Será que as palavras ficam presas no tempo?
Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil?
Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?...
Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto.
Por puro prazer!
terça-feira, 5 de outubro de 2010
As Comemorações da República em Casa dos Rodrigues
Com esta imagem a fazer-me inveja, não resisti e fui-me a ela, ampliei-a e assim o cozido já chegou para mim...
Estranhei a falta de farinheira e daquelas carnes gelatinosas como a orelha, o rabo e o chispe, e a falta de uma cabeça de nabo — esqueceram-se de pôr na fotografia, tive que abdicar disso.
Mas, no geral, dar-lhe-ia uma nota suficiente para passar até ao próximo cozido...
LONGE DA FAMA e das espadas, Alheio às turbas ele dorme. Em torno há claustros ou arcadas? Só a noite enorme.
Porque para ele, já virado Para o lado onde está só Deus, São mais que Sombra e que Passado A terra e os céus.
Ali o gesto, a astúcia, a lida, São já para ele, sem as ver, Vácuo de ação, sombra perdida, Sopro sem ser.
Só com sua alma e com a treva, A alma gentil que nos amou Inda esse amor e ardor conserva? Tudo acabou? No mistério onde a Morte some Aquilo a que a alma chama a vida, Que resta dele a nós - só o nome E a fé perdida?
Se Deus o havia de levar, Para que foi que no-lo trouxe - Cavaleiro leal, do olhar Altivo e doce?
Soldado-rei que oculta sorte Como em braços da Pátria ergueu, E passou como o vento norte Sob o ermo céu. […] Fernando Pessoa
(É enorme e um panegírico que até é de admirar em poeta tão cáustico como Pessoa.)
7 comentários:
Pois, nem convidam!...
Expressão-despertador, cozido à portuguesa lembrou-me isto:
Auto-retrato
Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.
Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.
Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.
Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
José Carlos Ary dos Santos
Com esta imagem a fazer-me inveja, não resisti e fui-me a ela, ampliei-a e assim o cozido já chegou para mim...
Estranhei a falta de farinheira e daquelas carnes gelatinosas como a orelha, o rabo e o chispe, e a falta de uma cabeça de nabo — esqueceram-se de pôr na fotografia, tive que abdicar disso.
Mas, no geral, dar-lhe-ia uma nota suficiente para passar até ao próximo cozido...
Farinheira, garanto que tinha (eu repeti).Creio que só faltava o chouriço mouro, mas a ausência foi devidamente explicada pela cozinheira.
Eu não disse que o cozido não tinha. Esqueceram-se de pôr na foto e, assim, não pude saborear...
O chouriço mouro "apenas" serve para dar cor ao arroz e sabor às hortaliças, não faz tanta falta como a farinheira.
Para a próxima, por favor, tire a foto apenas quando estiver tudo na mesa, pode ser?
Com tantas exigências, talvez seja mesmo melhor convidá-lo...para tirar a foto. :-)
Obrigado, para trabalhar até me convida mas, para comer, nicles...
Com amigos assim bem posso ir para a sopa do Sidónio e dar lá vivas à I República...
À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais
LONGE DA FAMA e das espadas,
Alheio às turbas ele dorme.
Em torno há claustros ou arcadas?
Só a noite enorme.
Porque para ele, já virado
Para o lado onde está só Deus,
São mais que Sombra e que Passado
A terra e os céus.
Ali o gesto, a astúcia, a lida,
São já para ele, sem as ver,
Vácuo de ação, sombra perdida,
Sopro sem ser.
Só com sua alma e com a treva,
A alma gentil que nos amou
Inda esse amor e ardor conserva?
Tudo acabou?
No mistério onde a Morte some
Aquilo a que a alma chama a vida,
Que resta dele a nós - só o nome
E a fé perdida?
Se Deus o havia de levar,
Para que foi que no-lo trouxe -
Cavaleiro leal, do olhar
Altivo e doce?
Soldado-rei que oculta sorte
Como em braços da Pátria ergueu,
E passou como o vento norte
Sob o ermo céu.
[…]
Fernando Pessoa
(É enorme e um panegírico que até é de admirar em poeta tão cáustico como Pessoa.)
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