sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Mutilação

Talvez não seja justo - sobretudo não será correto - mutilar um poema.
Mas se dizem que quando os criadores tornam públicas as suas criações elas passam a ser de todos os que dela fruem ou usufruem, poderá ser tão legítimo ler/escrever só um pouco de um poema como ver só um pouco de um filme ou interromper uma música antes do seu términus?
Não sei.
Mas depois da nossa discussão e do teu pedido de socorro, logo seguido da rejeição, da fuga e do afastamento que nos une, encontrei-te neste pedaço de poema. Só neste pedaço. O poema depois seguia um caminho que não era o nosso. Sobretudo porque a seguir o poema discorre sobre o que "dizem sobre o nosso amor" e o nosso amor para eles não existe. Na verdade o nosso amor não existe: persiste na sua não existência, que já um dia nos encheu os dias, nos embalou, nos enganou. Aí os outros achavam que nos amávamos e depois concluíram que o amor acabou. Mas eles não sabem nada. Esta persistência de algo entre nós não é amor, não é...Nós também não sabemos o que é, mas a ele retornamos, periodicamente, só para sabermos que temos o facto de já não nos termos um ao outro. O facto de não estarmos juntos é um facto da vida, tão forte como outra coisa qualquer. Há ausências, não-existências e persistências de finais que ocupam imenso espaço na nossa vida. Às vezes penso que se estivesses aqui não ocupavas tanto espaço como a tua partida e a tua ausência...
Assim sendo, estamos aqui, neste pedaço de poema, que poderia ser a narrativa dos dois pedaços autónomos que, nas nossas vidas, são ocupados pela(s) nossa(s) ausência(s), pelo que em mim és tu e pelo em que ti serei eu, sempre:

"Entre nós há uma ferida que já não 
sangra, mas não sara - um amor
que perdura e está perdido. Se vamos
juntos, nunca vemos passar a lâmina
do tempo, mas voltamos sempre
mais velhos do que partimos. (...)"

Maria do Rosário Pedreira, Poesia Reunida, p. 175

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