domingo, 30 de junho de 2013

E as pessoas, pá? E eu, pessoa, pá?

"Cada vida é um dom. Há que aceitar esta verdade que se escuta até nas coisas mais simples. Cada homem tem algo de extraordinário, assim como cada coisa tem o seu lugar. Desprezar uma pessoa, ou um qualquer pedaço de mundo, é ignorar que até o mais pequeno dos fragmentos de um espelho partido consegue reflectir a luz do sol e iluminar uma escuridão."

José Luis Nunes Martins, Filosofias, I, 29/06/2013

O que é certo é que tenho lido pouco. Ou feito pouco, de tudo. Ou feito muito do que não me interessa e pouco daquilo que acho que vale a pena.
É aquele cansaço de final de ano letivo, aquele espaço aberrante entre as aulas e as férias, cheio de burocracia e com uma enorme ausência de alunos: uma enorme ausência de razão de ser. Eu sei, eu sei que as tarefas têm de ser feitas e que poderá parecer mal, em tempo de crise, achar que não sou eu - professora qualificada - que tenho de fazer matrículas, inventários, relatários (eu sei que está mal, mas é para rimar). Eu deveria estar a ler, a aprender. Para depois poder ensinar (com propriedade!) o valor, o prazer e as vantagens de aprender.
Comprei a Granta e ainda nem a consegui ler. Pois, eu sei que ela dá para seis meses, mas tenho tanto medo de daqui a seis meses ainda a não ter lido.
Tudo é penoso, tudo é cansativo. A televisão invade-me a vida a contra-gosto, mas permite-me estar deitada, a deslizar os dedos pelo pelo das gatitas... Elas, vão crescendo, com focinhitos curiosos, e parece que também isso me está a lembrar que a curiosidade é o caminho do saber e da progressão e que eu devo estar a regredir...a definhar...a deixar enredar-me pela televisão...pelo fácil, pelo menos importante...
Tenho medo de desistir. Tenho medo de amolecer.
Este texto que escolhi hoje, por exemplo, pareceu-me tão bem quando o li, ontem, no comboio, na viagem matutina para comparecer pontual no Colóquio sobre Educação no qual, como de há vários anos para cá, desempenho uma tarefa (que me é muito querida) de ligação entre a Universidade e os Alunos das escolas. O texto. Já me estou a afastar do texto.
É que ontem me pareceu muito bem e retive a ideia dos pedacinhos de espelho para colocar aqui. Mas agora, ao transcrevê-lo, não sei porque gostei dele: fala de homem sem letra grande, o que me parece ser excludente da mulher num conceito que ontem me parecia alargado a toda a Humanidade; fala do homem, mas depois também de qualquer pedaço de mundo e então não é então assim tão acentuadamente humanista; fala de escuridão em tempo de sol, o que deve pressupor a permanência dentro de algum túnel e a referência a um espelho partido poderá até ser aziaga.
Resumindo: não ando a ler com a atenção devida ou estou inconstante nos meus gostos, ou o texto piorou de ontem para hoje, ou estou mesmo muito cansada, o que não me sossega face a todas as obrigações que me povoam o Verão: aquelas que tenho de desempenhar, porque fazem parte do meu trabalho e todas as outras que abracei porque tem de haver vida para além da escola e, ao longe, o Verão parecia maior e mais generoso.
Portanto, mesmo não me agradando particularmente agora o texto, não tive, não tenho, tempo para procurar outro e estou também a baixar a qualidade deste meu espaço.

Que prazer deve ser ter um livro para ler
e poder
e exercer
e embarcar nessa viagem
sem horas, sem paragens e sem estações obrigatórias.
Sem obrigações.
Só estar
Ler
Ser

Era mesmo o que eu queria!

1 comentário:

Ninguém.pt disse...


SER


Cansada expectativa tão ansiosa
que ser só eu na minha vida espalha!
Na longa noite em que se tece a malha
do que não serei nunca, fervorosa

minha presença rútila e curiosa
arde sombria como um arder de palha,
curiosa apenas de saber se goza
o voar das cinzas quando o vento calha

lá onde o levantá-las é verdade.
Inutilmente se mistura tudo,
que a mesma ansiedade, já esquecida,

de novo recomeça. Mas quem há-de
contrariá-la? Eu não, que não me iludo:
Viver é isto, quando se é só vida.


Jorge de Sena


Beijito, Miss.