segunda-feira, 22 de julho de 2013

E se nos deixamos morrer?

A Biblioteca é um lugar muito bom para estar no Verão, na verdade, em qualquer altura do ano.
Adoro a Biblioteca da minha cidade. É um espaço industrial recuperado, abre para um jardim que caminha para uma central eléctrica e um pombal, tudo bordejado pelos rios que se unem "até ao fim do mundo" ali mesmo. É assim um espaço muito bom em características ambientais e intelectuais, o que eu acho que também contribui para um bom ambiente, sempre.
Hoje o dia foi passado lá. A pesquisar jornais antigos. Entre desgraças e festas, pois assim o exige as características da instituição que investigo, sempre brilhante em festas, sempre em entrega abnegada nas desgraças de cada um e de todos.
A pesquisa é um vício. É preciso uma disciplina férrea para não dispersar por pelo menos mais dez linhas de pesquisa igualmente aliciantes.
O caderno de pesquisa  - do qual não prescindo apesar do prático computador em formato muito razoável - vai criando umas páginas marginais que talvez um dia sejam úteis noutros contextos.
A semelhança e atualidade de certos momentos por vezes irrita: «Mas afinal não aprendemos nada?»
A\ calma e a ordem certificada com o selo «Este jornal foi visado pela censura»  assusta. Leio o jornal mais baixinho a partir dos anos 30 para ver se a realidade não o ouve, não me ouve, não ouve o meu medo de leitura transversal de tudo isto...
De repente numa notícia de primeira página: «Preso o líder dos comunistas e apreendida documentação». Qualquer coisa assim, a negro, em destaque. Primeiro a estupefacção: «Falavam em comunistas?», depois a compreensão: «Claro, para anunciar o seu fim. Uma vitória do regime. Uma limpeza bem sucedida.»
Comecei a ler. Era uma notícia de 1949, creio (não tirei apontamentos), anunciava a prisão de Álvaro Barreirinhas Cunhal e outro chefe de uma organização a que chamavam - nas palavras do articulista - Partido Comunista Português.
Apossou-se de mim uma comoção ainda não muito explicável, mesmo agora passadas horas sobre o sucedido. Sei agora que sustive a respiração e fiquei assustada com o ritmo do meu coração. Li devagar a notícia. Senti-me tão devedora daqueles homens que combateram o regime! Vem-me agora à lembrança a imagem - tão forte! - do meu professor de museologia sentado em silêncio no Memorial da Resistência, em São Paulo, numa cela vazia adornada com um cravo vermelho sobre o qual incidia uma luz. Apeteceu-me fotografá-lo mas fui incapaz de profanar aquele momento, de lhe roubar a alma daquele instante. Também ele tinha sido preso político. Aquele cravo não estava ali pela nossa história, pode  ouvir-se pela voz de um dos protagonistas a história que ele evoca, mas todos nós, portugueses, ficámos profundamente impressionados pela luz daquele cravo «grito vermelho numa escuridão qualquer».
O meu professor já morreu. Álvaro Cunhal já morreu. E se os deixamos morrer todos? E se nos deixamos morrer todos?
Chegada a casa, abro o Facebook e vejo na página da Alice Vieira - graciosamente viva - este video invulgar:

Haja esperança: já nos salvámos uma vez!

1 comentário:

Escrivaninha disse...

A prisão referida manteve-o cativo até 1960.
Caramba!