sábado, 20 de julho de 2013

Sei de uma camponesa

Sei de uma camponesa
Sem campo sem quintal
Que canta debruçada
Ao sol da seara
O trigo na cara
De suor tão debulhada
Sei de uma camponesa
Que dança à noite na eira
Perfumada de avenca e feno
Enfeitada de tomilho
E canta com a expressão
De quem vai ter um filho
Mesmo pelo coração
Sei de uma camponesa
Que nunca enche esta cidade
Nunca se senta à minha mesa
Nunca me leva à sua herdade
Para ouvir um trocadilho
Para tornar realidade
Um sonho que perfilho

Rui Veloso/Carlos Tê

3 comentários:

Ninguém.pt disse...


MADRUGADA CAMPONESA


Madrugada camponesa,
faz escuro ainda no chão,
mas é preciso plantar.
A noite já foi mais noite
a manhã já vai chegar.

Não vale mais a canção
feita de medo e arremedo
para enganar solidão
Agora vale a verdade
cantada simples e sempre
agora vale a alegria
que se constrói dia a dia
feita de canto e de pão.

Breve há de ser
sinto no ar
tempo de trigo maduro
vai ser tempo de ceifar
Já se levantam prodígios
chuva azul no milharal,
estala em flor o feijão
um leite novo minando
no meu longe seringal.

Madrugada da esperança
já é quase tempo de amor
colho um sol que arde no chão,
lavro a luz dentro da cana
minha alma no seu pendão.

madrugada Camponesa
faz escuro (já nem tanto)
vale a pena trabalhar
faz escuro, mas eu canto
porque a manhã vai chegar.


Thiago de Mello


Também acredito que a manhã chegará.

Beijito, Miss. Boas culturas...

Escrivaninha disse...

Eu não tenho dúvidas que a manhã vai chegar, as minhas dúvidas são sobre a duração da noite e as baixas que fará.

Gosto de lembrar que a seguir à crise do século XIV despontou a época dos Descobrimentos.

Esta crise ficará arrumada no livro de História entre períodos de prosperidade.

A grande diferença entre esta crise e todas as outras que estão no livro é que esta está a ser vivida por nós. As outras contam-se e parecem dolorosas, esta vive-se e dói.

Mas que passa, passa. E seguir-se-á uma bela manhã. Tenho a certeza. E a vontade de assistir/participar.

Beijito, Mestre.

Ninguém.pt disse...


NOTÍCIA DA MANHÃ


Eu sei que todos viram
e jamais esquecerão.
Mas é possível que alguém,
denso de noite, estivesse
profundamente dormido.
E aos dormidos — e também
aos que estavam muito longe
e não puderam chegar,
aos que estavam perto e perto
permaneceram sem vê-la;
aos moribundos nos catres
e aos cegos de coração —
a todos que não a viram
contratei desta manhã
— manhã é céu derramado
é cristal de claridão —
que reinou, de leste a oeste,
de morro a mar — na cidade.

Pois dentro desta manhã
vou caminhando. E me vou tão feliz como a criança
que me leva pela mão.
Não tenho nem faço rumo:
vou no rumo da manhã,
levado pelo menino
(ele conhece caminhos
e mundos, melhor do que eu) .

Amorosa e transparente,
esta é a sagrada manhã
que o céu inteiro derrama
sobre os campos, sobre as casas,
sobre os homens, sobre o mar.
Sua doce claridade
já se espalhou mansamente
por sobre todas as dores.
Já lavou a cidade. Agora,
vai lavando corações
(não o do menino; o meu,
que é cheio de escuridões) .

Por verdadeira, a manhã
vai chamando outras manhãs
sempre radiosas que existem
(e às vezes tarde despontam
ou não despontam jamais)
dentro dos homens e das coisas:
na roupa estendida à corda,
nos navios chegando,
nas torres das igrejas,
nos pregões dos peixeiros,
na serra circular dos operários,
nos olhos da moça que passa, tão bonita!
A manhã está no chão, está nas palmeiras,
está no quintal dos subúrbios,
está nas avenidas centrais,
está nos terraços dos arranha-céus.
(Há muita, muita manhã
no menino; e um pouco em mim.)

A beleza mensageira
desta radiosa manhã
não se resguardou no céu
nem ficou apenas no espaço,
feita de sol e de vento,
sobrepairando a cidade.
Não: a manhã se deu ao povo.

A manhã é geral.

As árvores da rua,
a réstia do mar,
as janelas abertas,
o pão esquecido no degrau,
as mulheres voltando da feira,
os vestidos coloridos,
o casal de velhos rindo na calçada,
o homem que passa com cara de sono,
a provisão de hortaliças,
o negro na bicicleta,
o barulho do bonde.
Os passarinhos namorando
— ah! pois todas essas coisas
que minha ternura encontra
num pedacinho de rua,
dão eterno testemunho
da amada manhã que avança
e de passagem derrama
aqui uma alegria,
ali entrega uma frase
(como o dia está bonito!)
à mulher que abre a janela,
além deixa uma esperança,
mais além uma coragem,
e além, aqui e ali
pelo campo e pela serra,
aos mendigos e aos sovinas,
aos marinheiros, aos tímidos,
aos desgarrados, aos prósperos,
aos solitários, aos mansos,
às velhas virgens, às puras
e às doidivanas também,
a manhã vai derramando
ama alegria de viver,
vai derramando um perdão,
vai derramando uma vontade de cantar.

E de repente a manhã
— manhã é céu derramado,
é claridão, claridão —
foi transformando a cidade
numa praça imensa praça,
e dentro da praça o povo
o povo inteiro cantando,
dentro do povo o menino
me levando pela mão.


Thiago de Mello

Beijito, Miss. Que não tenhamos que esperar muito pela manhã ou. pelo menos, que não tenhamos insónias — que seja manhã quando despertarmos do pesadelo.