Procurou no quiosque junto à estação. Ainda estava fechado. Olhou em volta, perdida, procurando na memória lugares de flores...sem ser aquele, só lhe ocorria a porta do cemitério, mas não queria chegar lá sem nada...
Inquiriu os engraxadores.
"Ela já cá deveria estar..."; "Em princípio, deve estar a abrir..."
A urgência da hora e o inadiável de um funeral desesperavam-na: "E não há outra florista?"
Afinal não era longe. Olhou para as montras enormes e para a indicação "Entregamos flores em todo o mundo" e pensou que o preço talvez fosse tão abrangente como o serviço. Hesitou um pouquinho, mas avançou decidida.
Lá dentro encontrou uma atmosfera paradisíaca. Os jardins do Éden deveriam ser assim: um oásis de branco, pontuado por maravilhas da Natureza. A própria florista também tinha algo de angelical, loura, calma, solícita.
Acabou por decidir-se por flores brancas. Sempre lhe pareciam o mais adequado para despedidas e desejos de paz eterna. Sem saber porquê, encontrou-se a descrever à florista as qualidades da pessoa que partira, injustamante nova, com muito para dar, deixando muitas saudades.
As mãos suaves e experientes, criavam o arranjo, enquanto - mais com expressões faciais que com palavras - a florista acompanhava, solidária, o relato.
Sentiu-se ridícula e sem graça. Toda a gente devia dizer coisas daquelas ali. Resolveu mudar o assunto: "Quando morei cá não havia esta florista..."
"Estamos aqui há 20 anos."
"A sério? Nesta mesma loja? Assim tão grande?"
"A mesma" assentiu a florista, levantando o olhar.
Só agora percebia que ela deveria estar a calcular a sua idade. Sabia que dissera coisas como: "Eu só saí daqui há quinze anos. Passava diariamente neste jardim...não me lembro nada deste espaço," falando mais para si mesma, quase a reflectir em voz alta.
Pousando o arranjo pronto sobre a mesa, a angelical florista disse com um sorriso: "Sabe?... Há idades para tudo. Idades para passar pelas lojas sem as ver, idades para assinalar datas com flores, idades para sentir mais uns acontecimentos que outros..."
Concordou que ela devia ter razão. Pagou o ramo e saiu. Havia algo no olhar da mulher que a incomodara quando trocaram as últimas palavras. Não soubera o que era, na altura.
Pensou em tudo isto, naquele sábado à noite, quando declinou o convite dos amigos para sair, preferindo ficar em casa a ler.
"Há idades para tudo...será que estou velha?..." Resolveu não se deter no pensamento e renovou o golo de Bailey's, enterrando-se na poltrona e semicerrando os olhos: "Desde que me saiba bem, até posso ficar velha!"- decidiu.
Observou o marcador evocativo de Paris e retomou a leitura.
2 comentários:
«[…] Idades só há duas: ou se está vivo ou morto. Neste último caso é idade demais, pois foi-nos prometida a eternidade. […]»
Mário Quintana
(numa autobiografia escrita para uma revista)
Idade
Conheci dias duradouros,
o sol tão longo entre manhã e tarde.
Um levantar súbito de luz
por trás da crista das heras no muro velho,
e depois descer no verão entre grades verdes
e para além do portão como a cair no Hades,
no inverno. Não havia tempo
nos dias longos, mas a passagem diária
do sol abençoado.
Fiama Hasse Pais Brandão
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