti-me salva e viva...
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
7 comentários:
Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço
Mia Couto
Pescado na net (aqui: http://serolmar.blogspot.com/2009/02/avaliacao-do-reino.html) e publicado pensando na Escrivaninha-prof e Mafaldinha...
Avaliação do reino
O rei decide avaliar
Todos os súbditos habitantes
Para, com isso, determinar
Se eram cultos ou ignorantes.
Manda, entretanto, fazer
Um teste de avaliação
Com múltiplas para escolher
A resposta certa à questão.
Os avaliadores desse reino,
Já com perguntas pensadas,
Tinham estudos, tinham treino,
Em matérias variadas.
Conheciam mnemónicas,
Detergentes e sabões,
As ligações holonómicas,
Sistemas e equações.
Em álgebra eram notáveis
Como os casos da matemática
E em semântica e gramática
Eram deveras versáteis.
Sabiam de geografia,
De filosofia e de história.
Dominavam geometria...
Mas que excelente memória!
Fizeram um exame cuidado
Com lápis e esferográfica
O qual acabou editado
Numa maquina tipográfica.
O teste seguiu na sacola,
Com perguntas sem malícia.
Foi entregue na escola
Com escolta da polícia.
Começaram a escrever
Com grande convicção
Pois podiam tempo não ter
P'ra resposta à questão.
O burro era analfabeto,
O cão não sabia ler,
O boi que era tão esperto
Nem contas sabia fazer.
A vaca falar não queria,
Mugia como uma estouvada
E a burra apenas sabia
Como se faz marmelada.
A cabra queixava-se ao anho
Com ares de preocupada
Que a sua cultura apurada
Era dos tempos d'antanho.
A galinha era sabedora
Pois sabia como poucos,
Era perita, era doutora
A versar vida dos outros.
O mocho é que brilhava,
Sabia tudo de cor
E o pardal se se enganava,
Corrigia com corrector.
A raposa que era folgada
Chegava atrasada ao exame.
Justifica que, na estrada,
Se tinha dado um derrame.
Depois de tão árdua prova,
Saíam os resultados.
Eram más notas de sobra
No edital afixados.
O rei muito aflito
Com essa imensa burrice.
Irado e num só grito,
Manda chamar o arúspice.
O caso por deslindar,
Analisam com veemência
Acabando por passar
Certificados de inteligência.
A estupidez que havia
Fora banida pelo rei
E aquele que nada sabia
Era inteligente, por lei.
Eliminada pelo sistema
Com arte tão aprumada,
A ignorância já não é problema
No reino da bicharada.
Sérgio O. Marques
Aposto que este último poderia ser integrado na Cartilha Paternal Valha-nos Deus Para Políticos...
Cartilha Paternal Valha-nos Deus Para Políticos? Ficará assim!
Embora o paternal talvez seja demasiado bom; porque não experimentar o padrastal?
(Declaração de interesses: eu próprio sou padrasto e nunca o escondi atrás de palavras outras... Acho que ser padrasto não é mais do que não ter tido a felicidade de gerar alguém que se ama de igual modo.)
Oh, Mestre! É padrasto? E como não comentou o meu 'post' do Dia do Pai? Era dedicado ao meu padrasto, pessoa que muito estimei e que teve muita importância na minha educação. Também está lá explicado o que eu acho da palavra...
Neste caso eu deixaria mesmo paternal, se pensarmos que os nossos monarcas de antanho se denominavam «pais do povo».
Eu recordo esse texto do Dia do Pai, Miss Escrivaninha.
Não comentei porque era um texto demasiado intimista, não ficaria bem um comentário alheio.
Mas adorei-o, achei-o de uma ternura... enternecedora.
(Inclusive aquele último parágrafo que acabou desaparecendo...)
Revi naquele texto um que me foi dirigido e que releio muitas vezes – porque compensa tudo o que dei e até o que nunca fui capaz de dar.
Acho que o seu padrasto teria sentido o mesmo ao ler o que a Escrivaninha escreveu.
Obrigada.
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